Vanessa Gonçalves, Portal Imprensa
A história da ditadura militar no Brasil está longe de ser passada a limpo. Embora o trabalho da Comissão Nacional da Verdade tenha se desdobrado para jogar luz nas sombras dessa época, muito ainda precisa ser feito.
Enquanto militares e parte da sociedade enxergam a luta dos familiares de mortos e desaparecidos políticos como revanchismo, historiadores e jornalistas apontam incansavelmente novos pontos do emaranhado de mentiras que ainda precisam ser revelados.
O recém-lançado livro “Lugar Nenhum”, do jornalista Lucas Figueiredo, é mais uma prova de que há muita sujeira jogada embaixo do tapete da história. Afinal, o autor comprova que militares ainda são “donos” de parte dos arquivos que podem ajudar na busca pela verdade sobre o esquema da repressão.
À IMPRENSA, Figueiredo reforça que “estamos atrasados” nesse doloroso processo de promover justiça aos familiares e aos próprios atingidos pelo facão da ditadura.
IMPRENSA – O livro fala sobre os arquivos da ditadura que estão em poder de civis e militares. Como chegaram a essa informação e como isso ainda é possível numa democracia?
LUCAS FIGUEIREDO — Fiz essa pesquisa quando trabalhava como pesquisador da Comissão Nacional da Verdade. Os documentos que obtive mostram que é falsa a posição história das Forças Armadas em relação aos arquivos da ditadura, ou seja, nem todos os arquivos do período foram destruídos, sobretudo sem registro e em época incerta, como afirmam até hoje os militares. No livro, eu provo por exemplo que pelo menos até 2013 a Marinha mantinha – atualizado — um arquivo sobre mortos e desaparecidos políticos.
A existência desses arquivos mostra que, 30 anos após o fim da ditadura, o poder militar ainda não se subordina completamente ao poder civil. E que o poder civil aceita tal situação, o que faz com que nossa transição democrática fique incompleta.
Acredita que esses arquivos possam jogar luz em casos de mortes e desaparecimentos? Sabe dimensionar o teor desses papéis?
Nunca apareceram, por exemplo, os arquivos da terceira e última campanha militar contra a Guerrilha do Araguaia, nos anos 1970. Só esse arquivo poderia esclarecer o destino de dezenas de desaparecidos políticos. Os documentos que os militares escondem podem esclarecer centenas de casos de sequestro, tortura, assassinato e ocultação de cadáver. As Forças Armadas raptaram a história do Brasil.
Por que a Comissão Nacional da Verdade não conseguiu avançar e ter acesso a esses documentos?
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) teve acesso ao documentos que provam que as Forças Armadas ainda hoje ocultam arquivos da ditadura, e o fazem, no mínimo, sob as vistas grossas do poder civil, quando não em parceria. Infelizmente, esses documentos não constaram do relatório final da CNV.
A ditadura acabou há 30 anos e muitos dizem que tocar neste assunto é revanchismo. Na sua opinião, por que a imprensa e historiadores ainda precisam tanto falar nisso?
Porque isso é a história do Brasil, uma história que as Forças Armadas não querem que conheçamos por completo.
Os militares alegam que destruíram os arquivos da ditadura, mas como vemos, nem tudo foi extinto. Acredita que houve uma destruição seletiva desses materiais? Por quê?
A destruição foi sim seletiva, conforme documentos obtidos na pesquisa. Muita coisa porém foi preservada, como também mostram documentos obtidos pela pesquisa.
Você diz na obra que os militares microfilmaram muito material que alegam ter queimado. O que de revelador nesses documentos?
Eles mostram que no início dos anos 1970 as FFAA começaram a miniaturizar seus arquivos secretos com dois objetivos: preservar e esconder esse material. Os microfilmes também mostram que as FFAA tinham informações sobre mortos e desaparecidos que sempre negaram possuir.
Países como Argentina, Chile e Uruguai avançaram bastante em passar a limpo a história de suas ditaduras. Acredita que no Brasil isso ainda será possível?
Estamos atrasados. E quanto mais o tempo passa, mais difícil fica promover a justiça, pois os agentes do estado que praticaram, ordenaram ou foram cúmplices com esses crimes estão morrendo. Por exemplo, morreu o ex-chefe do DOI-Codi de São Paulo, Carlos Alberto Brilhante Ustra, um homem que deveria ter sentado no banco dos réus.
—
Crédito da foto: Divulgação
Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.