Carta do 1º Encontro de Lideranças de Comunidades Quilombolas do Território de Identidade do Recôncavo

Nós, das comunidades quilombolas do Território de Identidade do Recôncavo Baiano, aqui reunidos no 1º Encontro de Lideranças deste território, viemos através deste documento fazer saber a todos os poderes públicos que nós existimos e resistimos na mesma luta travada por nossos ancestrais, na busca por reconhecimento e garantia dos nossos direitos. A necessidade de uma maior articulação para a construção do Plano de Desenvolvimento das Comunidades Quilombolas do Território de Identidade do Recôncavo nos impulsionou a realizar este Encontro, que faz parte do calendário do 7º Evento “Festa da Ostra” realizado nos dias 2, 3, e 4 de outubro de 2015.

As comunidades quilombolas do Território de Identidade do Recôncavo Baiano estão localizadas no entorno da Baía de Todos os Santos e na Reserva Extrativista Marinha Baía do Iguape, distribuídas entre os município de Cachoeira, São Felix, Maragojipe, Santo Amaro e Cruz das Almas, nas comunidades Kaonge, Kalembá, Kaimbongo Velho, Kalolé, Dendê, Imbiara, Engenho da Ponte, Engenho da Praia, Engenho da Vitória, Tombo, Engenho Novo, Engenho da Cruz, Brejo da Guaiba, Engenho São João, Porto da Pedra, Giral Grande, Tabatinga, Guaruçú, Guerém, Engenho São João, Baixa da Linha, Vila Guaxinim, Santiago do Iguape, São Francisco do Paraguaçu, Tabuleiro da Vitória, Santo Antônio Vidal, Acupe de Santo Amaro.

Essas comunidades ocupam a região há vários séculos e foram formadas por negros escravizados fugidos e libertados das fazendas e engenhos, constituindo um território quilombola. São comunidades que vivem em harmonia com a natureza e valorizam as suas tradições culturais ancestrais (religiosas, organizativas e produtivas) e praticam atividades culturais, de educação, saúde, protagonismo de raça e cidadania e participação nas políticas públicas. Praticam a economia solidária e a sustentabilidade e estão engajadas no movimento da economia solidária. Estão organizadas no Conselho Quilombola da Bacia e Vale do Iguape e em associações locais onde tomam decisões coletivas sobre as questões do cotidiano e do desenvolvimento com sustentabilidade.

As comunidades precisam de investimentos públicos e de outros apoios para incrementarem seu desenvolvimento, superando a situação histórica de abandono pelos poderes públicos, e para que tenham sua produção protegida da poluição e dos impactos de grandes investimentos nas vizinhanças que ameaçam o equilíbrio ambiental e social da comunidade. Constituem organizações que produzem sem uso de agrotóxicos e de forma natural: sobrevivem da agricultura e da pesca artesanal. Todas as técnicas produtivas respeitam o meio ambiente e a cultura e são feitas de forma manual, artesanal e solidária. Todos os produtos têm importância econômica, social e ambiental para a comunidade, onde todos ganham com as ações que são imprescindíveis para a manutenção do território e das práticas ancestrais.

É importante enfatizar que os direitos quilombolas estão assegurados pela Constituição Federal, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e pelo Decreto Federal n. 4.887/2003. No caso das comunidades do Recôncavo, todas já se encontram certificadas pela Fundação Palmares, mas, apesar dessa garantia de reconhecimento, ainda vivem em situação de acentuada vulnerabilidade.

As lideranças reunidas no 1° Encontro realizado pelo Conselho Quilombola da Bacia e Vale do Iguape e o Centro de Educação e Cultura Vale do Iguape, das Comunidades Quilombolas do Recôncavo, no dia 02 de outubro de 2015, apresentam as seguintes reivindicações aos poderes públicos das esferas municipais, estadual e federal.

