Tribunal Regional Federal da 1ª Região mantém suspenso licenciamento da UHE Paiaguá, que atingirá as T.I.s Monoki e Ponte de Pedra, em MT

Justiça

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

O desembargador Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, manteve decisão do juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso, determinando a suspensão do licenciamento ambiental da Hidrelétrica Paiaguá, que atingirá as Terras Indígenas Monoki e Ponte de Pedra. A Ação Civil Pública (ACP) foi proposta pelo Ministério Público Federal no Pará contra o Estado de Mato Grosso, a empresa Global Energia S/A e o Ibama. O licenciamento para a construção da UHE foi irregularmente concedido pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), sem a devida consulta aos povos indígenas, sem a apresentação do Estudo de Componente Indígena (ECI) e apesar de a Funai ter solicitado a interrupção das obras, em 2012.

Citando a Constituição, o desembargador Souza Pudente diz que “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica”. E concorda com a posição do MPF, afirmando que Paiaguá “causará interferência direta no mínimo existencial-ecológico das comunidades indígenas Manoki e Ponte de Pedra, com reflexos negativos e irreversíveis para a sua sadia qualidade de vida e patrimônio cultural em suas terras imemoriais e tradicionalmente ocupadas”.

Abaixo, síntese da decisão do desembargador Souza Prudente, seguida de links para a íntegra das duas decisões: a do Tribunal Regional Federal da Primeira Região e a do juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso.

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CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO DE RECURSOS ENERGÉTICOS EM ÁREA INDÍGENA. UHE PAIAGUÁ. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL E AUDIÊNCIA PRÉVIA DAS COMUNIDADES INDÍGENAS AFETADAS. VIOLAÇÃO À NORMA DO § 3º DO ART. 231 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LICENCIAMENTO AMBIENTAL VICIADO E NULO DE PLENO DIREITO, CONCEDIDO POR ÓRGÃO ESTADUAL. AGRESSÃO AOS PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA, DA PRECAUÇÃO E DA MORALIDADE AMBIENTAL (CF, ART. 37, CAPUT). ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. CABIMENTO.

I – Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (…) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC nº 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, com abrangência dos direitos fundamentais à dignidade e cultura dos povos indígenas, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que “o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável.
II – A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada). No caso concreto, impõe-se com maior rigor a observância desses princípios, por se tratar de tutela jurisdicional em que se busca, também, salvaguardar a proteção do uso de terras indígenas, com suas crenças e tradições culturais, aos quais o Texto Constitucional confere especial proteção (CF, art. 231 e §§), na linha determinante de que os Estados devem reconhecer e apoiar de forma apropriada a identidade, cultura e interesses das populações e comunidades indígenas, bem como habilitá-las a participar da promoção do desenvolvimento sustentável (Princípio 22 da ECO-92, reafirmado na Rio + 20).
III – Nos termos do art. 231, § 3º, da Constituição Federal, “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”, em harmonia com o disposto no artigo 6º, item 1, alíneas a e b, da Convenção nº 169 -OIT.
IV – Na hipótese dos autos, a localização da UHE PAIAGUÁ, no Estado de Mato Grosso, encontra-se inserida na Amazônia Legal (Município Campo Novo do Parecis/MT) e sua instalação causará interferência direta no mínimo existencial-ecológico das comunidades indígenas Manoki e Ponte de Pedra, com reflexos negativos e irreversíveis para a sua sadia qualidade de vida e patrimônio cultural em suas terras imemoriais e tradicionalmente ocupadas, impondo-se, assim, a prévia autorização do Congresso Nacional, com a audiência dessas comunidades, nos termos do referido dispositivo constitucional, sob pena de nulidade da licença de instalação autorizada nesse contexto de irregularidade procedimental (CF, art. 231, § 6º).
V – Em sendo assim, versando a controvérsia, como no caso, em torno também de suposta emissão irregular de autorização e/ou licença ambiental, expedida, tão-somente, pelo órgão ambiental estadual, deve o IBAMA integrar a relação processual, na condição de responsável pela ação fiscalizadora decorrente de lei, a fim de coibir abusos e danos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, por eventuais beneficiários de licenças emitidas sem a sua participação, na condição de órgão executor da política nacional do meio ambiente, pois é da competência gerencial-executiva e comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, as paisagens naturais notáveis, os sítios arqueológicos e o meio ambiente e, ainda, preservar as florestas, a fauna e a flora (CF, art. 23, incisos III, VI e VII).
VI – Agravo de instrumento desprovido, para manter a decisão agravada, em todos os seus termos.
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Clique AQUI para acessar a decisão do Tribunal Regional Federal da Primeira Região e AQUI para acessar a do juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso.

Enviadas para Combate Racismo Ambiental por Vinicius Valentin Raduan Miguel.

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