Nesta sexta-feira, dia 6, Dom Erwin Kräutler, Bispo do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dirigiu-se ao episcopado reunido na 49ª Assembleia Geral da Confederação Nacional dos Bispos (CNBB), em Aparecida do Norte (SP). No comunicado, expôs o martírio sofrido pelos povos indígenas, lesados em seus direitos tradicionais e constitucionais. Leia o pronunciamento na íntegra.
SALVA, SENHOR, O TEU POVO (Jr 31,7)
Comunicado à 49º Assembléia Geral da CNBB sobre a Causa Indígena no Brasil
Introdução
Inicio este comunicado com o grito do Profeta Jeremias: “Salva, Senhor, o teu povo!” (Jr 31,7). Essa prece brota do coração de quem põe toda sua confiança em Deus e sua promessa: “Eis que virão dias – oráculo do Senhor – em que trarei de volta os cativos de meu povo e os farei regressar à terra que dei a seus pais, e tomarão posse dela” (Jr 30,3). É o sonho de tantos povos indígenas: regressar à terra de seus ancestrais e viver em paz. Nunca perderam a esperança de que vai raiar o dia em que o bom Deus os libertará do cativeiro da morte. É nossa súplica insistente: Salva, Senhor, os povos indígenas! Tira-os da cruz e, na tua bondade e misericórdia, concede-lhes viver a alegria da Páscoa da Ressurreição!
A Campanha da Fraternidade deste ano nos propõe, através do lema “A criação geme em dores de parto” (Rm 8,22), reconstruir a VIDA NO PLANETA EM FRATERNIDADE. Refletimos, em nossas dioceses e comunidades sobre as graves questões ambientais que colocam em risco o futuro do planeta terra e apontam para a possibilidade real da extinção da vida, em todas as suas formas, em função da nefasta intervenção do ser humano sobre o meio ambiente. Isso nos causa uma grande dor, já que “a América Latina é o continente que possui uma das maiores biodiversidades do planeta e uma rica sociodiversidade, representada por seus povos e culturas (DAp 83).
Desde o evento de Aparecida, a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, em 2007, a Igreja do nosso continente intensificou a sua preocupação com a Amazônia e com toda questão ecológica (cf. DAp 84): “Nossa irmã a mãe terra é nossa casa comum e o lugar da aliança de Deus com os seres humanos e com toda a criação” (DAp 125). Essa irmã-mãe, essa casa comum de toda a humanidade, que recebemos “como herança gratuita” para protege-la, “como espaço precioso da convivência humana […] para o bem de todos” (DAp 471), está sendo agredida: “A terra foi depredada. As águas estão sendo tratadas como se fossem mercadorias negociáveis pelas empresas” (DAp 84, cf. 85). A eliminação das florestas e da biodiversidade, e a contaminação das águas “transformam as regiões exploradas em imensos desertos” e colocam “em perigo a vida de milhões de pessoas” (DAp 473).
A causa desse colapso ecológico está, segundo Aparecida, no “atual modelo econômico, que privilegia o desmedido afã pela riqueza, acima da vida das pessoas e dos povos e do respeito racional pela natureza” (DAp 473). Esse modelo “subordina a preservação da natureza ao desenvolvimento econômico, com danos à biodiversidade, com o esgotamento das reservas de água e de outros recursos naturais, com a contaminação do ar e a mudança climática” (DAp 66).
Para a missão da Igreja, a questão ecológica e a proteção da natureza se tornaram “novos areópagos” (DAp 491). Aparecida articula sempre vida humana e meio ambiente, ecologia natural e ecologia humana: “A melhor forma de respeitar a natureza é promover uma ecologia humana aberta à transcendência […]. O senhor entregou o mundo para todos, para as gerações presentes e futuras” (DAp 126). Precisamos aprender, com Aparecida, caminhar para um novo modelo econômico, capaz de regular os recursos naturais “cada vez mais limitados”, segundo o “princípio de justiça distributiva” (DAp 126). A ecologia, com seu objetivo da Vida em Fraternidade com todos e com a natureza, aponta para um novo modelo de desenvolvimento social e para uma ascese pessoal com sua raiz na solidariedade.