DEMANDAS GERAIS

Regularização e Titulação das Terras Quilombolas:

1 – Realização de laudos antropológicos necessários (devem ser escritos em linguagem acessível e disponibilizado para o conhecimento das comunidades);

2 – Divulgação e disponibilização dos laudos já concluídos, assim como a conclusão dos que se encontram em andamento;

3 – Conclusão, publicação dos RTIDs e titulação das terras;

4 – Garantir a realização de exames de saúde (mamografia, tomografia, ultrassonografia, teste e tratamento de anemia falciforme e doença de chagas, exames ginecológicos com profissionais com profissionais especializados, exame de próstata etc.)

5 – Programa Minha Casa Minha Vida – (PNHR) inserção e conclusão;

MUNICÍPIO DE CACHOEIRA

Competência Municipal:

1 – Aumentar o número de médicos e outros profissionais de saúde, assim como a Estratégia de Saúde Família-ESF;

2 – Melhorar o hospital de Cachoeira e unidades de saúde quilombolas da bacia do Iguape; 3 – Aumentar a frota de ambulâncias e motoristas; expansão do atendimento pelo SAMU;

4 – Melhorar o suprimento e distribuição de medicamentos de uso contínuo (diabetes, hipertensão) e de antinflamatórios e antibióticos.

5 – Fortalecimento da educação quilombola, com professores capacitados e conhecedores da identidade e dos valores na área de atuação;

6 – Garantir e fiscalizar a aplicação da Lei 10.639/2003 que obriga a inclusão do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas quilombolas;

7 – Garantir e fiscalizar o suprimento da merenda escolar em todas as escolas quilombolas de ensino fundamental, com uso de alimentos provenientes da produção da comunidade;

8 – Garantir o transporte escolar em veículos adequados e exclusivos para os estudantes quilombolas;

9 – Reestabelecer e melhora da oferta e qualidade do TOPA e EJA;

10 – Fortalecer a agricultura familiar para atender 30% das demandas da merenda escolar;

11- Oferecer capacitação profissional de mecânicos, eletricistas, motoristas, operadores de embarcações e detentores de experiências e saberes tradicionais.

12 – Melhoramento das estradas das vias vicinais, com manutenção continuada;

13 – Promover e garantir a segurança dos cidadãos nas áreas quilombolas e seus arredores;

Competência Municipal e Estadual:

1 – Garantir planejamento, regulação e dotação de infraestrutura urbana adequada para atender as necessidades das comunidades (piers e portos, pavimentação de ruas compatível com as demandas, espaços de lazer sociabilidade e atividade física);

2 – Redimensionamento da rede elétrica para comportar uso de energia bifásica e trifásica de qualidade;

3 – Implantação e distribuição de equipamentos para prover de internet nas comunidades quilombolas;

Competência Estadual e Federal:

1 – Garantir a melhora da oferta qualidade do ensino médio;

2 – Garantir e formas diferenciadas de acesso a ensino universitário, por meio e mecanismos tais como Colégios Universitários-CUNI, a exemplo do que ocorre na Universidade do Federal do Sul a Bahia-UFSB;

3 – Capacitação na área de pesca artesanal e mariscagem, com a finalidade de garantir a qualidade e comercialização dos produtos;

4 – Capacitação profissional de mecânicos, eletricistas, motoristas, operadores de embarcações e detentores de experiências e saberes tradicionais.

Competência Municipal, Estadual e Federal:

1 – Oferecer cursos de elaboração gestão de projetos para poderes concorrer a editais com vistas a atender às necessidades comunitárias;

2 – Garantir Editais exclusivo para comunidades quilombolas;

3 – Apoiar projetos de viveiros de plantas medicinais e nativas no padrão de certificação para as comunidades;

4 – Fomentar e apoiar projetos para o fortalecimento da agricultura familiar nas comunidades quilombolas (máquina e equipamentos para processamento de alimentos, tratores e implementos agrícolas);

5 – Melhorar o fornecimento de informações sobre os recursos naturais na área, para garantir sua proteção e uso sustentável continuado;

6 – Realizar e disponibilizar estudo do potencial produtivo das comunidades e de mercados, para identificar quais produtos deverão ser fomentados pelas três esferas de governo e empreses privadas;

7 – Incentivar a formação de cooperativas para fortalecimento do trabalho e geração de renda. 8 – Participação das comunidades quilombolas nas discussões sobre implantação de grandes projetos que tenham potencial de afetar suas condições de vida e estabilidade social, tal como previsto no Estatuto da Igualdade Racial;

9 – Garantir a fiscalização dos órgãos responsáveis sobre as condições e potenciais impactos socioambientais sobre as comunidades quilombolas.

