Quando aos sete anos ficou órfão de pai e mãe, transformou-se em trabalhador rural assalariado. Condição que só foi interrompida quando, aos dez anos, foi trazido por uma família latifundiária para o Recife com a promessa de criá-lo e alfabetizá-lo, promessa que não foi cumprida. Ao invés da escola prometida, o pequeno “Grilo”, como era chamado na infância, tornou-se um escravo mirim: acordava às 4h da manhã, varria, lavava banheiros, encerava pisos e cuidava de animais. Não aceitou este estado de coisas e fugiu. O artigo é de Luciano Morais e Roberto Numeriano.
A reedição do livro Memórias, autobiografia de Gregório Bezerra, pela Boitempo Editorial (648 págs., R$ 74,00), comemora um símbolo de resistência e convicção política e ideológica, valores cada vez mais ausentes no meio político brasileiro. No livro, o revolucionário comunista narra toda sua trajetória de vida e militância, momentos vividos durante os principais acontecimentos da vida política e social do Brasil no século XX.
Gregório começa a autobiografia Memórias narrando a seca e a escassez de alimentos que maltratava constantemente os nordestinos, e que o atingiu duramente em sua infância no município de Panelas, “Fui, assim, uma criança gerada com fome no ventre materno. Sim, porque minha mãe passava fome, e eu só podia nutrir-me de suas entranhas enfraquecidas pela fome”.
Quando aos sete anos ficou órfão de pai e mãe, transformou-se em trabalhador rural assalariado. Condição que só foi interrompida quando, aos dez anos, foi trazido por uma família latifundiária para o Recife com a promessa de criá-lo e alfabetizá-lo, promessa que não foi cumprida. Ao invés da escola prometida, o pequeno “Grilo”, como era chamado na infância, tornou-se um escravo mirim: acordava às 4h da manhã, varria, lavava banheiros, encerava pisos e cuidava de animais. Não aceitou este estado de coisas e fugiu. Morou nas ruas do Recife pegando fretes na Estação Central, vendendo jornais e dormindo embaixo da ponte Buarque de Macedo. Trabalhou na construção civil e aos dezessete anos foi preso e condenado a quatro anos por agitação grevista, já influenciado pelos recentes acontecimentos protagonizados pelo proletariado russo.
Os trabalhos no porto do Recife foi sua atividade após a liberdade. E neste período resolveu dedicar-se à carreira militar, entrando no Exercito Brasileiro, onde se destacou nas atividades físicas e na prática de esportes individuais e coletivos. Ao ser humilhado por um colega de farda, ele decide alfabetizar-se. Isso, aos 27 anos. Alfabetizou-se por conta própria, dedicou-se e foi aprovado para Sargento, consagrando-se Sargento-Instrutor em Educação Física.
Sua ascensão militar coincide com a aproximação com o Partido Comunista Brasileiro, o PCB, ainda em 1929. Mas foi por causa da organização da Aliança Nacional Libertadora – ANL, onde foi o principal nome do levante de 1935, liderado pelo Partido Comunista, que Gregório Bezerra foi declarado inimigo nº 1 das oligarquias pernambucanas e das forças armadas. Foi preso e ficou incomunicável por dois anos, integrando-se depois aos demais presos políticos da Casa de Detenção do Recife (atual Casa da Cultura). Ali, criou uma sólida e influente base do Partido até sua transferência para o Presídio na ilha de Fernando de Noronha, onde encontrou com vários camaradas insurretos, oriundos do Rio de Janeiro e de outros estados.
Com o final da Segunda Guerra Mundial e o início do movimento pela democratização do país, são postos em liberdade todos os presos políticos e concedida a legalidade ao PCB. Neste Período de reformas políticas, o Partido Comunista surge no cenário nacional como uma força significativa, pelo prestígio da URSS ao fim da guerra. Pela adesão de vários intelectuais e artistas ao Partido, pelo reconhecimento da classe operária e pelo carisma e admiração em torno de Luiz Carlos Prestes e Gregório Bezerra. Em seguida, a participação nas eleições à Constituinte de 1946 garante ao PCB uma grande representação parlamentar em nível federal, elegendo 15 deputados. Gregório é eleito Deputado Federal com a maior votação em Pernambuco.
A participação de Gregório Bezerra e dos comunistas na Assembléia Nacional Constituinte e no Congresso Nacional durou pouco. Apenas o suficiente para aprovar uma avançada Constituição à época e o necessário para mostrar o quão frágeis eram os conceitos de liberdade e democracia para as oligarquias nacionais, quando os trabalhadores reivindicam seus direitos e questionam a exploração.
