Declaração de Eliseu Lopes – Povo Guarani-Kaiowá
Meu nome é Eliseu Lopes. Sou membro do Conselho da Aty Guassu, Grande Assembleia do Povo Guarani-Kaiowá e do Conselho Continental Da Nação Guarani (CCNAGUA). Agradecido pela audiência, início minha fala fazendo memória e homenageando o líder Simeão Vilhalva, assassinado no último dia 29 de agosto, no Tekohá Nhanderú Marangatu.
Senhores e senhoras comissionadas. Denuncio a vocês que meu povo, Guarani e Kaiowá, está sofrendo processo de genocídio no Brasil. Somos mais de 45 mil pessoas e ocupamos apenas 35 mil hectares de nosso território sagrado. O espaço de terra ocupado é insuficiente para a sobrevivência física e cultural de nosso povo. Pela falta de perspectiva de futuro, pelos conflitos decorrentes da insuficiência de terra e da luta pela mesma, nos últimos 15 anos, ao menos 707 pessoas provocaram a própria morte, enquanto que, nos últimos 12 anos, 390 Guarani e Kaiowá foram assassinados no estado do Mato Grosso do Sul.
A demarcação de nossas terras continua paralisada por parte do Estado brasileiro. Fazendeiros estão atacando nossas comunidades por meio de milícias fortemente armadas. Foi num desses ataques paramilitares comandados por fazendeiros que nosso líder Simeão foi assassinado covardemente com um tiro no rosto, enquanto procurava o próprio filho de 04 anos. Além disso, como resultado desses ataques, dezenas de nossas crianças, mulheres, idosos e lideranças foram agredidas, baleadas, torturadas, dois jovens continuam desaparecidos e comunidades inteiras foram despejadas violenta e extrajudicialmente de nossos Tekohá. Nós Guarani-Kaiowá não temos ainda do governo uma decisão de resolver definitivamente, de uma vez por todas, a Demarcação de nossas Terras para nossa sobrevivência enquanto povo e a vivência do nosso “bem Viver´´.
Imploramos apoio dos senhores comissionados a fim de que o Estado brasileiro reconheça e demarque nossas terras e, assim, possamos superar esta situação profundamente triste que vivemos.
Washington, 20 de outubro de 2015.
Eliseu Lopes Guarani Kaiowá
Conselho da Aty Guassu
Conselho Continental da Nação Guarani (CCNAGUA).
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Declaração de Lindomar Ferreira – Povo Terena
Meu nome é Lindomar Terena. Sou membro do Conselho do Povo Terena e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Agradecido pela concessão desta audiência, informo ainda que a opção política do governo brasileiro se manifesta também por meio do incentivo à expansão do agronegócio no país. Incentivo esse que se concretiza, dentre outras iniciativas, pela disponibilização, a juros subsidiados, de 187 bilhões de Reais para o setor, somente no plano safra 2014/2015. Esta expansão do agronegócio, em muitos casos, ocorre exatamente sobre nossos territórios tradicionais.
Preocupados, reforçamos a informação de que, nos últimos meses, fazendeiros estão organizando e comandando milícias armadas e praticando ataques contra comunidades indígenas em várias regiões do país. A situação mais grave ocorre com os Guarani-Kaiowá contra os quais foram praticados ao menos 15 ataques paramilitares nos últimos dois meses. Há registros também contra outros povos, como por exemplo, os Pataxó, no estado da Bahia, e povos do estado do Maranhão, que veem suas terras sendo devastadas e queimadas pela ação criminosa de madeireiros. Não observamos iniciativas concretas do governo brasileiro para identificar e punir os responsáveis pela organização e comando dessas milícias. Elas continuam atuando livremente.
No Mato Grosso do Sul, nossos territórios continuam sendo exaustivamente explorados com a criação de gado e plantações de soja e cana-de-açúcar, cujos produtos destinam-se fundamentalmente à exportação. Como medida para superação deste quadro lastimável, iniciamos e pedimos o apoio à campanha pelo boicote à importação de produtos agrícolas oriundos do estado do Mato Grosso do Sul. A carne, a soja, o açúcar, o álcool combustível produzidos no Mato Grosso do Sul estão manchados com sangue indígena. Não compre, não consuma.