10 – Garantir o saneamento básico em todas comunidades quilombola (suprimento de água tratada, esgotamento sanitário, coleta de lixo (seletiva);

11 – Projetos de recuperação e disponibilização de acervos em memoriais construídos nos vestígios dos engenhos em comunidades quilombolas;

12 – Apoiar e valorizar, com disponibilização de bolsas de incentivo aos mestres de saberes das comunidades, a formação de jovens griô;

13 – Incentivos para identificação e registros dos saberes do uso das ervas medicinais;

14 – Incentivo e fortalecimento das manifestações culturais tradicionais existentes nas comunidades quilombolas.

15 – Garantir a comunicação e transparência sobre ações do governo (municipal, estadual e federal) no que se refere ao atendimento das demandas comunitárias (por meio de rádios comunitárias e participação comunitárias nas tomadas de decisão).

16 – Fomentar e apoiar projetos estruturantes em artesanato, turismo étnico de base comunitária, desenvolvimento de recursos audiovisuais, no sentido de fortalecer os núcleos já existentes e formações de novos núcleos;

17 – Fomentar e apoiar projetos para fortalecer as manifestações culturais e apoio as festas tradicionais das comunidades;

MUNICÍPIO DE MARAGOGIPE

Competência Municipal:

1 – Melhoria das Estradas vicinais das comunidades quilombolas e construção de píer nas comunidades que dependem também do transporte náutico;

2 – Revitalização dos Rios e seus Afluentes;

3 – Educação de jovens e adultos nas comunidades quilombolas;

4 – Utilização dos 50% dos Recursos Destinados a Saúde e Educação para as comunidades quilombolas;

5 – Implantação de escolas dentro dos quilombos;

6 – Iluminação pública;

7 – Implantação da cultura quilombola dentro das escolas (estadual e municipal); 8 – Coleta de lixo nas comunidades;

9 – Creche nas comunidades;

10 – Projetos de artesanato com valorização da cultura local; 11- Ampliação das escolas;

12 – Ampliação do transporte escolar;

13 – Construção de pontes;

14 – Implantação de rede de telefonia celular e telefones públicos nas comunidades; 15 – Centro comunitário;

16 – Promover educação ambiental dentro das comunidades;

17 – Ronda policial;

Competência Estadual:

1 – Sistema de abastecimento de água tratada e saneamento básico; 2 – Ampliação da rede de energia;

3 – Implantação da cultura quilombola dentro das escolas (Estadual e Municipal); 4 – Projetos de cultura;

Competência Federal:

1 – PNHR (Programa Nacional de Habitação Rural) nas comunidades;

2 – Fiscalização Ambiental (desmatamento, monocultura de eucalipto, extração ilegal de areia).

MUNICÍPIO DE SÃO FÉLIX

Competência Municipal:

1 – Reforma e ampliação do Posto de Saúde;

2 – Quadro de atendimento médico (semanal) correspondente de todas as áreas da saúde;

3 – Avanço no processo de implantação da farmácia básica no posto de saúde da comunidade 4 (já consta no projeto do Posto a implantação desta);

4 – Regularização das ações promovidas pelo programa de atividades física (aumento de carga horaria dos funcionários e acompanhamento de enfermeiro aos idosos);

5 – Resgate do projeto de reflorestamento das nascentes das fontes e das margens do rio Capivari, com base na revitalização do rio através de palestras de conscientização para a preservação deste.

