O uso da força, desde que não inclua violência a outra pessoa, pode ser um instrumento político poderoso.
É claro que devido à sua natureza, se utilizado, deve ser apenas em circunstâncias extremas, pois tende a ser uma faca de dois gumes. Pode contribuir para alcançar um objetivo, mas também gerar impactos negativos sobre a imagem de determinado grupo junto à sociedade.
Mas é uma alternativa, muitas vezes desesperada, diante da incapacidade do poder público de agir. Ou, pior, quando o Estado é ele próprio agente de desrespeito aos mais fundamentais direitos.
O diálogo e as vias legais devem ser a primeira opção e, se possível, a única. Mas nem sempre o outro lado, hegemônico, está disposto a negociar – principalmente se isso significar perda de regalias (note-se que não falei de perda de direitos, mas sim de regalias).
Muitos diálogos terminam em muros intransponíveis pelas vias legais. E, vale a pena lembrar, muitas das leis que impõe desigualdades foram implantadas pelas classe sociais mais abastadas da sociedade, através da ação de seus representantes políticos em parlamentos.
Desigualdades que, sobrepostas e reafirmadas ao longo do tempo através de instituições como igrejas, mídia, escolas, família, enfim, os instrumentos à mão, transformam exploração em tradição. O explorado esquece a razão da exploração e acaba aceitando-a, mais ou menos na linha do “Deus quis assim” ou “a vida é assim mesmo”.
Jovens insatisfeitos com a péssima política pública educacional vão para a rua protestar e são chamados de vândalos. A polícia brasileira mata um trabalhador rural, que procurava terra para plantar, e os sem-terra é que são vândalos. A Justiça despeja centenas de famílias humildes de um terreno em São Paulo, que procuravam um lar, e os sem-teto é que são vândalos. Jovens ricos criam bandos para espancar e matar e moradores de rua e a população em situação de rua, que procura simplesmente existir, é que é vândala. Grandes obras de engenharia superexploram trabalhadores em nome do progresso, usando até trabalho escravo, e quando operários, que procuram o mínimo para ter dignidade, se cansam de tudo e resolvem cruzar os braços são chamados de vândalos. Fazendeiros invadem terras indígenas no Mato Grosso do Sul e prometem bala para quem cruzar a cerca e os indígenas que moravam ali, e procuram ser eles mesmos, é que são vândalos.
Uma ocupação por sem-terras de uma fazenda improdutiva, que desmate ilegalmente ou que use escravos, uma tomada por sem-tetos de um prédio mantido fechado por especulação imobiliária, a reconquista de uma terra indígena utilizada ilegalmente por uma fazenda de cana, a resistência à expulsão de comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas, que sairiam para dar lugar ao “progresso” e ao “desenvolvimento”, são ações necessárias para fazer valer o direito à vida de muitas populações.
Nesse ponto, ações usando a força devem ser consideradas como legítima defesa e não como violência gratuita.
Muitas vozes se levantam para reclamar da “violência” resultante de ações populares, mas se calam diante de massacres, chacinas e genocídios que ocorrem diariamente. Afinal de contas, são ações necessárias contra povos bárbaros que usam facões e foices, armas de destruição em massa contra o nosso estilo de vida.
Ou contra jovens que resolveram, de uma hora para outra, questionar o que eles seriam muito novos para entender – como ordem, hierarquia e tradição.
Valores de uma civilização representada por fuzis, colheitadeiras, motosserras, terno e paletó que, mais cedo ou mais tarde, vai ter que mudar.
Ou não vai sobrar muito para os “vencedores” se lambuzarem.