Por Ruth Alexandre de Paulo Mantoan
A frase destacada como título é de Milton Barbosa, do Movimento Negro Unificado, grupo que nasceu em 18 de junho de 1978, 32 anos atrás, porque um jovem negro, Robson Silveira, foi torturado até a morte. “O Delegado foi condenado e não passou um dia sequer na prisão”, lembra Milton. Nesta quarta-feira, 9 de junho de 2010, três décadas depois, o assassinato pela polícia, de jovens pobres e negros continua em discussão: Josenildo, na Favela Naval, e o dentista Flávio Santana. Nos últimos dois meses, dois motoboys: Eduardo Luís Pinheiro dos Santos, 30 anos, no batalhão da Casa Verde, zona norte de São Paulo, foi assassinado no dia 9 de abril, depois de ser detido por policiais. Um mês depois, na madrugada de sábado para domingo, Dia das Mães, Alexandre Menezes dos Santos, 25 anos, foi espancado até a morte por policiais militares na frente de sua mãe, que ainda foi ameaçada quando em vão tentava tirar o filho das mãos de seus algozes.
Quem mora ou acompanha a vida da periferia com certeza conhece casos semelhantes. Ano 1984. Três jovens negros desciam uma ladeira no Jardim Carumbé, Zona Norte, e foram parados pela polícia. Segundo relatos das testemunhas, um dos policiais olhou para o jovem do meio, 18 anos, e declarou que ele tinha cara de ladrão. E deu um tiro de calibre doze em seu abdome. O jovem era ajudante do pai, pintor de paredes muito requisitado, e se não estava na lida, estava dentro de casa, vendo televisão. Quem pesquisar nos arquivos dos jornais da época vai encontrar os detalhes.
E o filho da dona Ana? A mãe estava em casa na Vila Icaraí, região da Brasilândia, e esperava o filho chegar do trabalho porque ele traria o dinheiro para pagar o pedreiro. De casa viu algumas luzes de carro de polícia num terreno baldio que tinha nos fundos de sua casa. Seu filho não chegou. Mais um trabalhador jovem e negro morto do mesmo jeito. Algum tempo depois, dona Ana, que nunca mais foi a mesma, morreu do coração sentada dentro de um ônibus. Infelizmente são muitos os casos. Alguns conseguem furar o cerco e chamar a atenção da sociedade, mas a esmagadora maioria passa desapercebida. Nem o nome dos mortos é citado: “Chacina”, “Acerto de contas”, “Resistência Seguida de Morte”.
No encontro de ontem foi questionado: “Que resistência seguida de morte é essa, que a vítima leva tiro na nuca, outros morrem com as mãos na frente do rosto, em posição de defesa?”. Os livros Rota66, do jornalista Caco Barcelos, e Crimes de Maio, organizado por Rose Nogueira, mostram em detalhes esta contradição.
Nem o volume de assassinatos de maio de 2006 conseguiu acordar a sociedade para este genocídio silencioso que ocorre nas periferias. Também naquela época a sociedade ficou com a impressão que todo mundo que morria era do crime organizado, “resistência”… Entre os dias 12 e 20 de maio do ano de 2006, 493 mortos a tiros: 475 homens e 18 mulheres. 62% entre 21 e 41 anos, com média de 5,8 tiros cada um. Os tiros foram dados à curta distância em 51 vítimas; em 11 delas a arma estava encostada. Apenas 9,87% dos disparos foram feitos nos membros inferiores. Os alvos principais foram tórax, cabeça, abdome (consideradas áreas vitais) e membros superiores. Mais os desaparecidos.
Segundo o Advogado Ariel de Castro Alves, até o momento, dos 493 assassiantos, 10 mortes de policiais foram a julgamento, e apenas dois casos de civis chegaram à justiça, mas ainda não foram julgados. Não se vê a grande imprensa abordar o fato. Ontem o auditório estava repleto de familiares, autoridades, lideranças. Hoje, silêncio: nada aconteceu.
Ontem, na audiência pública, uma “Mãe de Maio” gritou : “Não são só os negros; são os jovens pobres!” Me fez lembrar a triste história de Ricardo Frauzino, que conseguiu quebrar o silêncio da grande imprensa. Ele estava de casamento marcado. Por conta dos atentados do crime organizado e reação da polícia, Rogério ficou esperando a noiva no final da escadaria, próximo ao ponto de ônibus, onde ela descia. Foi arrastado, espancado e morto a tiros. No dia seguinte assinaria o contrato da casa. 250 convites foram distribuídos para o casamento com Vanessa Pereira, que não aconteceu no dia 8 de junho, na Igreja Nossa Senhora da Candelária, zona norte.
A Conectas Diretos Humanos, fez uma pesquisa minuciosa com os laudos das 493 vítmas. É preciso jogar luz sobre o que realmente está acontecendo há muito tempo. Até o momento temos muita espetacularização de crimes em busca de audiência.
Ontem, na audiência, o Coronel Luiz de Carlos Júnior, que representou o Comandante da PM Álvaro Camilo, afirmou que qualquer discriminação que por ventura tenha ocorrido não é institucional; que a corporação é preparada para defender a vida e a sociedade: “Tudo o que foi denunciado será encaminhado para buscar uma resposta digna à sociedade”.
Douglas Belchior, do Uneafrobrasil, fez os destaques do documento elaborado pelas entidades que foi protocolado ontem. Entre as principais reivindicações, a instalação de uma CPI das polícias de São Paulo, o fortalecimento da ouvidoria, corregedoria única e civil, o fim do foro privilegiado e do auto de resistência seguida de morte.
Personalidades importantes na defesa dos direitos no Brasil como o ex-deputado Renato Simões, o Jurista e professor Hélio Bicudo estiveram presentes ao ato, que foi presidido pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALESP, Deputado José Cândido e contou com a participação dos parlamentares Fausto Figueira, Maria Lúcia Prandi, Olímpio Gomes e Raul Marcelo. A íntegra do documento protocolado está disponível em www.uneafrobrasil.org.
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