Gean Rocha – Adital
Quando se fala em evangelização dos povos indígenas, vêm à cabeça de algumas pessoas a intolerância religiosa, o desrespeito às crenças, aos costumes e à cultura dos povos originários. Recentemente, a Junta das Missões Nacionais usou sua página no Facebook para pedir orações pela evangelização dos povos indígenas no Brasil. O assunto repercutiu bastante e de forma negativa nas redes sociais da Internet.
Não demorou muito para alguns seguidores manifestarem sua opinião sobre o tema. Alguns acham a evangelização dos povos indígenas um verdadeiro assassinato, um terrorismo étnico-cultural, e que a evangelização acaba com algo “raro e bonito”, que ainda existe no Brasil. Já outros apoiam o projeto e ressaltam que não é necessário deixar de ser índio para ser cristão, e que o Evangelho não dissolve sua cultura e, sim, complementa.
Em entrevista à Adital, o pastor Valdir Soares, gerente nacional para a Evangelização dos Povos Indígenas da Junta das Missões Nacionais [JMN], afirma que o trabalho de evangelização que as Missões Nacionais vêm realizando em comunidades indígenas é de cunho social. “Desenvolvemos um trabalho de relevância social e não religioso, nosso trabalho é voltado para a tradução do Novo Testamento, em cartilhas na área da saúde, temos líderes missionários que trabalham treinando lideranças indígenas, para realizarem o trabalho de evangelização na própria comunidade” ressalta.
Para a pastora Romi Márcia Bencke, secretária geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), o tema é bastante complexo e delicado. Pois, no marco dos 500 anos de colonização da América Latina, este foi um tema muito debatido. Nesse contexto, se ousou olhar, criticamente, para as ações evangelizadoras junto às comunidades indígenas. Tais ações, em várias situações, recorrem ao uso da força e da violência. Foi necessário rever essa história e rediscutir o conceito de missão e evangelização.
“Isso significa colocar-se ao lado dos povos indígenas, respeitando e acolhendo a sua forma de ver Deus. Significa também aprender sobre a espiritualidade indígena e sua maneira de relacionar-se com Deus e com a natureza. São os povos indígenas que nos ensinam a cultura do bem-viver. Creio que esta é uma forma de evangelização. Não significa fazê-los crer em Jesus, mas mostrar que nós, a partir da nossa fé em Jesus Cristo, podemos e devemos respeitar e acolher, profundamente, a forma como os povos indígenas celebram a sua ou as suas divindades” explica Romi.
O pastor Valdir Soares explica que, em comunidades indígenas que solicitam a presença missionária, o trabalho é realizado através de ações que promovam a identificação e a valorização cultural da etnia. São ações na área de educação, como a grafia da língua, o preparo de cartilhas de alfabetização na língua indígena, dicionários e produções literárias na língua nativa, além de orientações de cuidados com a higiene e saúde, conscientização sobre a prevenção ao uso de álcool e substâncias psicotrópicas, da preservação ambiental, do respeito e amor pelo próximo.
“A única intenção que as Missões Nacionais têm com esse trabalho é apenas contribuir com a promoção da cultura e dos direitos indígenas, no tocante à preservação da vida e ao bem estar de suas comunidades, quando nós, das Missões, somos convidados por líderes indígena,s buscamos sempre ajudá-los em suas reais necessidades” explica o pastor.
Romi acredita que muitas ações evangelizadoras junto aos povos indígenas são realizadas a partir de uma passagem da Bíblia: “Ide e fazei discípulos em todas as nações, batizando em nome do Pai, Filho e Espírito Santo” (Mt 28.19). Ela reforça que qualquer aproximação com os povos indígenas precisa estar orientada pelo respeito à sua religiosidade, às suas divindades e aos seus espaços sagrados, não podendo destruir o espaço sagrado indígena para construir igrejas, isto seria ferir a dignidade religiosa dos povos tradicionais.
Ao ser questionada se o Conic tem algum projeto social ou alternativo referente a esse tipo de missão, Romi explica que o Conselho propriamente não tem, mas as igrejas do Conic sim. Na Igreja Católica Romana, por exemplo, existe o Conselho Indigenista Missionário [Cimi], e a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil tem o Conselho de Missão entre Povos Indígenas.
“Estas duas experiências oferecem exemplos de ação missionária respeitadoras da religiosidade e espiritualidade indígenas e, como Conselho Ecumênico, o Conic se identifica com a proposta desses dois organismos. Ambos os Conselhos [Comin e Cimi] partem da compreensão de que trabalham com os povos tradicionais e não pelos povos tradicionais. Isto é muito significativo” explica Romi.
“Isso significa apoiá-los em suas lutas por território, preservação da sua cultura, espiritualidades, etc. Tanto o Comin quanto o Cimi têm realizado trabalhos missionários muito interessantes, no sentido de denunciarem as violações sofridas pelos povos tradicionais. Isto é uma forma de fazer missão e evangelizar. A partir da fé em Jesus Cristo colocar-se junto com os povos tradicionais é o princípio da compaixão e da comunhão” completa a pastora.
Ao ser indagada sobre se o Conic é a favor das ações de evangelização dos povos indígenas, Romi esclarece que o Conselho é favorável. “Precisamos ser convertidos e convertidas pela cultura do bem-viver indígena. A nossa lógica da expansão capitalista a todo o custo não é coerente com o Evangelho. A espiritualidade indígena nos ensina a olhar para a essência do Evangelho” assinala.
Quando questionado sobre se o trabalho de evangelização interfere nas crenças e nos costumes dos povos indígenas, o pastor Valdir Soares esclarece que o acesso à educação abre portas para novos horizontes. Ao serem alfabetizados, ampliam-se as oportunidades de trabalho e estudo, de modo que muitos passam a ter acesso à universidade.
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