Washington, 20 de outubro de 2015.
Lindomar Terena
Conselho do Povo Terena
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
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Recomendações dos Povos Indígenas:
– Que o governo brasileiro dê seguimento regular aos procedimentos de demarcação das terras indígenas e atue na fiscalização e proteção dos territórios demarcados.
– Que o Congresso Nacional rejeite as proposições legislativas que atentam contra os direitos fundamentais dos povos indígenas.
– Que o Supremo Tribunal Federal (STF) reveja as decisões que anularam atos administrativos de demarcação de terras indígenas.
– Que a impunidade dos agressores dos povos indígenas seja superada pelo Estado brasileiro.
– Que o governo brasileiro fortaleça o órgão indigenista e o Programa de Defensores de Direitos Humanos a fim de que sejam efetivos na proteção e promoção do direito de lideranças e comunidades indígenas no Brasil.
– Que os acordos comerciais de empresas multinacionais, de importação e de bancos de investimentos relativos ao estado do Mato Grosso do Sul sejam condicionados à demarcação e devolução das terras tradicionais aos respectivos povos indígenas naquele estado.
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Declaração de Cleber César Buzatto, Secretário Executivo do Cimi – Conselho Indigenista Missionário
Meu nome é Cleber Buzatto, sou Secretário Executivo do Cimi, Conselho Indigenista Missionário, em nome de quem agradeço a oportunidade desta audiência. Em memória a três crianças do povo Kaingang mortas por atropelamento nesta segunda-feira, 19, informo que os povos indígenas estão sendo atacados sistematicamente e sofrem intenso processo de violências e violações no Brasil.
O Poder Executivo tem responsabilidade direta nesse processo, pois não dá seguimento regular aos procedimentos de demarcação das terras indígenas, é omisso quanto à proteção das terras demarcadas e negligencia quanto ao atendimento à saúde dos povos. Além disso, com número de pessoal e orçamento muito reduzidos, a Funai não responde adequadamente suas responsabilidades institucionais. A Polícia Federal é ágil para promover reintegrações de posse, como as que estão agendadas para esta semana contra comunidades do povo Guarani-Kaiowá, porém não investiga e não identifica os autores de crimes cometidos contra lideranças indígenas. A impunidade retroalimenta a violência contra os povos.
No Congresso Nacional, parlamentares representantes de interesses financeiros de grandes corporações empresarias, muitas delas multinacionais do agronegócio, da mineração, de infraestrutura, atuam para aprovar proposições legislativas que atentam contra os direitos fundamentais dos povos originários. É o caso, por exemplo, da Proposta de Emenda Constitucional 215/2000, em votação nesta terça-feira, 20, e do Projeto de Lei 1610/96, dentre outros. Parlamentares ruralistas fazem discursos de incitação ao ódio e à violência contra os povos em várias regiões do país.
No Judiciário, atos administrativos, inclusive procedimentos já finalizados de demarcação de terras indígenas são anulados com base numa reinterpretação extremamente restritiva quanto ao conceito de “terra tradicionalmente ocupada”. O fato, cuja origem remete a decisões da 2ª. Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), generaliza a instabilidade jurídica das terras indígenas, o que potencializa a preocupação e a angústia dos povos e seus aliados do país.
Com tudo isso, em 2014, os assassinatos de lideranças indígenas aumentaram para 138, os óbitos por lesões autoprovocadas subiram para 135, as mortes na infância alcançaram 785 crianças, a omissão e morosidade na demarcação de terras chegou a 108 situações e as invasões possessórias e exploração ilegal de recursos naturais nas terras indígenas chegaram a 84 casos. Estes e outros tipos de violência estão registrados no Relatório “Violências Contra os povos Indígenas no Brasil, dados de 2014” produzido pelo Cimi, que disponibilizamos, nesta audiência, aos senhores comissionados para conhecimento e providências cabíveis.
Washington, 20 de outubro de 2015.
Cleber César Buzatto
Secretário Executivo do Cimi
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Imagens: Cimi.