Ao Excelentíssimo Senhor
Dr. Marcus Vinicius Furtado Coelho
Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
SAUS Quadra 5 Lote 1 Bloco M, 70070-939, Brasília, DF
Senhor Presidente,
Tivemos notícia, recentemente, de que está em curso na Ordem dos Advogados do Brasil – seccional de Mato Grosso do Sul (OAB/MS) um procedimento disciplinar instaurado contra Luiz Henrique Eloy Amado, advogado Terena, mestre em Desenvolvimento Local e doutorando junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS/MN/UFRJ).
A tentativa de impedir a atuação profissional de Eloy inscreve-se em um quadro mais amplo de sistemática violação dos direitos indígenas em Mato Grosso do Sul, que visa garantir a apropriação privada de territórios tradicionalmente ocupados. Nos últimos anos, Eloy tem se dedicado, sobretudo, à defesa dos direitos territoriais dos povos Terena, Guarani, Kaiowá, Kinikinau e Kadiwéu, atuando tanto em processos concernentes à demarcação de terras indígenas como na defesa de lideranças indígenas alvos de processos de criminalização; além disso, tem realizado oficinas de direito em comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul.
Em 2013, representando o Conselho Terena e o Conselho Aty Guasu, Eloy impetrou mandado de segurança contra o “Leilão da Resistência”. Organizado pela Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul) e pela Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), e apoiado pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o leilão tinha por objetivo angariar fundos para a contratação de seguranças privados, visando a constituição de milícias para atuação em áreas indígenas disputadas por pretensos proprietários não indígenas. A atuação de Eloy nesse caso atraiu a atenção dos latifundiários e de seus apoiadores.
Note-se que o procedimento disciplinar em curso não é a primeira investida ruralista contra Eloy. Em 2014, fazendeiros ligados à Acrissul e à Famasul ingressaram com pedido junto à Justiça Federal em Campo Grande, com o objetivo de suspender a realização de sua banca de defesa de mestrado. Como não tiveram seu pleito aceito pela justiça, tais organizações passaram a questionar a identidade étnica de Eloy – mobilizando estereótipos e argumentos discriminatórios – e a incidir junto à OAB/MS, na tentativa de inviabilizar sua atuação profissional. Ainda em 2014, a Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócios da OAB/MS apresentou um primeiro pedido de cassação do registro de Eloy, sob alegação de que ele teria violado o Código de Ética e Disciplina da entidade e o Estatuto da Advocacia.
Cumpre notar que a vice-presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócios da OAB/MS é Luana Ruiz Silva, advogada que tem atuado juridicamente contra os direitos indígenas e incitado publicamente a violência contra os indígenas mobilizados na recuperação de seus territórios. Sua mãe, Roseli Maria Ruiz Silva, preside o Sindicato Rural do município de Antônio João, que, em agosto último, esteve à frente do ataque à comunidade Ñande Ru Marangatu, ocasião em que Simião Vilhalva, indígena Guarani Kaiowá, foi assassinado a tiros.
O procedimento disciplinar corre em sigilo. De acordo com notícias veiculadas pela imprensa, ele não apresenta elementos que possam, de fato, colocar em questão a conduta ética de Eloy; ampara-se, por exemplo, em trechos de publicações em redes sociais nas quais o advogado expressa apoio ao movimento indígena, como se isso representasse um impedimento a sua atuação profissional.
Em face desses acontecimentos, nós, mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos do PPGAS/MN/UFRJ, manifestamos apoio à corajosa e competente atuação de nosso colega Luiz Henrique Eloy Amado em defesa dos direitos indígenas e repudiamos veementemente os ataques contra ele perpetrados. Como se sabe, o contexto fundiário de Mato Grosso do Sul é dramático, marcado por extrema violência contra os povos indígenas que ali habitam e por reiterado descumprimento da Constituição Federal e dos acordos e tratados internacionais de que o Brasil é signatário. Entendemos que essa tentativa de silenciamento busca perpetuar as violações em curso e precisa, portando, ser prontamente rechaçada.
Atenciosamente,
Estudantes do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Enviada por Daniela Alarcon para lista superiorindigena.
Apoio a Luiz Henrique Eloy Amado