Alessander Sales – Procurador da República no Ceará
A Constituição brasileira enuncia como direito fundamental de todos uma moradia adequada, garantindo não só casa em si, mas também os meios que possibilitem a vida com segurança, disponibilidade de serviços e infraestrutura, custo acessível e adequação cultural dos padrões habitacionais.
Esses direitos sofrem, no Brasil, um déficit considerável de concretização, situação que se agrava pela iminência da realização de megaeventos esportivos, cujo principal vetor é a remoção forçada de populações para criação de espaços com o fim de promover uma nova imagem internacional da cidade-sede, suprimindo, artificialmente, a pobreza e o subdesenvolvimento.
Vários exemplos, em diversas partes do mundo, demonstram como tudo isto é feito. Sob a falsa e maciça propaganda oficial de promoção e distribuição da riqueza gerada pelo evento, as obras passam a ser planejadas visando exclusivamente atender as exigências da Federação Internacional de Futebol (Fifa) e, a partir disso, promovem-se deslocamentos em massa, desocupações forçadas, demolições de casas e remoções de favelas para, logo em seguida, as áreas afetadas tornarem-se nobres, com a elevação dos preços dos imóveis, obrigando a comunidade de baixa renda do entorno a deixá-las para a ocupação das classes média e alta.
A população pobre é empurrada para áreas periféricas, onde inexiste qualquer atuação do poder público, o que agrava seu empobrecimento pela diminuição das oportunidades de emprego, educação e saúde. Tais ações já se instalam em nossa cidade, sem que se note qualquer interesse do poder público em revertê-las. Parece até que a intenção é minimizar – aproveitando o evento, em curto prazo e com o olhar voltado para as próximas eleições -, o caos urbano em que vivemos, resultado de anos de omissão administrativa.
Importante esclarecer que a legislação internacional, subscrita pelo Brasil, considera ilícita a promoção de desocupações forçadas sem a disponibilidade de alternativas para moradias, bem como a falta de transparência destes procedimentos. Ademais, considerando as profundas desigualdades sociais presentes em nossa cidade, os investimentos públicos aportados para intervenções relacionadas com este tipo de evento deveriam ter seu repasse condicionado à prévia identificação das regiões destinadas para reassentamentos, prioritariamente em áreas não aproveitadas e próximas as comunidades impactadas.
O Ministério Público Federal, atento a todos estes fatos, tenta, por enquanto, intermediar soluções para a evitar ilegalidades. Não sendo isto possível, cobrará a responsabilidade pessoal do gestor pelos ilícitos praticados, pouco importando se tais providências trarão, ou não, impactos negativos para o evento, pois, ao contrário do que muitos pensam e apregoam, não passa necessariamente pela realização deste evento a solução de nossas mazelas urbanas, econômicas e sociais.
http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2011/07/12/noticiaopiniaojornal,2266337/fortaleza-e-os-grandes-eventos.shtml