RO – Organização Indígena Padereéhj quer informações sobre cumprimento dos direitos do adolescente Oro Waram assassinado

Nota: Francelio Vargas Oro Waram, de 17 anos, foi encontrado morto no dia 18 de outubro de 2015, no município de Ji-Paraná. O adolescente do Poro Oro Waram havia deixado a Aldeia Igarapé, Terra Indígena Lage Velho, no município de Guajará-Mirim, para estudar no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia, em Ji-Paraná. (TP).

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Ji-Paraná, 21 de outubro de 2015.

Da: Organização Indígena Padereéhj
Para: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (RO) – IFRO – Campus de Ji-Paraná
C/C: Ministério Público Federal – Ji-Paraná

 

Considerando o grave assassinato do adolescente indígena Francelio Vargas Oro Waram ocorrido no dia 18 de outubro de 2015 em Ji-Paraná,  fato que abalou profundamente o Povo Oro Waram da Terra Indígena Lage Velho, Aldeia Igarapé,  de Guajará-Mirim e os demais povos indígenas do estado de Rondônia;

Considerando que o referido estudante era matriculado nesta instituição de ensino no Curso Técnico Integrado em Informática, 1º ano, Campus de Ji-Paraná – turma 18;

Considerando que os Povos Indígenas constituem um dos setores sociais que mais tem exigido do Estado brasileiro políticas públicas de ações afirmativas com o intuito de combater a exclusão e a desigualdade social a qual historicamente foram submetidos, questão reafirmada na 1ª Conferencia de Política Indigenista, etapa local e regional ocorrida recentemente em Rondônia, com base na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Constituição Federal de 1988;

Considerando mais recentemente o estabelecido na Lei nº 12.711/2012, que trata do ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, conhecida como Lei das Cotas,  regulamentada por legislações posteriores como o Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012, a Portaria Normativa nº 18, de 11 de outubro de 2012, além do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), via Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010;

Considerando que ao longo do processo de construção desta política os Povos Indígenas sempre evidenciaram preocupações de que o acesso a elas deveria levar em conta suas especificidades tendo em vista suas diferentes línguas, cosmologias, políticas e culturas, conforme assegura a Constituição Federal. Vale salientar que esse debate foi realizado em Rondônia em 2010 no I Fórum de Políticas Públicas de Ações Afirmativas sob iniciativa da Universidade Federal de Rondônia – UNIR, nos Fóruns do Núcleo de Educação Escolar Indígena de Rondônia – NEIRO, na Organização de Professores Indígenas do Estado de Rondônia e Noroeste do Mato Grosso – OPIRON e nesta Padereehj;

Considerando que  o acesso ao ensino médio e tecnológico por estudantes indígenas além de ser um direito, é algo importante para toda a sociedade uma vez que os povos indígenas cuidam de uma parte significativa das terras do Brasil e nelas se encontram diferentes línguas, concepções e culturas que representam um patrimônio de todo o país;

Considerando que a formação de indígenas em nível médio e profissional possibilita o exercício da vivencia intercultural entre estudantes indígenas e não indígenas, confirmando uma das marcantes feições da sociedade brasileira;

Considerando a importância de que é preciso ainda efetivar atividades e medidas institucionais de combate ao preconceito e à discriminação de cunho étnico nas instituições educacionais;

Considerando que em se tratando de povos indígenas os direitos coletivos tem mais valor que os direitos individuais, o que significa afirmar que as vagas reservadas pelas instituições são dos povos, tem caráter de coletividade;

Considerando que o estudante indígena enfrenta uma série de desafios no espaço escolar urbano,  o que nos leva a pensar que é preciso implantar mecanismos de acompanhamento permanente no âmbito de todo o processo de cotas com vistas ao trinômio: acesso, permanência e sucesso na escola;

Considerando que é preciso materializar propostas de nivelamento para os estudantes indígenas iniciantes de modo a assegurar sua adaptação a este contexto, considerando-a como estratégia de permanência e combate à evasão, que pode acontecer haja vista a saudade dos parentes, o enfrentamento diário do modo de vida urbana e outras questões;

Considerando que é preciso que o IFRO e demais instituições educacionais enxerguem que há uma complexa transição que ocorre por ocasião do ingresso do estudante indígena na escola urbana, principalmente no caso de adolescentes, pois partem de uma experiência de educação específica no âmbito da aldeia para uma outra bem diferente na cidade;

Considerando que é preciso desenvolver medidas  que articulem as atividades da escola com as suas comunidades de origem, tais como participação em projetos ou programas com bolsas específicas para este fim, com vistas ao fortalecimento da identidade étnica, bem como reorganização curricular que inclua elementos do universo indígena para todos os estudantes, dentre outras questões, solicitamos:

Que esta instituição nos apresente um relatório detalhado evidenciando, na perspectiva colocada acima:

–  como era o tratamento pedagógico  dispensado ao estudante Francelio Vargas Oro Waram;

– que política diferenciada efetivamente o beneficiou considerando que era oriundo de uma cultura tão específica;

– que tipos de auxilio assistencial (PNAES) teve acesso;

– se há alojamento ou moradia estudantil neste IFRO;

-se houve algum reordenamento curricular na instituição no sentido de incluir a temática indígena de forma mais aprofundada tendo em vista a presença indígena de Oro Waram e Arara em suas dependências;

– como acontecia a relação família e IFRO tendo em vista as especificidades da situação e sua condição de adolescente, alvo de cuidados permanentes conforme preconiza o ECA;

– que problemas ou dificuldades foram detectadas da parte do IFRO e da parte indígena e que providencias foram tomadas;

– que mecanismos de acompanhamento era feito com vistas a permanência com sucesso na escola;

– que ações de nivelamento didático foram materializadas com vistas à adaptação ao espaço acadêmico deste estudante;

A solicitação ora encaminhada fundamenta-se na necessidade que temos enquanto movimento indígena de avaliar melhor o que aconteceu e de como podemos daqui pra frente propor ajustes nas políticas que nos afetam (Convenção 169), a fim de que futuros estudantes indígenas em instituições educacionais de Rondônia, não tenham tratamento de suposta “igualdade” quando a situação requeria um cuidado diferenciado, pois concordamos com as afirmações do sociólogo Boaventura Souza Santos de que:

“Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.

Atenciosamente

Delson Gavião

Coordenador

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