Por Pablo Pires Ferreira / ACS INCQS – EcoDebate
A polêmica aprovação, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei que propõe o fim da exigência do símbolo de transgenia nos rótulos de alimentos feitos à base de organismos geneticamente modificados (OGM) encontra a oposição da pesquisadora e biomédica da Fiocruz Bianca Marins. Com uma tese de doutorado ligada ao tema de rotulagem de alimentos, Marins afirma que o cidadão tem o direito de saber o que está consumindo para fazer suas opções.
“Se o símbolo da transgenia induz ao repúdio, como afirmam, retirá-lo do rótulo não é a solução. É necessário não só informar, mas explicar ao cidadão o que é a transgenia e quais os riscos sanitários que ela implica. Por isso sua indicação no rótulo ainda é fundamental, até porque traz o assunto para a discussão”, explica a pesquisadora, que defendeu seu trabalho na pós-graduação do Instituto Nacional de Controle e Qualidade em Saúde (INCQS) da Fiocruz em 2009.
Recentemente, o doutorado de Marins (A vigilância sanitária, o cidadão e o direito à comunicação: um estudo sobre a rotulagem de alimentos) ganhou versão resumida em artigo publicado no periódico científico Visa em debate com o título Vigilância sanitária e direito à comunicação: a rotulagem de alimentos como espaço de cidadania.
Durante sua pesquisa, a biomédica procurou compreender como se dá o processo de comunicação e informação no que tange à segurança alimentar e à vigilância sanitária dela decorrente. Por conta da amplitude do tema, reduziu o escopo de seu estudo à rotulagem de alimentos. Logo de início constatou uma “dificuldade de entendimento da rotulagem e de utilização dessas informações por parte dos consumidores, deficiências que precisam ser superadas, sobretudo no que diz respeito ao direito do cidadão”. E nesse sentido, a Marins faz questão de diferenciar cidadania de consumo, visto que a rotulagem, hoje, atende mais a um direito jurídico do consumidor do que a uma necessidade de informação para o pleno exercício da cidadania e da boa saúde.
De acordo com a ela, um outro aspecto da tensão entre cidadania e consumo se dá na disputa entre publicidade e informação nos rótulos: “Uma bebida industrializada pode anunciar em letras grandes que não contem conservantes conservantesaditivos, deixando a presença de outros aditivos, como osos acidulantes, a ser descoberta apenas nas letras miúdas dos ingredientes, o que tenta agregar um valor de alimento mais saudável”, exemplifica.
Para resolver o problema, a pesquisadora resolveu propor um sistema de comunicação para a vigilância sanitária que respeitasse os interesses e criasse uma sinergia entre os setores envolvidos, quais sejam, o público, o produtivo e o da sociedade civil organizada, além de envolver um quarto: o acadêmico.
Após uma série de entrevistas e consultas, Marins sugere algumas medidas que possibilitem tal sistema. Primeiro, estabelecer uma melhor cooperação entre as instituições públicas como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Ministério da Agricultura (Mapa), dentre outras federais, estaduais e municipais. Depois, a necessidade de incrementar a fiscalização da rotulagem, assim como de se regulamentar a publicidade, como já ocorre em muitos países europeus; por fim a adoção de certas sugestões da sociedade civil organizada, como a criação de um telefone 0800 para denúncias críticas e sugestões ou medidas que estimulem a adoção de informações nos encartes promocionais dos supermercados.
“Tudo isso sem desrespeitar os interesses comerciais do setor produtivo, pois não se trata aqui de demonizar ninguém mas de preservar o direito à informação do cidadão”, completa.
A Fiocruz é uma das entidades que assina a “Carta das entidades da sociedade civil contra o PL 4148/2008, que prevê acabar com a rotulagem dos transgênicos”. Confira o documento na íntegra.
Caros, eu posso entender que um alimento precise exibir no seu rótulo as informações relativas a sua composição ou origem quando isso afeta a saúde do consumidor. Não é o caso dos transgênicos: a autoridade nacional, a CTNBio, já avaliou os riscos de todas as plantas transgênicas hoje no mercado e concluiu que elas são tão seguras quanto as plantas convencionais para o consumo. Esta conclusão, aliás, foi a mesma para cada uma das plantas transgênicas avaliadas por autoridades nacionais em outros países e na Europa.
Então, a questão resvala da avaliação de risco (que é tarefa da autoridade nacional) para a percepção de risco (que é diferente para cada um de nós). Acontece que, se não há riscos diferentes entre alimentos GM e convencionais, há custos altos tanto para se rotular um alimento como transgênico como para rotulá-lo como livre de transgênicos. A rotulagem, por ser obrigatória, encarece os produtos da cesta básica sem contribuir em nada com a saúde do consumidor.
Por isso, sou contra meter rótulos pequenos ou grandes, com ou sem símbolos, para distinguir os alimentos formulados com plantas transgênicas daqueles obtidos de plantas convencionais. As razões acima me dão esta convicção, independente dos aspectos legais, que são baseados numa lei confusa e em decretos ainda mais confusos. Encarecer a comida do brasileiro para atender a um pequeno grupo de consumidores que crê haver perigo onde as autoridades de vários países nada veem não é democrático e não deve ser amparado por lei.