Competência Estadual:

1 – Ação de agentes para coleta seletiva na comunidade, com aperfeiçoamento e conscientização dos moradores da localidade através de oficinas e palestras sobre preservação do meio ambiente;

2 – Finalização da construção da sede da Associação local;

3 – Acompanhamento e assistência de profissionais da área da agricultura para a i identificação e controle de pragas e doenças nas plantações e melhoria no uso do solo; (BAHIATER/SDR); 4 – Implantação/ prospecção de uma unidade de beneficiamento para escoação e aproveitamento das frutas da comunidade; (BAHIATER; CAR/SDR);

5 – Substituição do trator da associação por um trator novo traçado (CAR/SDR);

6 – Resgaste das manifestações culturais da comunidade como rezas, capoeira, samba de roda, oficinas de dança afro turbantes e tranças com transmissão através de conversas, oficinas e palestras;

7 – Luz para todos (SEPROMI; SEINFRA).

Competência Municipal e Estadual:

1 – Acompanhamento da secretaria de infraestrutura da cidade para mapear e restaurar a ponte e calçamento das estradas vicinais da comunidade (CAR);

2 – Placas informativas com nome da comunidade e da preservação do rio Capivari (TAMBÉM INEMA);

3 – Recuperação do campo de futebol;

4 – Implantação de um centro de inclusão digital;

5 – Transporte que preste serviços à comunidade;

6 – Criação de seção eleitoral na comunidade de Santo Antônio; 7 – Internet pública;

8 – Resgaste das manifestações culturais da comunidade como rezas, capoeira, samba de roda, oficinas de dança afro turbantes e tranças com transmissão através de conversas, oficinas e palestras nas comunidades e nas escolas (CCPI-SECULT);

9 – Oficina de conscientização e preservação dos patrimônios históricos assim como preservação e recursos para as casas de candomblé (SECULT – CCPI; IPAC-SECULT; IPHAN-MINC);

10 – Promover cursos pré-vestibular com professores especializados.

Competência Federal:

1 – Luz para todos (SEPPIR).

MUNICÍPIO DE SANTO AMARO

Competência Municipal:

1 – Ampliação do Programa ESF e reabertura do Posto de ESF fechado: com uma população de 13 a 14 mil habitantes, a comunidade conta somente com um posto de ESF. Já houve dois postos, mas um deles se encontra fechado;

2 – Pavimentação das ruas da comunidade, pincipalmente nas áreas mais carentes; 3 – Saneamento básico;

4 – Construção de creche-escola;

5 – Melhoria da coleta de lixo: é necessário a aquisição de caixas coletoras para o descarte correto do lixo, que atualmente fica espalhado pelas ruas;

6 – Construção de área de lazer com equipamentos para jovens e adultos e com quadra poliesportiva;

7 – Melhoria da segurança pública através do aumento do contingente da guarda municipal; 8 – Contrapartida da prefeitura para a construção da sede para a Associação;

9 – Contrapartida financeira e de infraestrutura da prefeitura para o fomento das atividades culturais de Acupe, além de inclusão dessas atividades no calendário festivo do município: Festa do “Nego Fugido”; “As Caretas de Acupe”; “A burrinha da saudade”; grupos de capoeira e de dança, grupo “Bombacho”, “Maculelê, Mandu, samba de roda mirim e de adulto; “puxada de rede”, teatro, corrida de canoa; “Feira do Porto”; “presente de Iemanjá”; lavagem da porca; cavalgada; corrida de jegue; bumba meu boi; terno de Reis, Festa de São João e de São Pedro; corrida de saco; quebra-pote; pau de sebo; queimada de judas; campeonatos de dominó e de futebol e atividades culturais ligadas a grupos religiosos.

Competência Estadual:

1 – Melhoria das condições de atendimento do Hospital recém construído em Acupe, pois atualmente faltam equipamentos, médicos (não há especialistas), remédios e ambulância.

2 – Atualmente esse hospital funciona como um posto de saúde;

3 – Melhorias na segurança pública, com policiamento permanente no posto policial; 4 – BAHIAPESCA: Kit para marisqueiras, embarcações e redes para pescadores;

5 – CAR: trator com traçado e caçamba.

Competência Federal:

1 – PNHR (Programa Nacional de Habitação Rural): construção de casas de alvenaria para substituição das casas de taipa que existem nas localidades do Alto do Cruzeiro; Beira-Rio, Prainha e Loteamento Sete de Dezembro.

Assinam:

Fonte: lista do CEDEFES.

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