Cassados os mandatos dos comunistas, Gregório é vítima de uma grande farsa: ainda residindo no Rio de Janeiro, é acusado pelo incêndio criminoso no 15º Regimento de Infantaria na Paraíba. Foi preso e levado à João Pessoa, onde é hostilizado pelos militares influenciados com aquela armação.
Após um longo período incomunicável no 15º RI, foi transferido para o Recife e jamais poderia imaginar que os fogos que explodiam por toda a cidade era parte da mobilização do PCB para saldar sua chegada.
No dia seguinte, em frente ao quartel da Companhia de Guardas da 7ª Região Militar se concentrou uma verdadeira multidão para visitá-lo. Prevenido pelo comandante responsável por sua guarda que só poderia visitá-lo, os parentes, Gregório disse: Mas todos os que estão aí fora, tenente, são da minha família. Ele retrucou: Impossível, Gregório. Tem gente aí fora de todos os tipos: tem gente bem vestida, branca, mas também tem pretinhos descalços e esfarrapados. Então ele arremata: “Pois bem, mande entrar primeiro os pretinhos esfarrapados, que são os meus parentes mais próximos (…)” O comandante sorriu, e disse: “É por isso que tu estás aqui, Gregório…”
Após um longo período de dura clandestinidade organizando sindicatos rurais em Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais e Paraná, ressurge para atuar na articulação da Frente do Recife, elegendo primeiro o udenista Cid Sampaio e depois Miguel Arraes. A atuação mais expressiva do homem feito de ferro e flor é registrada neste período. Gozava de grande prestígio na zona da Mata Sul, reunindo centenas de delegados sindicais filiados ao Partido Comunista.
Em 30 de março de 1964, retorna ao Recife para oferecer resistência ao golpe em andamento e solicitar armas para munir os trabalhadores. Encontrou o Palácio do Campo das Princesas ocupado pelos militares. Tal episódio mereceu um comentário posterior: em 1935 tínhamos as armas e não tínhamos os homens, e agora temos os homens e faltam-nos as armas.
Foi capturado no dia 2 de abril pelo 20º Batalhão de Caçadores nas proximidades do município de Cortez enquanto tentava desmobilizar os camponeses desarmados. Levado ao Quartel de Moto mecanização de Casa Forte, sob os “cuidados” do sanguinário coronel Villoc que, com golpes de cano de ferro, pontapés na boca, tórax e testículos, e o ódio de anos fora descarregado. “Já estava totalmente ensopado de sangue e com todos os dentes quebrados. Sentaram-me numa cadeira com três homens me segurando por trás enquanto Villoc arrancava meus cabelos com um alicate. Depois, obrigaram-me a pisar numa poça de ácido de bateria. Em pouco tempo, estava com a sola dos pés em carne viva.”
O espetáculo de horrores promovido pelo sádico Villoc precisava de platéia. Então, saíram às ruas. A sola dos pés estava repleta de pedregulhos encravados, uma corda no pescoço amarrada ao jipe que carregava o verdugo gritando “Linchem este bandido! É um monstro!” E assim percorremos as principais ruas do bairro de Casa Forte sob uma dor alucinante. Foi um desfile doloroso. Ninguém o aplaudiu. Ninguém o atendeu. “Mas eu queria viver.” A atitude das pessoas deu forças para resistir física e moralmente. Gregório Bezerra foi salvo pelo clamor do povo.
No início de setembro de 1969, o mundo foi surpreendido pela notícia do seqüestro do Embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. Em troca do Embaixador, os esquerdistas exigiram a libertação de 15 líderes revolucionários. Gregório era o primeiro da lista. Na URSS, ele tentou, com o luxuoso auxílio dos médicos soviéticos, recuperar a saúde debilitada, até poder retornar novamente ao Brasil.
Morreu no dia 23 de outubro de 1983, na cidade de São Paulo.
Seu corpo foi trazido para Pernambuco e velado na Assembléia Legislativa. O cortejo fúnebre atraiu milhares de militantes e curiosos. No caminho, um trabalhador do serviço de limpeza da Prefeitura do Recife saudou pela última vez o líder comunista de espírito inquebrantável. Paulo Cavalcanti recriou bem o ambiente desta última homenagem a este lutador no livro O Caso eu conto como o caso foi: “Uma toalha vermelha foi hasteada na sacada de um apartamento residencial, e outra faixa reproduzia os versos da música cantada por Elis Regina: choram Marias e Clarices no solo do Brasil”
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Luciano Morais e Roberto Numeriano são membros da Direção Estadual do PCB – Pernambuco.
http://boitempoeditorial.com.br/publicacoes_imprensa.php?isbn=978-85-7559-160-4&veiculo=Carta%20Maior.