Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Gostaria de poder fazê-lo, mas não pretendo, em absoluto, ir além de uma mera contribuição para os debates que envolvem parte dos integrantes do Supremo Tribunal Federal e os povos indígenas do território hoje chamado Brasil. Para isso, resgato abaixo um pequeno fragmento do laudo antropológico e histórico de Ñande Ru Marangatu, “terra kaiowa na fronteira do Brasil com o Paraguai, município de Antônio João, Mato Grosso do Sul”, de autoria de Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira, elaborado em 2009.
Retirado das páginas 57 e 58, o trecho em questão ilustra parcialmente a resposta à pergunta “Existem elementos históricos sobre a ocupação e legitimidade da terra indígena Ñande Ru Marangatu?”. E deixa óbvios, até a náusea, os motivos que impediram grande parte dos povos indígenas de estarem deitados em berço esplêndido em seus territórios quando da promulgação da chamada Constituição Cidadã de 1988. Dizem os dois antropólogos, ao apresentá-lo:
“Um dos documentos mais importantes que os peritos levantaram foi produzido por um ex-vereador em Ponta Porã e em Antônio João, e ex-deputado estadual na época do antigo Mato Grosso, senhor Agapito de Paula Boeira. O documento foi encontrado em microfilme de n° 021 nos arquivos do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), os quais estão salvaguardados no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, e disponíveis ao público em geral. Trata-se de um ofício confidencial datilografado e assinado em Ponta Porã, na data de 09/12/1952, endereçado ao Diretor do SPI. Foi recebido e protocolado sob n° 6.327, na data de 31/12/1952, tendo sido encaminhado à chefia do órgão com urgência, haja vista a gravidade da denúncia”.
Há diversas outras considerações que aqui não vêm ao caso, antes da transcrição do documento, que não necessita sequer de comentários:
Confidencial.
Ponta Porã, 9 de Dezembro de 1952
Illmo. Snr. Diretor do Serviço de Proteção aos Índios
Rio de Janeiro.
Senhor Diretor:
Com a devida venia de V.S., me dirijo a si para comunicar-lhe que, no município de Bela-Vista, neste Estado, na região denominada “Costa do Estrela”, onde existia um nucleo de indios, foi há pouco tempo, totalmente disperso o mesmo, das terras que ocupavam, por determinação do snr. Milton Corrêa, que dizendo-se dono da mencionada área, os afugentou dali, embora na realidade não seja proprietário legal da citada área. Trata-se de uma violência que V.S. necessita saber afim de que possa defender os ligitimos [sic.] interesses dos índios residentes naquela zona.
Outro fato ocorrido, também naquela região e contra os pobres índios indefesos, foi o assassinato de um índio, morto pelo snr. Damico Damiano Corrêa, irmão do snr. Milton Corrêa. O índio assassinato era civilizado e residia na referida região da “Costa do Estrela”. As razões do crime são assassinadas, digo, são desconhecidas, porém, tudo indica que têm ligações com o proposito deliberado de afastarem definitivamente os índios das terras que ocupam e que querem se apossar indevidamente.
Guiado por objetivos da Justiça é que venho trazer ao seu conhecimento esses lamentáveis fatos, os quais não podem ficar sepultados, pois, esses atos criminosos precisam ser punidos e justiçados.
Com o meu apreço, subscrevo-me com estima e consideração.
Atenciosamente,
Agapito Boeira
O laudo redigido pelos dois antropólogos deixa clara a sua seriedade de todas as formas, inclusive na conclusão, onde é informado que tudo leva a crer que a maioria dos habitantes não indígenas que acorreram em meados do século XX à região foram movidos por boa fé, igualmente enganados pelo Estado. Isso não impede, entretanto, que os direitos dos Guarani Kaiowá ao seu território original e tradicional fica mais que claro!
Quem desejar conhecer a íntegra do trabalho de Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira pode fazê-lo AQUI.
E agradeço a Lara Schneider pela pista, remetendo a Spency Pimentel, que me permitiu chegar à íntegra do Laudo.
–
Destaque: mapa indicando a localização do município de Antônio João, MS, constante do laudo antropológico.