Na Adital
Naquela noite memorável, no calor úmido da Amazônia, se deu o encontro que marcaria as lutas dos povos indígenas nas próximas décadas. O Papa se encontrou com um grupo de lideranças indígenas de todo o país. Ouviu atentamente as falas, interrompidas por longos aplausos. Ao manifestar seu sentimento diante da dura realidade exposta, o fez reconhecendo os povos indígenas como nações. “Assim se respeitará e favorecerá a dignidade e a liberdade de cada um de vocês como pessoa humana e de todos como como um povo e uma nação”. Era 10 de julho, tempo de verão e esperança na Amazônia.
Julho de 1980 – Papa João Paulo II se encontra com os índios em Manaus
“Somos massacrados, explorados e tendo estradas que traçam em nossas terras, que prejudicam o índio por doenças e diversos problemas que não haviam antes entre nós; estamos sendo acabados por projetos, empresas e invasores que roubam nossas vidas, tomando nossa terra e nos expulsando delas, sendo nós os donos dessa pequena e única ponto final em nossa cultura e nossos direitos…
Santidade, olhai para esse povo que está desaparecendo, queremos os nossos direitos, somo humanos também” (Carta dos povos indígenas ao Papa).
Marçal Tupã’i Guarani ergueu a cabeça, fixou seu olhar atento na figura toda de branco e fez uma denúncia que correu o mundo e os mais recônditos lugares do país. “Somos uma nação subjugada pelos governantes, uma nação espoliada, uma nação que está morrendo aos poucos… Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas… A nossa voz é embargada por aqueles que se dizem dirigentes desse grande país”. Tentaram calar a sua voz. O assassinaram friamente três anos depois. Mas não conseguiram matar seus sonhos, embargar suas lutas. A Terra Indígena Pirakuá está lá, regularizada. A TI Nhanderu Marangatu está com a homologação embargada no Supremo Tribunal Federal. Até quando?
10 de Julho 2015 – Papa Francisco se encontra com os movimentos sociais e índios, na Bolívia
Trinta e cinco anos e um dia depois do histórico encontro em Manaus, novamente um índio Guarani-Kaiowá se encontra com o Papa, para clamar por justiça e direito à vida em paz e dignidade.
Desta vez foi Eliseu Kaiowá o escolhido para estar na mesa com o Papa, entregando-lhe uma carta em nome dos povos indígenas do Brasil.
“Amado Papa Francisco. Nós, povos indígenas do Brasil, sofremos um processo de ataque violento contra nossas comunidades, nossas lideranças e nossos direitos. Nós, Guarani-Kaiowá, vivemos no estado do Mato Grosso do Sul. Enfrentamos as piores condições de vida, sofremos a violência mais profunda e uma situação de maior vulnerabilidade social e cultural no país. Somos cerca de 45 mil pessoas e vivemos no exílio, fora de nossas terras, que se encontram invadidas por fazendeiros, que delas nos expulsaram em passado recente com o apoio do Estado brasileiro” (Carta entregue ao Papa Francisco Por Eliseu Guarani Kaiowá).
“Ele me recebeu com um sorriso, estendeu a mão e me escutou, coisa que a presidente e os governantes brasileiros, mesmo sabendo de nossa situação, nunca fizeram e se negam a fazer. Eu pedi a ele que interceda por nós, que ajude a fazer o Governo Brasileiro cumprir a Constituição e demarcar nossos territórios, que o próprio Poder Executivo paralisou. Disse que por causa disso, em todo Brasil, e em especial no Mato Grosso do Sul, vivemos em guerra, que estamos morrendo, sendo massacrados por pistoleiros armados e pelos políticos do agronegócio, que sobre nós existe um verdadeiro genocídio. Pedi pelo futuro de nossas crianças e velhos, para que possam continuar existindo” (Eliseu Kaiowá). Ameaçado por estar lutando pela terra e direitos de seu povo, vive numa das aldeias, Kurusu Ambá, onde dezenas de indígenas foram assassinados nos últimos anos, após o retorno a parte do território tradicional.
A luta e a esperança Guarani crescem
Os gritos de socorro fazem coro nas selvas de pedra e nas terras devastadas pelo capital. Mais um julho marcado pelo grito, a dor e a resistência:
“Falamos com o Papa, gritamos em Paris, às consciências ainda não adormecidas. Retomamos pequenas partes de nossos tekohá, territórios tradicionais. Redigimos documentos, estivemos com autoridades, fizemos manifestações em Brasília, num supremo esforço para que haja justiça, vingue a paz e a esperança. Realizamos mais uma Grande Assembleia /Aty Guasu, e estamos realizando mais um encontro continental do nosso povo”.
Julho especial. O clamor corre o mundo. A esperança se lança à frente. Em Paris, representantes desse povo denunciam. Eles afirmam que estas mortes são perpetradas por milícias privadas contratadas por grandes proprietários de plantações de soja e cana.
“Estamos vivos, mas estão nos matando pouco a pouco e de várias maneiras”, afirmou o cacique Vilharva-Cáceres. “Estamos aqui para pedir socorro e ajuda, não apenas pelas florestas e pela natureza, mas também pela vida”, afirmou em coletiva de imprensa Valdelice Veron. “Nós demarcaremos nosso território com nosso próprio sangue se for preciso” (Le Monde 24/07/2015).
Grande encontro continental Guarani acontece nesses dias na Argentina. É mais um momento importante em que esse povo tão ameaçado e massacrado nos cinco países em que vivem mais de 350 mil Guarani, trace suas estratégias para garantir seus direitos, especialmente a seus territórios.
Apesar de todo ódio e discriminação que sofrem diariamente, das ameaças constantes, das ordens de despejo, e toda sorte de violência, a esperança, resistência e a luta avançam. E nessa caminhada precisam cada vez de mais solidariedade e apoio.
Que Tupã abençoe o Papa Francisco e todos aqueles que lutam pela vida no planeta terra e em especial pelos Kaiowá Guarani. Pedir perdão é comprometer-se com a transformação.
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Destaque: Foto: Maurício Torres, Arquivo Pessoal