O tema da Campanha da Fraternidade tem os contornos de um desafio e de um imperativo: Construir e reconstruir a Vida no Brasil, no continente latino-americano e no Planeta Terra como Vida em Fraternidade com os Povos Indígenas. Assim trago, uma vez mais, a esta assembléia a realidade dos povos indígenas do Brasil. E como bispo do Xingu, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e missionário na Amazônia não posso me furtar em apresentar, mesmo que de maneira sucinta, os graves problemas que os povos indígenas enfrentam.
A questão fundiária
A situação que envolve a demarcação das terrasindígenas é, certamente, a questão mais crucial e polêmica, a que causa maior impacto e a que mostra, com maior nitidez, toda a inércia do governo em relação aos povos indígenas do Brasil. A omissão do governo nesta questão revela a opção política em beneficiar setores da economia que se apropriaram ou que se apropriam das terras indígenas, a fim de explorá-las.
Os dados relativos a esta questão não deixam dúvidas uma vez que das 1.023 terras indígenas existentes, apenas 360 estão regularizadas, e 322 terras continuam sem nenhuma providência administrativa para serem reconhecidas pelo Estado brasileiro. Quanto às terras que se encontram em processo de demarcação, 156 estão em estudo, 27 estão identificadas; 60 estão declaradas pelo Ministro da Justiça; 63 estão homologadas pela presidência da República. Existem ainda 35 áreas que foram reservadas aos povos indígenas.
A Funai, durante todo o mandato do governo Lula, manteve-se em estado de letargia e subserviência frente às pressões desencadeadas contra as demarcações de terra. Ao final de 2009, como que num passe mágico, a equipe do governo decidiu reestruturar o órgão indigenista, através de Decreto nº. 7056, expedido no dia 28 de dezembro daquele ano. A reestruturação não agradou a muitos dos povos indígenas por apresentar mudanças na estrutura do órgão sem que eles fossem consultados, desrespeitando assim a Convenção 169 da OIT, ratificada e homologada pelo Governo brasileiro. Esse fato gerou um ambiente de extrema desconfiança e prejudicou ainda mais o andamento dos processos de demarcação das terras indígenas no país.
A judicialização dos procedimentos de demarcação das terras indígenas
A morosidade governamental para reconhecer e regularizar as terras indígenas potencializa a prática da judicialização dos procedimentos de demarcação das terras indígenas. Centenas de ações judiciais têm sido impetradas pedindo a suspensão das demarcações. Muitos procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas estão paralisados devido a decisões judiciais de diferentes Varas e instâncias da Justiça Federal em âmbito nacional. Em muitos casos, os próprios governos estaduais, a exemplo de Santa Catarina, do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, têm orientado os ocupantes de terras indígenas a entrarem com ações ordinárias na Justiça Federal pedindo a suspensão dos efeitos de portarias declaratórias expedidas pelo Ministério da Justiça ou a anulação de portarias, da própria Funai, que constituem Grupos Técnicos (GTs) para proceder aos estudos de identificação e delimitação de terras indígenas.
A violência contra os povos e lideranças indígenas
Temos observado que continua bastante recorrente o fato que, nos casos em que o intento de inviabilizar a demarcação de uma terra indígena não é atingido por meio de pressões políticas ou de ações judiciais, alguns segmentos político-econômicos apelam para a violência, promovem invasão das terras indígenas, atacam e assassinam as lideranças destes povos.
