Violência policial deveria ser enquadrada na nova lei sobre terrorismo, por Leonardo Sakamoto

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O Senado Federal aprovou o texto da nova lei que tipifica o terrorismo (exigência de organizações financeiras internacionais que o governo federal abraçou sem reflexão pública). Na prática, o projeto – proposto do Palácio do Planalto – abre a possibilidade de criminalizar ações políticas de movimentos e organizações sociais – bola cantada já muito tempo.

Os senadores derrubaram uma ressalva incluída pelos deputados federais de que a lei não se aplicaria “à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais ou sindicais movidos por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender ou buscar direitos, garantias e liberdades constitucionais”.

O relator da proposta no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), afirmou que a lei não puniria eventuais depredações ocorridas em protestos, que continuariam a ser consideradas apenas como danos ao patrimônio, mas poucos são os que acreditam realmente nisso. Pois, convenhamos: no Brasil, leis que podem ser usadas para conter a insatisfação popular contra o poder político ou econômico nunca saem de moda.

Se a Câmara não mudar o texto, deveríamos usar a definição de terrorismo aprovada pelo Senado para colocar no banco dos réus governadores e comandantes policiais.

Vejamos: “Atentar contra pessoa, mediante violência ou grave ameaça, motivado por extremismo político, intolerância religiosa ou preconceito racial, étnico, de gênero ou xenófobo, com objetivo de provocar pânico generalizado”.

Quem estava naquele fatídico 13 de junho de 2013, quando a polícia não fez selfies mas, pelo contrário, lançou bombas de gás, espancou, cegou, sangrou, feriu manifestantes e jornalistas que estavam no protesto pacífico pela redução da tarifa do transporte público sabe do que estou falando. Se aquela violência institucional não foi motivada por “extremismo político” com o objetivo de “provocar pânico generalizado”, então nada mais o é.

O mesmo vale para ações em favelas e comunidades pobres, territórios indígenas, acampamentos sem-terra ou sem-teto, em que a polícia age, sob ordens dos governos, como se estivessem em guerra aberta contra sua própria população. Com o agravante de que a maioria dos mortos nas periferias das grandes cidades são jovens negros. Ou seja, um claro atentado contra a pessoa, “mediante violência ou grave ameaça motivado por preconceito racial e étnico” – como prevê a lei.

A verdade é estamos nos especializando no caminho do terrorismo de Estado, tanto ao criar entraves à liberdade de expressão quanto ao reprimir ainda mais o punhado de direitos das comunidades pobres que ainda não foram defenestrados. A população mais carente é a que teme cada vez mais seu governo ao invés de respeitá-lo.

Tudo aquilo fora da ordem estabelecida pelos grupos que os governos representam ou em desacordo com sua visão de “progresso” e crescimento econômico, seja no campo ou na cidade, leva pau. Em vez de aceitar e promover o debate público e a dignidade dos participantes, governos vão renovando seu estoque de gás lacrimogênio, lançando mão de caveirões e bombas. Que limpam a cidade para os “homens e mulheres de bem”.

Lembram, assim, a época dos verde-olivas que adoravam uma marcha cívica, mas desciam o cacete nos estudantes que protestavam e nas “hordas de bárbaros” quando elas saíam da casinha, taxando todos de “terroristas”.

Não se enganem. Esse projeto de lei, que agora volta à Câmara dos Deputados por ter sido alterado, não trata apenas de liberdade de expressão e da participação política. É sobre a quem pertence a cidade. A todos e todas que nela vivem ou a um pequeno grupo que tem muito dinheiro ou está alinhado com o administrador público de plantão?

Já se passaram décadas. Mas a frase da ditadura civil-militar ainda é paradigmática para entender o país e seus governos, Justiça e parlamento: Brasil: ame-o [do nosso jeito] ou deixe-o.

Foto: Policiais prendem manifestantes do Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento do transporte público em São Paulo (SP), que passou de R$ 3,00 para R$ 3,50 / Crédito:  Leonardo Benassatto, do Futura Press

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