Por Raquel Rolnik, No Blog Habitat do portal Yahoo!
Foi com entusiasmo que o mundo acompanhou pela TV, em 1989, a derrubada do muro de Berlim, que durante muito tempo separou a Alemanha Oriental, socialista, da Ocidental, capitalista, convertendo-se em ícone da Guerra Fria. O fim daquela barreira – que ficou conhecida como muro da vergonha – sinalizou para muita gente a chegada de uma era sem muros. De lá pra cá, porém, sem nenhum pudor, mais e mais muros vêm sendo erguidos, mais altos, mais sólidos, e mais conectados em equipamentos e estruturas de vigilância…
Há poucos meses, em meio à crise de imigração vivida hoje pela Europa, vimos o governo da Hungria anunciar a construção de um muro para isolar seus mais de 170 km de fronteira com a Sérvia, por onde entram milhares de imigrantes provenientes principalmente do Oriente Médio e dos Bálcãs. A Bulgária também adotou em tempos recentes a mesma política, construindo uma muralha em sua fronteira com a Turquia. Até mesmo a Grécia, afundada pela crise econômica, em 2012 gastou milhões de euros para construir um muro em sua fronteira com a Turquia.
Outro exemplo é o muro que Israel construiu em sua fronteira com a Cisjordânia para evitar a circulação de palestinos nesse território. Sempre se lembra também da fronteira entre EUA e México, onde um muro foi construído pelos norte-americanos para evitar a entrada de latino-americanos.
Todos esses casos envolvem questões com implicações étnicas, políticas, sociais e éticas. E mostram que a humanidade vem lidando muito mal com a resolução de conflitos: em vez de trabalhar a questão em sua complexidade e buscar soluções, a opção muitas vezes é, simplesmente, construir um muro para isolar problema. Como se fosse possível eliminá-lo, deixando-o do “lado de fora”. Essa política tem mostrado, no entanto, que os muros são, na verdade, formas típicas de não resolução de conflitos.
E quem pensa que isso só acontece em países com conflitos migratórios e políticos, engana-se. Por outras razões, aqui mesmo no Brasil temos exemplos fartos de como muros são construídos sob a falsa ideia da resolução de conflitos. O caso mais concreto é o produto imobiliário surgido nos anos 1990 frente à escalada da violência urbana: o condomínio fechado e murado, forjado na ideia de que é possível construir um paraíso exclusivo para poucos e deixar os conflitos do lado de fora. Alphaville, em Barueri, região metropolitana de São Paulo, é o exemplo máximo disso. Não a toa o jornal inglês The Guardian incluiu os muros desse condomínio entre os dez maiores do mundo.
Como cidadã de São Paulo, e do mundo, tenho vergonha deste e dos demais muros que mencionei. Eles demonstram nosso absoluto fracasso em lidar com a liberdade e o reconhecimento e respeito à heterogeneidade e diversidade que esta implica.
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Imagem: Fronteira entre EUA e México. Foto: James Reyes.