Nos últimos anos, infelizmente, explodiu a prática de violência contra os povos indígenas. Entre os anos 2003 e 2010, de acordo com os dados levantados pelo Cimi, foram assassinados 499 indígenas no Brasil. Neste sentido, com a intenção de denunciar a situação e cobrar a atenção das autoridades públicas para que tomem providências urgentes no combate a esses graves problemas, o Cimi lançará, nos próximos dias, o Relatório de Violências Contra os Povos Indígenas no ano de 2010.
De acordo com estes levantamentos, o Estado de Mato Grosso do Sul tem sido recordista em violências contra os povos indígenas. Ali as comunidades indígenas são obrigadas a viver em beira de estrada, são frequentemente expulsas de seus acampamentos, têm suas barracas e pertences queimados e seus líderes assassinados. Cerca de 50% dos assassinatos de indígenas ocorre naquele Estado. De acordo com recente informação do Ministério Público Federal, na terra indígena de Dourados, constituída de três mil e seiscentos hectares, nos quais vivem, em situação de confinamento, mais de 12 mil indígenas, o índice de homicídios é 800% maior que a média nacional. Esta prática de violência contra os povos indígenas no Mato Grosso do Sul, especialmente em relação ao povo Guarani Kaiowá, não deixa de ser um genocídio.
Vale ainda ressaltar que em diferentes Estados do Brasil também foram praticados assassinatos de indígenas e nem todas as informações são divulgadas.
A omissão em relação ao intenso processo de violências enfrentadas pelos Guarani-Kaiowá é talvez o elemento mais significativo da falta de interesse do Governo Federal pelos povos indígenas. Os abusos contra este povo têm sido denunciados pelo Cimi e por outras organizações de defesa dos direitos humanos e indígenas no Brasil e em nível internacional. Entretanto, mesmo assinando um Termo de Ajustamento de Conduta, no qual a Funai se comprometeu, em 2008, em realizar os estudos de identificação e delimitação de terras de ocupação tradicional indígena naquele Estado, até o presente momento o órgão indigenista está omisso. A demarcação das terras poderia evitar a morte de centenas de pessoas do povo Guarani-Kaiowá.
Os autores dos crimes contra os indígenas raramente são identificados e, quando isso ocorre, os criminosos conseguem retardar o julgamento dos processos por vários anos. Quando julgados, muito raramente são condenados. Isso aumenta ainda mais a sensação de impunidade.
Uma ação mais eficaz de proteção às comunidades e suas lideranças e de punição daqueles que praticam tais violências poderia abrandar, ao menos em parte, o sofrimento imposto a estas pessoas por tão longo tempo.
Os projetos desenvolvimentistas e os seus impactos sobre as terras indígenas
É com muita preocupação que acompanhamos a implementação de projetos desenvolvimentistas e os impactos que estão causando e poderão causar sobre as terras e as vidas dos povos indígenas. Levantamento feito pelo Cimi demonstra que ao menos 450 obras afetam terras indígenas no país. Grande parte dessas obras estão incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal.
Dezenas de hidroelétricas, redes de transmissão, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, são construídos em todas as regiões do país, sem que os povos indígenas sejam ouvidos como exige a Constituição Federal. Aqui merecem um destaque os licenciamentos ambientais, muitos deles, eivados de vícios jurídicos e concedidos pelos órgãos governamentais, única e exclusivamente devido às pressões políticas que desabam sobre técnicos e diretores responsáveis. Neste sentido, a concessão das licenças ambientais da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, planejada para ser construída no Rio Xingu é um caso emblemático e mais um exemplo vergonhoso de desrespeito aos Povos Indígenas e violação de seus direitos. O Consórcio Norte Energia não hesita em criar spots de propaganda enganosa, veiculados nestes dias em 17 aeroportos brasileiros. O consórcio confunde porpositadamente a opinião pública ao afirmar que aldeias indígenas não serão afetadas por não serem inundadas. Ocorrerá justamente o contrário: os habitantes, tanto nas aldeias como na margem da Volta Grande do Xingu, ficarão praticamente sem água, em decorrência da drástica redução do volume hídrico em 80%. Ora, esses povos vivem da pesca e da agricultura familiar e utilizam o rio para se locomover. Como vão sobreviver?
