Foram mais de 24h de protesto em frente à Sede do Tribunal de Justiça do Maranhão, no qual comunidades quilombolas do Charco, no município de São Vicente de Ferrer, e comunidades também de municípios como Serrano, Bequimão e Palmeirândia, todos no Maranhão, apontaram a parcialidade da principal corte do estado: para eles, a decisão da Terceira Câmara Criminal do TJ legitima a violência no campo, e é um estímulo para que prossigam os assassinatos de camponeses, quilombolas e indígenas. De 1985 a 2014, foram 144 mortes nesses conflitos. Apenas nos últimos cinco anos (2010 a este 2015), já foram 26 assassinatos cometidos por fazendeiros e latifundiários, nunca punidos.
A decisão da Terceira Câmara, caso que levou os quilombolas a acamparem à frente do Tribunal de Justiça, dada pelos três desembargadores membros desse órgão, evitou que os fazendeiros acusados de serem os mandantes do assassinato de Flaviano Pinto Neto, do Quilombo do Charco, fossem a júri popular, como iriam se levadas em consideração as provas levantadas durante as investigações (ignoradas por decisão dos desembargadores), e se mantida a decisão da primeira instância.
Como lembrado durante os processos de resistência das populações atacadas pelos poderosos, mataram Flaviano, mas ele era semente e, segundo os participantes da manifestação, deu frutos, que são eles próprios, que continuam sua luta e denunciam a impunidade.
Os quilombolas chegaram na madrugada da quarta-feira, 7, e permaneceram até por volta do meio-dia desta quinta. Durante esse tempo, protestaram com tambores à frente do Tribunal, reuniram apoiadores numa vigília na noite da quarta-feira, e distribuíram carta à população, na qual são contundentes: “A decisão dos desembargadores José de Ribamar Froz Sobrinho, José Bernardo Silva Rodrigues e Tyrone José Silva, membros da 3º Câmara Criminal, dá voz à impunidade, velha e maldita bandeira deste país do latifúndio que aos camponeses reservou apenas uma ‘cova… para sua carne pouca'”.
Como dito, e escrito na Carta (que está nas imagens), “Flaviano foi plantado como SEMENTE, que germinou e se tornou árvore frondosa”. Entre esses frutos da resistência, o próprio reconhecimento e titulação do Quilombo do Charco, assinado por Dilma Rousseff após muita luta dos quilombolas, luta que ceifou a vida de seu líder e levou indígenas, quilombolas e camponeses a uma greve de fome de mais de uma semana, este ano. Enquanto algumas sementes e seus apoiadores ressoavam tambores em São Luís, maracás balançavam nas mãos negras, indígenas e calejadas de camponeses, que lutam juntos e, como na capital, também protestavam na cidade de Imperatriz, ocupando a sede local da Fundação Nacional do Índio, exigindo que os direitos indígenas fossem respeitados. A jornada dos povos do campo e comunidades tradicionais têm, muitas vezes, sido a mesma, na qual cantos, danças, brados e rezas se misturam, todos entendendo a língua e a luta do outro, luta que, ao final, é sua própria, por (r)existência. E essa unidade não conhece fronteiras, como demonstra a luta em todo o país contra a PEC 215, que ataca os direitos indígenas e de comunidades tradicionais e desrespeita a Constituição (se aprovada, a Emenda – na verdade uma rasura – implicará no fim do reconhecimento e titulação dos territórios, como requer a bancada ruralista do agronegócio no Congresso Nacional).
Durante os cantos e tambores que precederam uma sessão de cinema sobre a violência no campo às portas do Tribunal de Justiça e demais palácios dos poderes no Maranhão na noite desta quarta-feira, uma cruz, símbolo do martírio, foi colocada em frente ao Tribunal, com velas aos seus pés e tambores à sua volta. Vários apoiadores da causa dos povos do Maranhão foram até o acampamento quilombola demonstrar solidariedade enquanto recebiam uma lição de luta e resistência.
Resistência essa que é a expressão de consciências que são sabedoras de seus direitos, como demonstrado durante a montagem do acampamento em frente ao TJ: ao erguer a tenda, os quilombolas foram avisados que aquela rua deveria ser desocupada por ser local do estacionamento exclusivo de membros do Tribunal. A cena – e a exigência – se repetiu na manhã desta quinta-feira. Em ambas a resposta foi a mesma: o mesmo direito que eles têm de ocupar essa rua com seus carros, nos também temos de ficar aqui. E é aqui que vamos ficar.
E ficaram, até deixar claro o motivo do protesto: a denúncia contra uma decisão que sabem ser injusta. Dessa vez, com a movimentação em torno da eleição para novo presidente do Tribunal, a denúncia com certeza foi ouvida a quem ela era endereçada. Entregue em forma de cartazes, de tambores, de cantos de protesto. A resistência de sementes plantadas que seguem a germinar, pois a luta conjunta dos povos, seja no campo, seja na periferia, prossegue.
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Imagens: Reprodução de Vias de Fato.