Oi manas, estou aqui mais uma vez pra quebrar o clima de brincadeira da página pra falar de algo que julgo necessário.
Na noite de terça estreou a nova temporada do MasterChef em sua versão Jr, e nas redes sociais aconteceram alguns fatos desagradáveis. Para começar, uma enxurrada de comentários machistas sexualizavam uma das participantes, sim, caras mais velhos estavam falando abertamente sobre seus desejos sexuais para com uma garota de 12 anos. Vocês podem conferir isso melhor aqui, aqui também e aqui.
Porém, gostaria de comentar sobre outro fato desagradável que também aconteceu durante a exibição do programa e não foi noticiado. X, 11 anos, era um dos participantes a estrear no reality de culinária e, por conta de seu comportamento fora dos padrões binários foi alvo de comentários pejorativos, sarcásticos e de ódio.
Vocês já pararam pra se perguntar porque isso acontece? Porque é tão difícil aceitar ou simplesmente conviver com quem apresenta um comportamento diferente do que tradicionalmente lhe foi atribuído por conta do gênero?
“Menino não pode chorar, nem rebolar, nem vestir rosa, não pode dançar requebrando demais” estereótipos que foram inseridos tão profundamente em nossa sociedade que os reproduzimos a todo o momento, às vezes sem perceber, foram naturalizados.
Todo mundo sabe que os LGBTTQ recebem um tratamento e uma visão específicas da sociedade, muitas vezes impulsionado por questões religiosas e machistas. Isso é passado de geração para geração naturalmente, porque a grande maioria da população é cristã, a grande maioria vive numa sociedade machista e reflete os valores que estes sistemas impõe. Por isso, é muito comum ver familiares reprimirem seus filhos quando estes fogem dos padrões estabelecidos. Se é homem você tem que agir de forma x, se é mulher tem que agir de forma y.
A resposta para um comportamento que difere daquilo que é diferente do que você acredita e cresceu aprendendo que é o certo quase sempre é violenta, daí começam as torturas psicológicas, as agressões verbais e físicas e toda uma preocupação para que o indivíduo se adeque a um papel que você (!) julgue confortável.
Conseguiu notar que a pessoa em si, a que está sendo julgada, apontada e cobrada é sempre a última com quem se preocupam? A luta é sempre para que quem esteja ao redor sinta-se confortável, nunca para quem está no papel de diferente.
A pessoa que vos escreve foi uma “criança viada” fora dos padrões binários e cresceu ouvindo de familiares as mais nojentas coisas que se pode imaginar. Por isso, assistindo X no programa e em seguida lendo tais comentários, me vieram lembranças de terror, de angústia, exclusão social, medo e insegurança.
Imagine: Você está na idade em que começa a ter uma noção melhor de mundo, na idade em que sua autoestima começa de fato a ser construída, você intensifica suas interações sociais e passa a querer fazer parte de grupos para sentir-se bem e mais uma porção de coisas que vai precisar para a vida adulta. Entretanto, desde seus 5~7 anos, você já demonstrava um comportamento “estranho”, isso não incomoda nesta idade porque “ah, é criança, depois muda” , dos 9 anos em diante a cobrança começa a aparecer, porque você já está “grandinho” demais pra ficar agindo de formas inadequadas.
É MUITO importante ressaltar que isso vem primeiro da família: pais, avós, primos e tias ajudam no processo da heterocisnormatividade, se nasceu com pênis vai agir como homem e vai ser hétero, ponto final.
A criança será cobrada por um comportamento padrão, uma entonação de voz, modos de gesticular, o que vestir, o que brincar e com quem deve se relacionar. A criança que antes não entendia os adjetivos “viadinho””bichinha””gayzinho” vai começar a associar as coisas, perceberá que seu comportamento causa repulsa, incômodo, asco e provavelmente vai internalizar estas ideias, vai passar a acreditar que realmente é a errada, que ela quem deve mudar e se adequar, vai perceber mais tarde que mascarar quem é, fará com que seja aceita em determinados ambientes por determinadas pessoas. É um inferno psicológico gigantesco e lembrem-se que estamos falando de UMA CRIANÇA!
Isso porque estou falando apenas de comportamento, uma criança que foi designada como homem ser afeminada não implica necessariamente que ela seja homossexual, são coisas completamente diferentes e causam transtornos da mesma forma, tanto para héteros quanto para homossexuais. Por isso, não seja a pessoa que contribua para que o terror psicológico , que acarreta danos graves na vida adulta para essas crianças. Se esforce para mudar sua visão binária, saia desta dualidade, porque as crianças precisam saber que não há nada de errado com o comportamento delas.
É muito fácil para nós reproduzir naturalmente preconceitos internalizados como forma de piada ou de “correção” para depois fazer uma criança crescer achando que está errada, que vai queimar no inferno e ao ler manchetes de suicídio resumir tudo a “mimimi” “foi fraco” ou mesmo quando esta criança, na vida adulta consegue perceber como funciona todo esse sistema e resolve lutar contra isso, vocês resumirem a “tudo agora é preconceito”.
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Foto de D1v4s.
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Diogo Rocha.