A postura desrespeitosa e a inexistência de diálogo por parte do Governo Federal com os povos indígenas acerca de projetos que impactam suas terras é recorrente. Neste sentido, os casos da Transposição das Águas do Rio São Francisco e da UHE Belo Monte são exemplares. É bom sabermos que o empreendimento no Rio São Francisco já está revelando sua insanidade. Os custos aumentaram notavelmente. Os trabalhos estão parados. As empresas despediram a quase totalidade dos trabalhadores, ficando apenas pequenos grupos para a vigilância e manutenção das estruturas. Não há previsão quanto a retomada das obras.
No caso de Belo Monte a falta de diálogo e de oitivas indígenas levou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) requerer, por meio de uma medida cautelar, ao Governo brasileiro, a suspensão imediata das obras. Inesperada e inexplicavelmente, o Governo brasileiro reagiu com ameaças de retaliação política e econômica à decisão da OEA. Em seu discurso de posse a atual Presidente da República comprometeu-se com a defesa dos direitos humanos. A solene promessa não resistiu ao primeiro caso concreto que se pôs à sua frente.
Expandir investimentos, assegurar infra-estrutura para acelerar o “crescimento econômico” do país tornou-se quase uma “lei absoluta” e, por isso, não são questionados os meios usados e nem mesmo os impactos sociais, ambientais, econômicos, culturais e políticos que estas ações estão provocando ou irão provocar.
A Criminalização das lideranças dos Povos Indígenas
Outra questão que muito nos preocupa é a prática da criminalização das lideranças dos povos indígenas. A omissão do governo na demarcação das terras e a ação governamental na implementação de projetos desenvolvimentistas surte como efeito até almejado por todos nós a organização dos povos e comunidades indígenas para fazer avançar os procedimentos de demarcação, bem como, para evitar a construção dos empreendimentos causadores de impactos danosos sobre as suas terras e suas vidas.
A reação, por parte dos aparatos estatais, a essa organização e mobilização dos povos indígenas foi imediata na forma esdrúxula de criminalizar suas lideranças. Exemplos mais recentes são os constantes ataques promovidos por agentes da Polícia Federal contra os povos Tupinambá e Pataxó Hã-Hã-Hãe, no Estado da Bahia. Muitas lideranças desses povos sao processadas judicialmente, algumas delas estão presas. Outro exemplo bastante sintomático diz respeito ao povo Xucuru, no Estado de Pernambuco: 42 lideranças foram condenadas, em média, a 10 anos de prisão cada uma.
Dados fornecidos pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, vinculado ao Ministério da Justiça, demonstram que, atualmente, 758 indígenas encontram-se aprisionados no país.
O Cimi, por diversas vezes, tem denunciado as ações repressivas, praticadas por agentes do Estado contra lideranças e comunidades indígenas.
O ataque aos direitos indígenas instituídos na legislação brasileira.
Os setores anti-indígenas representados no Congresso Nacional, especialmente aqueles ligados ao modelo de produção conhecido como “agronegócio”, tem atuado com grande virulência na tentativa de restringir os direitos indígenas no âmbito do Poder Legislativo. Atualmente, existem mais de duzentos Projetos de Lei (PL), Propostas de Emendas Constitucionais (PEC) e Projetos de Decretos Legislativos (PDCs) contra os povos indígenas, tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Projetos de interesse dos povos indígenas, no entanto, tais como o PL 2057/91, que trata do novo Estatuto dos Povos Indígenas e o PL 3571/08, que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), estão engavetados. A proposta de novo Estatuto dos Povos Indígenas já completa 20 anos de tramitação. Nada indica que seja aprovado nos próximos períodos.
