Por Jadson Oliveira
Revolta e descrença. São os sentimentos predominantes entre militantes de movimentos sociais de bairros populares de Salvador quando a pauta em discussão é a ação policial e a nova proposta de polícia comunitária, que na Bahia tem o nome de Base Comunitária de Segurança e no Rio de Janeiro chama-se Unidade de Política Pacificadora (UPP), denominação mais popularizada certamente pela divulgação do noticiário nacional da televisão. Tal conclusão vem em decorrência dos debates registrados durante o Seminário Sociedade Civil e Segurança Pública, realizado na última quinta-feira, dia 24, na capital baiana, focado especialmente do bairro do Calabar, na Avenida Centenário, onde o governo baiano implantou a sua primeira experiência das “UPPs”.
Representantes de movimentos comunitários mostraram carregar uma pesada bagagem histórica de repressão violenta e matança promovidas pela Polícia Militar, cujas vítimas são sempre jovens negros e pobres das periferias. Enfatizaram que lutam há anos para que sejam tratados como cidadãos e não como mercadoria, disputada pelo Estado ou pelo tráfico de drogas. Argumentaram com a força da convicção que vem de uma cruel realidade vivida no dia-a-dia dos bairros populares: não há diálogo entre o policial e o morador, o que há são as abordagens violentas, onde os moradores são vistos e tratados como bandidos. “O critério da verdade é a prática”, frisou um deles, “segurança pública não é só polícia, é saúde, escola, emprego, renda, direitos humanos…”
A posição dos militantes sociais foi reforçada por Moacir Pinho, do Movimento Negro Unificado (MNU), um ativista de origem camponesa assentado no Projeto de Reforma Agrária Dom Hélder Câmara, de Ilhéus. Ele veio a Salvador para as comemorações do 20 de novembro – Dia da Consciência Negra – e aproveitou para participar do seminário. Ele parte da visão de que a sociedade brasileira tem como marca estrutural a desigualdade, daí decorrendo a repressão e a violência. Para se começar a encaminhar o problema é necessário se acabar com o caráter militarista da PM, cuja ação está orientada para neutralizar e eliminar o inimigo, como nas guerras, e não para mediar conflitos. “O militarismo da PM não se justifica no Estado Democrático de Direito”, disse.
Pelo que se viu durante os debates, os representantes da Secretaria da Segurança Pública (SSP) da Bahia não convenceram a maioria dos presentes. Baseado sobretudo na experiência do Calabar – o governo estadual está implantando o novo projeto também no Nordeste de Amaralina, outro bairro popular -, o coronel PM Zeliomar Almeida Volta, da Coordenação Estadual de Polícia Comunitária da SSP, foi, no entanto, bem didático ao falar da “visão de futuro” a partir dos novos conceitos de segurança pública. Demonstrou bastante otimismo com a investida do governo baiano na área.
Mostrou estudos, planejamento, troca de experiências com outras grandes cidades, dificuldades e avanços no relacionamento com as comunidades, dados estatísticos e a nova filosofia que orientará a atuação policial, apelando inclusive para suas convicções pessoais e seu currículo de 40 anos de PM (ele continua na ativa, mas está afastado da PM devido ao cargo na SSP). Num momento o coronel demonstrou indignação e disse que se sentiu ofendido porque um dos ativistas classificou de “uma mentira” a chamada “força gradativa”, a nova forma de abordagem que caracterizaria a ação das “UPPs” – ou seja, primeiro o diálogo, depois a repressão, se necessária, mas dentro dos preceitos legais.
“Criminalização das ONGs” e “imprensa maldita”
A programação do evento – tomou todo o dia no auditório da Faculdade de Administração da UFBa – incluiu exposições de representantes do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP) de Pernambuco, do Programa Fica Vivo, de Minas Gerais, e do Observatório de Favelas, do Rio. Houve ainda discussão sobre o impacto da realização da Copa do Mundo de 2014 (objeto de postagem anterior deste blog) e sobre a repercussão da suspensão de pagamentos às Organizações Não Governamentais (ONGs), medida adotada pelo governo federal em razão de denúncias de corrupção e campanha decorrente através dos monopólios da comunicação.
Rodrigo Alves, diretor do Instituto Fatumbi, que tem um trabalho social com crianças e adolescentes no Alto das Pombas (bairro vizinho a Calabar e incluído na Base Comunitária de Segurança), condenou logo na abertura dos trabalhos o que considera “criminalização das ONGs”, chegando a se referir à mídia como “imprensa maldita”. Mas foi Edmundo Kroger que se estendeu mais sobre o tema. Ele é coordenador geral do Fórum de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Centro de Educação e Cultura Popular (CECUP – uma ONG).
“Seriam todas as ONGs corruptas?”, indignou-se Edmundo, fazendo coro ao protesto contido na “carta de repúdio ao governo brasileiro”, de 12/novembro, de autoria dos participantes da XVII Assembleia Geral da Sociedade Brasileira de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. E investiu contra a “campanha orquestrada pelas cinco famílias que monopolizam os meios de comunicação no Brasil”, campanha à qual o ex-presidente Lula vinha resistindo, e à qual a presidenta Dilma, infelizmente, cedeu. Para ele, é um processo de criminalização e judicialização da coisa pública, voltado contra os interesses dos trabalhadores e das camadas mais pobres da população.
O seminário foi organizado pelo Instituto Fatumbi, em parceria com a Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE, a Associação Brasileira de ONGs, o Fórum da Criança e do Adolescente e o CECUP.
(*) Jadson Oliveira é jornalista baiano e vive viajando pelo Brasil, América Latina e Caribe. Atualmente está em Salvador. Mantém o blog Evidentemente (blogdejadson.blogspot.com).
http://www.fazendomedia.com/revolta-e-descrenca-diante-das-upps-nos-bairros-populares/