No entanto, os Xavantes vem travando essa luta contra a grilagem e especulação para manter-se em seu território há mais de 40 anos. Segundo dados históricos e relatos de antigos Xavantes, na luta contra a grilagem os Xavantes de Marãiwatsédé em 1966, após serem forçados a trabalharem de graça para Ariosto da Riva e o Grupo Ometto; enfrentarem conflitos com os empregados da fazenda; passarem fome e serem deslocados três vezes dentro da área, cerca de 230 Xavantes foram transferidos pela força Aérea Brasileira – FAB para a Terra indígena São Marcos.
Assim iniciou a invasão de Marãiwatsédé, Ariosto Riva, em sociedade com o Grupo Ometto utilizando–se hora da força, hora de gentileza logo o grupo expandiu seu domínio se apropriando uma área de 1,7 milhão de hectares, o mega latifúndio Fazenda Suiá-Missu, cuja extensão era superior à área do Distrito Federal.
Anos depois o controle da fazenda Suiá-Missu passou a Liquifarm Agropecuária Suiá-Missu, e em 1980, para empresa petrolífera italiana Agip “do Brasil”. Esta última, durante a Conferência ECO92, propôs ao governo federal um acordo para “devolver” Marawatsede a terras aos seus legítimos donos, os índios Xavantes.
A homologação da área para posse permanente e usufruto exclusivo pelo povo indígena Xavante, e registrada em cartório como de propriedade da União Federal, conforme legislação em vigor se deu apenas em 1998.
Em 2010, o Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, em confirmação a decisão de primeiro grau que havia reconhecido a legalidade no procedimento administrativo de demarcação da Marãiwatsédé determinou a retirada dos ocupantes não indígenas e a recuperação das áreas degradadas de Marãiwatsédé.
Os Xavantes ganharam o direito de voltar a Marãiwatsédé, mas encontraram seu território tomado por fazendeiros e grileiros. A mata antes densa fora substituída por imensas pastagens para o gado e nos últimos anos também pela soja.
Praticamente devastado, Marãiwatsédé que no idioma Xavante, significa “Mata Densa” ou “Mato Grosso” não mais corresponde a esta definição, fora quase que completamente devastada pela ganância dos não indígenas que vêem a terra apenas como fonte de renda e os recursos naturais um entrave ao modelo de econômico insustentável que querem perpetuar.
Com o avanço do desmatamento, tornou-se insustentável a situação dos Xavantes. Não há caça, o que é um forte agravante a segurança alimentar dos Xavantes que são considerados “povo caçador”.
Assim, na busca da sustentabilidade e da segurança alimentar, desde 2008 os Xavantes em parceria com Operação Amazônia Nativa (OPAN) e a Associação Nossa Senhora Assunção (ANSA) e outras ONGs que desenvolvem um projeto que busca alternativas agroecológicas de uso da terra visando a melhoria da qualidade de vida dos indígenas.
No entanto, a tensão entre os indígenas e os fazendeiros, grileiros e posseiros jamais cessaram. Mesmo com o direito a Marãiwatsédé assegurado juridicamente a pressão e avanço ao agronegócio sobre os indígenas avança continuamente. Mas os Xavantes resistem e afirmam que jamais desistirão de viver na terra de seus ancestrais.
No dia 19 de maio, desconhecendo ou ignorando os significados do território para os povos indígenas e comunidades tradicionais, o governador do estado de Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB), preocupado em resolver o conflito entre os fazendeiros e os Xavantes, apresentou ao secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, a “brilhante e sensacional” proposta de permuta da área de conflito removendo mais uma vez os xavantes de Marãiwatsédé, sua terra de origem e direito.
O governo alega que na proposta apresentada a área a ser permutada (para onde poderão ser removidos os Xavantes) está situada entre o rio das Mortes e o Araguaia e compreende um total de 225 mil hectares, considerada rica em recursos naturais e, além disso, é bem maior que a área de Marawatsede que possui 152,3 mil hectares. Bonzinho, não?
Confesso. Não esperava tamanha ignorância, falta de bom senso acerca da legislação e dos povos indígenas por parte de um governante em dias atuais. Será que é tão difícil entender que a permanência dos Xavantes em Marawatsede está mais ligada a identidade cultural e os significados Xavantes têm com o lugar do que com o tamanho ou localização da área em questão.
A permanência em Marãiwatsédé para os Xavantes é um direito inegociável, intransferível e inalienável. O usufruto coletivo da terra e dos recursos naturais está intimamente ligado a normas simbólicas e específicas que foram estabelecidas e incorporadas ao grupo onde os laços de solidariedade e ajuda mútua entre os indivíduos do grupo é próprio do povo e do lugar. Tudo isso ao longo do tempo fez com que a permanência em Marawatsede para eles seja um bem e um direito estritamente inalienável que reflete a dependência da relação que o grupo tem com aquela terra que se converteu na prática em um conjunto de direitos que os Xavantes possuem sobre ela.
Nem é preciso muita explicação sobre a questão já que, enquanto povo indígena, o direito dos Xavantes a Marãiwatsédé, além de legitimo, está assegurado pela Constituição de 1988 e também pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) do qual o Brasil é um dos países signatários.
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*Geógrafa e coordenadora do projeto de Formação de Gestores Indígenas no Instituto Indígena Maiwu de Estudos e Pesquisas de MT
www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=58398