Para responder a essa urgente demanda, os povos indígenas, juntamente com outros setores comprometidos com esta causa, deverão intensificar as mobilizações em todas as regiões pela aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas e pela consolidação de uma política indigenista que atenda, em definitivo, aos anseios e expectativas dos povos indígenas no Brasil.
A insuficiência e a baixa execução do orçamento indigenista
Os dados do orçamento indigenista, ao longo dos últimos anos, também demonstram o descaso com os 241 povos indígenas do país. Mesmo quando há recursos aprovados, estes acabam não sendo executados conforme o previsto.
A título de exemplo, em 2010, na ação de Demarcação e regularização de terras indígenas, a Funai gastou apenas 47,51% dos R$ 25 milhões orçados. No mesmo ano, a FUNASA deixou de investir na estruturação de unidades de saúde para atendimento da população indígena cerca de R$ 19,357 milhões que estavam aprovados no orçamento da União; também R$ 27,139 milhões previstos para serem utilizados na promoção, vigilância, proteção e recuperação da saúde indígena, e mais R$ 987,8 mil que se destinavam a ação de vigilância e segurança nutricional dos povos indígenas. Todo esse recurso retornou ao Tesouro Nacional para alimentar a meta de superávit do país.
A Assistência à saúde indígena
A política de assistência à saúde indígena esteve estruturada, durante mais de uma década, no modelo de assistência terceirizada e foi transformada em espaço de negociações com partidos políticos da sua base de sustentação, especialmente o PMDB.
Vale destacar que durante um longo período a Funasa foi alvo de denúncias por malversação de recursos públicos e por corrupção. Auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas da União constataram graves distorções em relação ao uso dos bens e recursos e na prestação dos serviços.
Tardiamente e já quase no final de seu governo, o presidente Lula determinou a criação da Secretaria Especial de Atenção a Saúde Indígena (SESAI), vinculada ao Ministério da Saúde. A Secretaria foi criada formalmente, mas ainda não foi estruturada. A transição da responsabilidade entre os dois órgãos tem sido muito tumultuada e marcada por intensas disputas político-partidárias.
Enquanto isso, os povos indígenas são cada vez mais prejudicados. Infelizmente, nestes primeiros 04 meses do ano de 2011, somente na Terra Indígenas Parabuburi, do povo Xavante, no município de Campinápolis, no Estado do Mato Grosso, ao menos 35 crianças morreram de causas perfeitamente tratáveis nos dias de hoje, tais como desnutrição e doenças respiratórias e infecciosas. No Vale do Javari, no Amazonas, doenças virais e infecciosas alastram-se, sem controle, entre os indígenas.
Educação escolar indígena
A política de educação escolar indígena é igualmente contraditória. A responsabilidade é do Ministério da Educação (MEC), que repassa os recursos e as atribuições da educação escolar aos Estados que, por sua vez, podem transferi-las aos Municípios. Com o objetivo de buscar uma solução para as distorções e contradições existentes na execução da política de educação foram apresentadas propostas dos movimentos de professores indígenas, de entidades de apoio e pesquisadores apontando para uma perspectiva da federalização da política. No entanto, os técnicos do Ministério da Educação optaram por um caminho diferente. Instituíram, através do Decreto nº. 6861, de 27 de maio de 2009, os chamados Territórios Etnoeducacionais, antes mesmo da realização de todas as conferências regionais, previstas para avaliar e propor alternativas para a educação escolar indígena. Esse processo de reflexão culminou na Conferência Nacional de Educação que, ao invés de discutir as propostas vindas das diferentes regiões, acabou por discutir o fato já consumado do novo modelo. O modelo dos Territórios Etnoeducacionais não foi debatido e sequer é compreendido pela maioria dos povos e comunidades indígenas e, por que não dizer, por muitos executores da política que, em geral, são os Estados e Municípios.
