Parece espantoso no Brasil, mas a tendência internacional é de recuo dos conservadores. Qual o sentido e os limites desta novidade?
Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Antonio Martins | Imagem: Ernst Fiene, Mudança Noturna (1939) – Outras Palavras
A vitória arrasadora de Jeremy Corbin em 24 de setembro, na disputa pela liderança do Partido Trabalhista da Grã-Bretanha, foi espantosa e totalmente inesperada. Ele começou quase sem apoio suficiente para participar da disputa. Apresentou uma plataforma de esquerda sem concessões. E então, diante de três candidatos mais convencionais, obteve 59,5% dos votos, numa eleição que teve comparecimento extraordinário, de 76%.
Imediatamente, os sabichões e a imprensa opinaram que sua liderança e plataforma asseguram vitória do Partido Conservador nas próximas eleições. Terão certeza? Ou o desempenho de Corbyn indica um ressurgimento da esquerda. E neste caso, isso é válido apenas para a Grã-Bretanha?
Se o cenário político mundial está se movendo para a direita ou para a esquerda é tema favorito das discussões políticas. Um dos problemas com esta discussão sempre foi o fato de a direção das tendências políticas ser normalmente avaliada a partir da força da posição mais extrema, à esquerda ou à direita, numa dada eleição. Isso deixa de lado, contudo, o ponto mais importante da política eleitoral em países com sistemas parlamentares construídos em torno de partidos de centro-esquerda e centro-direita.
A primeira coisa a lembrar é que há um largo leque de posições possíveis, em qualquer momento dado, em qualquer local. Simbolicamente, vamos dizer que o espectro varia de 1 a 10, num eixo esquerda-direita. Se os partidos ou os líderes políticos movem-se de 2 para 3, de 5 para 6 ou de 8 para 10, isso indica um giro à direita. E números reversos (9-8, 6-5, 3-2) indicam uma virada à esquerda.
Com base neste tipo de medida, o último ano assistiu um importante giro à esquerda, no plano mundial. Há diversos sinais claros desta mudança. Um é o crescimento contínuo da força de Bernie Sanders, na disputa pela candidatura do Partido Democrata à presidência dos EUA. Não significa que ele derrotará Hillary Clinton, mas que, para conter a ascensão de Sanders, Clinton teve de assumir posições mais à esquerda.
Observe um acontecimento similar na Austrália. O Partido Liberal, de direita, agora no poder, removeu Tony Abbott de sua liderança, em 15/9. Abbott era conhecido por seu ceticismo intransigente diante da mudança climática e por sua posição extremamente dura diante da imigração na Austrália. Foi substituído por Malcolm Turnbull, que é considerado um pouco mais aberto nestas questões. De modo similar, o Partido Conservador britânico amenizou suas propostas de “austeridade” para disputar potenciais eleitores de Corbyn. São mudanças 9-8, em nossa escala hipotética.
Na Espanha, o primeiro-ministro Mariano Rajoy, do Partido Popular, enfrenta o avanço de Pablo Iglesias, do Podemos, que propõe uma plataforma anti-”austeridade” similar à que foi longamente defendida pelo Syriza, na Grécia. O Partido Popular deu-se muito mal nas eleições locais e regionais de 24 de maio. Rajoy resiste a qualquer giro à esquerda de seu partido e o resultado tem sido uma perspectiva ainda pior, nas próximas eleições nacionais. Depois de sua recente derrota nas eleições “independentistas” da Catalunha, Rajoy afundou ainda mais. Questão: ele poderá sobreviver como líder de seu partido, ou será substituído, como Tony Abbott na Austrália, por um líder um pouco menos rígido?
A Grécia é o exemplo mais interessante desta mudança. Houve três eleições este ano. Na primeira, em 25/1, o Syriza chegou ao poder para surpresa de muitos analistas, com base numa plataforma anti-“austeridade”, e com a retórica tradicional de esquerda.
Quando o Syriza descobriu que os países europeus não aceitavam as demandas da Grécia, que reivindicava alívio de muitos compromissos relacionados a sua dívida, o primeiro-ministro Alexis Tsipras convocou um referendo sobre rejeitar ou não as condições da Europa. O chamado voto “Oxi” (Não) venceu por larga margem em 5 de Julho. Sabemos o que ocorreu em seguida. Além de rejeitar qualquer concessão, os credores europeus ofereceram condições ainda piores à Grécia, as quais Tsipras julgou que teria, em larga medida, de aceitar.
Mais uma vez, os analistas concentraram-se na “traição” de Tsipras a sua promessa. O setor à esquerda do Syriza rachou e formou um novo partido. Em meio à confusão, poucos comentaram o que ocorreu com o partido Nova Democracia, de direita, que antecedeu o Syriza no governo. Lá, o líder Antonis Samaras foi substituído por Vangilis Meimaraki, uma mudança de 9-8, ou talvez de 8-7, numa tentativa de disputar os votos de centro com o Syriza.
O giro conservador à esquerda não foi bem-sucedido. O Syriza venceu novamente. O grupo de esquerda que rachou não conseguiu manter-se no Parlamento. Mas por que o Syriza venceu? Parece que os eleitores julgaram que estariam melhor, ainda que apenas um pouco melhor, com o Syriza, que minimizou os cortes de aposentadorias e outras proteções do estado de bem-estar social. Em resumo, na pior situação possível para a esquerda grega, o Syriza ao menos não perdeu terreno.
O que, você pode perguntar, tudo isso significa. Parece claro que, num mundo que vive em meio a grande incerteza econômica e condições de vida piores para largos segmentos da população, os partidos no poder tendem a ser culpados e a perder força eleitoral. Por isso, após o giro à esquerda da última década, o pêndulo está se movendo em outra direção.
Que diferença isso faz? Mais uma vez, eu insisto, depende de se observamos no curto ou no médio prazo. No curto prazo, faz muita diferença, já que as pessoas vivem (e sofrem) no curto prazo. Qualquer coisa que “minimize o sofrimento” é um avanço. Portanto, este tipo de giro “à esquerda” é um avanço. Mas no médio prazo não faz diferença alguma. Na verdade, a mudança tende a obscurecer a batalha real – aquela que diz respeito à direção das transformações do sistema mundo-capitalista para um novo sistema (ou sistemas). A batalha é entre os que querem um novo sistema ainda pior que o atual e os que querem algo substancialmente melhor.