Faz tempo que não sentia tanta vergonha alheia como nos últimos dias. A quantidade de besteira que escorreu em blogs e nas redes sociais como resposta de muitos homens (sic) às mulheres que resolveram não ficarem caladas diante da violência sexual digital contra uma participante de 12 anos do programa Masterchef foi deprimente.
Apenas uma pessoa que passou a sua vida inteira em uma caverna, sem contato com a civilização, pode achar que essa situação brotou de uma hora para outra. Não, o machismo brasileiro, um de nosso maiores patrimônios imateriais, sempre esteve lá, feito pombo que descansa em fio da rede elétrica, fazendo cocô na cabeça de todos os que não são homens, nem concordam com a heteronormatividade vigente. A diferença é que, agora, a internet dá a todo o mundo, inclusive os que não aprenderam a viver em sociedade, o direito de ter um megafone.
Discutimos muito nos últimos tempos sobre as mudanças estruturais pelas quais o país tem que passar, citando segurança, impostos, política, corrupção, mas – não raro – esquecemos dos problemas ligados aos grupos que sofrem com o desrespeito aos seus direitos fundamentais. Como as mulheres que são maioria numérica – e minoria em direitos efetivados.
Nunca é demais lembrar que elas são vítimas frequentes de violência doméstica, enfrentam jornadas triplas (trabalhadora, mãe e dona de casa) e não têm a mesma liberdade que os meninos quando pequenas. Não são autorizadas a conduzir livremente suas vidas, pressionadas não só por pais e companheiros ignorantes mas também por uma sociedade que arrota futuro, mas age no passado. A qual todos nós pertencemos e, portanto, somos atores da perpetuação de suas bizarrices.
Pois o justo descontentamento com o caráter ou a competência de uma mulher na política, seja de uma vereadora, passando por uma deputada ou senadora até a presidente da República faz com que elas sejam chamadas de “vaca”, “vadia”, “vagabunda”. Xingamentos bizarros que não têm nada a ver com o seu comportamento como administradora pública ou representante política, mas que querem desqualificar um gênero, colocando-as no seu “devido lugar”.
Essa batalha é travada no dia a dia também. Como a luta por não sofrer violência sexual no trem sem precisar de um vagão especial ou por vestir-se como quiser sem ser chamada de vadia. Ou pelo direito de ganhar a mesma remuneração que o homem ao exercer função equivalente. Por resistir à pressão social pela adoção do nome de família do companheiro. E, é claro, ter autonomia para decidir o que fazer com seu próprio corpo – o que inclui poder fazer um aborto em caso de estupro (o que é previsto em lei), sem ter que provar ter sido vítima desse crime – como querem, agora, muitos deputados federais em Brasília.
Como um dia me explicou um sexólogo, já passou do momento de queimarmos cuecas em praça pública, como foi com os sutiãs décadas atrás. Pois ao homem não é dado o direito, desde pequeno, de demonstrar afeto, sentir emoções, a ficar doente, expor fraquezas. É criado não para ser humano, mas um monstrinho.
Ou nos libertamos desse papel de idiota que construímos para nós mesmos há muito tempo ou vamos continuar sendo, consciente ou inconscientemente, vetores do sofrimento alheio.