Tribo na Amazônia quer garantir futuro com projeto de carbono

por Pablo Uchoa – Enviado especial da BBC Brasil a Cacoa

Uma etnia indígena da Amazônia brasileira quer ser pioneira na elaboração de um projeto de redução de carbono para financiar o seu desenvolvimento de forma sustentável.

Os Surui, que detêm a posse da reserva Sete de Setembro, na divisa entre Rondônia e Mato Grosso, querem receber recursos para manter a floresta de pé, e aplicar o dinheiro em um plano de desenvolvimento capaz de garantir pelo menos meio século de sobrevivência da etnia.

A reserva, homologada em 1983, tem uma área total de cerca de 248 mil hectares, dos quais 243 mil ainda estão preservados. A idéia é que a etnia se comprometa a evitar o desmatamento dentro desta área e, em troca, receba recursos oriundos da não-emissão de CO2 na atmosfera.

Para saber quanto carbono deixará de ser emitido, técnicos do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesan) estão fazendo um estudo do estado de degradação da área e de como ela poderia ser recuperada a partir da adoção de atividades sustentáveis. O modelo deve ficar pronto até o fim de junho. A partir dele, um plano deve ser desenvolvido até setembro.

A atividade econômica na reserva já deixou uma marca de degradação na terra. O primeiro contato com o homem branco, em 1969, fez a população cair de 5 mil habitantes para em torno de 250 pessoas. As doenças e os conflitos com os madeireiros ilegais levaram à escassez dos recursos. Atividades de exploração degradaram parte da reserva de 248 mil hectares

Sem fonte de renda, muitos indígenas fizeram acordos para explorar a madeira ao redor de suas aldeias. Outros arrendaram terras para a pecuária ou para o plantio do café. Uma situação que perdurou até há poucos anos.

“O território está relativamente conservado, mas a tendência para o futuro é de que, sem nenhum projeto, aumente a área desmatada”, explica o coordenador do estudo de campo, Gabriel Carrero.

“Nosso trabalho hoje é entrar na terra indígena para procurar essas áreas de degradação e avaliar o grau de degradação.”

A pesquisadora do Idesan Claudia Vitel diz que a definição desta variável permitirá estimar quanto carbono poderia deixar de ser emitido até 2050 a partir de atividades sustentáveis que podem “afetar a cobertura da terra no futuro”.

Essa estimativa, a da quantidade de CO2 não-emitido é convertida em créditos de carbono, que são vendidos no mercado internacional. Uma tonelada de CO2 equivale a um crédito de carbono. O preço do crédito tem variado muito, está em torno de 13 euros (cerca de R$ 30).

Com o estudo, o Idesan quer obter certificações internacionais para garantir a validade do projeto e atrair recursos de investidores.

Feição indígena

Não será o primeiro projeto de redução de emissões de carbono por desmatamento e degradação – mais conhecidos pela sigla Redd – no Brasil, mas os Surui querem que este seja o primeiro intimamente relacionado à sobrevivência de uma etnia indígena.

Indígenas querem aplicar recursos na melhoria das condições de vida

O projeto de Redd mais citado e reconhecido no país, na Reserva Juma, no Amazonas, representa uma forma de ajuda para ribeirinhos, mas não necessariamente indígenas.

“O fato de ser indígena é um diferencial para os Surui”, diz o diretor da ONG Equipe de Conservação da Amazônia (ACT-Brasil), Vasco van Roosmalen, parceiras dos Surui em diversos projetos, inclusive no de Redd.

O líder da etnia, Almir Surui, diz que os recursos serão aplicados em um plano de desenvolvimento sustentável da etnia que engloba os próximos 50 anos.

O planejamento prevê, por exemplo, a produção sustentável de castanha, óleo de copaíba e café orgânico e a prestação dos chamados “serviços ambientais”, como turismo. Outra parte do dinheiro seria destinada ao fortalecimento das associações da etnia, e à educação e à saúde da população.

“Temos de construir um futuro de longo prazo, que garanta as gerações. Se a gente tiver responsabilidade no plano de desenvolvimento, esses produtos florestais podem ser ferramentas que fortalecem a economia verde e os Surui, economicamente”, diz Almir.

Roosmalen, da ACT-Brasil, explica outro ponto que chama atenção no projeto dos Surui: o mecanismo do fundo que receberá os recursos provenientes da venda dos créditos de carbono.

Segundo ele, a aplicação do dinheiro será decidida por representantes dos quatro clãs dos Suruí, “talvez um ou dois”, diz Vasco. É possível ainda que tenham voz no fundo lideranças de associações indígenas.

As organizações parceiras dos Surui podem ter um papel no mecanismo, mas apenas consultivo.

Temos de construir um futuro de longo prazo, que garanta as gerações. Esses produtos florestais podem ser ferramentas que fortalecem a economia verde e os Surui, economicamente.

“A redução de emissão é deles (dos Surui), então a decisão (sobre a aplicação dos recursos) é deles”, diz o diretor da ONG. “Também a responsabilidade se eles não conseguirem conter as emissões é deles.”

Futuro

Os projetos de Redd são um dos principais mecanismos para incentivar a preservação de florestas após 2012, quando, espera-se, entre em vigor um acordo do clima para substituir o atual Protocolo de Kyoto, que expira nesta data.

Porém, a definição exata de como será o mecanismo de venda de carbono ainda não está clara, porque o próprio acordo ainda está indefinido.

Os projetos pioneiros em andamento ou em estado de planejamento se dão em arranjos pontuais.

O desmatamento responde por quase 20% das emissões globais de carbono e a maioria das emissões do Brasil.

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/04/100413_surui_redd_pu.shtml

Comments (1)

  1. Gostaria de saber se a população do pais que está pagando o credito de carbono foi consultada e se concorda em respirar poluição enquanto continua lançando os gases de efeito estufa em troca do plantio de árvores no Brasil?

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