O Protagonismo dos Povos Indígenas
Ao longo dos anos, os povos indígenas se fizeram mais presentes nos espaços públicos, reivindicando e exigindo que as autoridades cumpram com suas responsabilidades. Nas últimas décadas o movimento indígena, de modo geral, tornou-se realmente protagonista.
No entanto, apesar de uma visibilidade maior e da criação de certos espaços de participação, algumas artimanhas utilizadas por parte daqueles que governam, engessam as ações indígenas em torno de discursos, pedidos de paciência, mais abertura ao diálogo e promessas a serem cumpridas. Com isso, as lutas indígenas que mostraram maior relevância, foram aquelas que se organizaram em âmbito local ou regional. As de caráter nacional foram como que dissipadas e muitas delas esvaziadas pela relação que se estabeleceu com setores do atual Governo Federal que eram, até muito recentemente, opositores aos governos anteriores e inclusive militantes da causa indígena.
Os Povos Indígenas Isolados
Uma realidade pouco divulgada e conhecida no Brasil são os povos indígenas isolados. Levantamentos realizados por missionários do Cimi, que deverão ser publicados nos próximos dias, constatam a existência de ao menos 90 referências de povos ou grupos de indígenas que vivem na Amazônia sem nenhum contato com a sociedade envolvente. Preocupa-nos imensamente a situação em que vivem estes povos, principalmente os 18 povos que estão na iminência de extinção devido a práticas de genocídio cometidas em função do avanço da fronteira agrícola e dos projetos desenvolvimentistas vinculados ao PAC, como, por exemplo, as hidroelétricas do Rio Madeira, em Rondônia.
O Estado brasileiro deve reconhecer os direitos dos isolados, garantir sua integridade social, cultural e econômica, a proteção de seu território e de seus recursos naturais, aplicando a legislação nacional e internacional. Convém suspender em todas as regiões onde há referências de presença de índios isolados, os projetos de infra-estrutura, de geração e transmissão de energia, de colonização e de extração de recursos naturais, principalmente de minérios.
Conclusão
Finalizo este comunicado com grande preocupação, pois as perspectivas não são animadoras, se bem que o novo Governo esteja apenas no seu início. Os discursos proferidos pela presidente da República apontam para a continuidade da política desenvolvimentista, toda ela voltada aos mega-investimentos em obras e na exploração dos recursos naturais. Há grandes desafios a serem enfrentados pelos povos e suas organizações. Haverá desafios para toda a sociedade. Algumas lideranças indígenas, enfatizam em artigos e discursos que,”embora os brancos insistam em destruir a terra, ela existirá enquanto os povos indígenas existirem. Destruindo os filhos da terra, destruirão a última esperança de vida no planeta, destruirão em definitivo a terra inteira”.
Lembro mais uma vez a Campanha da Fraternidade e reafirmo a necessidade de que ela se prolongue como parte de nossa missão profética pela defesa da vida. Ao defendermos a causa indígena contribuiremos também com a defesa de nossa terra.
Este ano completam-se cinco anos desde a partida do saudoso Dom Luciano Mendes de Almeida para a Casa do Pai (27.08.2006). Todos nós que o conhecemos lembramos com gratidão este homem de Deus que consagrou a sua vida aos pobres e aos discriminados pela sociedade. Recordo-me com que determinação e vigor defendeu diante do Congresso Nacional e nos Meios de Comunicação os Povos Indígenas e nosso empenho em favor deles e alertou à sociedade brasileira: “É hora de consolidar nossa democracia, com sua riqueza étnica e cultural, e acreditar no futuro das comunidades indígenas e do desenvolvimento sustentável que promovem. A solidariedade fraterna e cristã com respeito e estima ao pluralismo étnico e cultural no Brasil, atrairá as bênçãos de Deus a fim de que haja tempos novos de justiça e paz para todos”.
Aparecida, 6 de maio de 2011
Erwin Kräutler
Bispo do Xingu
Presidente do Cimi
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=56373