Melhor idade é o cacete, diria minha avó. Essa coisa só vale para quem é rico e pode pagar por uma companhia que lhes resolva a vida. Já a vida do velho pobre é uma desgraça só. Praticamente ninguém o respeita e, no geral, o veem como uma atrapalho na vida dos demais.
Foi assim com Romão. Ele entrou na agência governamental com o andar arrastado, como soe ser o andar de todos os velhos. Passo após passo, devagarito no más. As pessoas no aguardo de serem chamadas já olharam meio de revesgueio. No geral, parecem não gostar dessa lentidão dos velhos, dá aflição. E franzem ainda mais a cara quando eles passam na frente.
Romão parecia meio perdido. Sozinho, carregava um saquinho plástico, onde guardava os documentos. Dirigiu-se imediatamente para a mesa. A trabalhadora olhou de través.
– Tem de esperar, senhor.
Ele titubeou e olhou para nós, que estávamos sentadas. Sorri pra ele e ajudei a sentar ao meu lado.
– Fique tranquilo, elas chamam – E fiquei espiando o número dele, ao notar que ele não percebera o painel e o fato de que era lá que apareceria o número. Nenhuma alma ali parecia disposta a explicar como eram as coisas. Puxei conversa e fui dizendo como era. Ele sorriu. Quando seu número foi chamado, o avisei e ele se foi de novo rumo à mesa. Não ouvi o que ele explicou à mulher.
– Vai ter de marcar outro dia, faltam documentos.
Ele vacilava, atônito, sem entender o que passava. E a mulher, sem qualquer delicadeza insistia que não podia atendê-lo pois faltava algum papel. Rudemente, mandou que ele levantasse para dar lugar a outra pessoa.
Eu tinha duas escolhas. Ou levantava e dizias algumas boas para a mulher ou ajudava o velho. Decidi pela segunda. Ele viera da Caieira, interior da ilha, buscando resolver um problema que dera com seu salário de aposentado. Tinha diminuído e ele não sabia porquê. O documento que faltava, perguntei à mulher, era um comprovante de residência. Ele não sabia que tinha de trazer. Fora uma odisseia vir até ali, no centro da cidade, sem ninguém para a acompanhar.
– Meu filho, que me ajudava, morreu. Tô sozinho agora – dizia, como a se desculpar.
Insisti com a mulher sobre quais documentos que precisava trazer e pedi que marcasse outra data. Ela disse que era para marcar pela internet ou pelo telefone. Usei de toda a paciência “jedi”, explicando que o senhor não sabia como fazer isso, que era bem idoso e estava só. Como se ela não percebesse isso por si só. De má vontade ela marcou a nova data, para dali a um mês e pouco. Ele não entendeu. Precisava resolver o problema logo. Como esperar tanto tempo?
Fiz o que pude para explicar que era assim que as coisas eram na burocracia estatal. E ele balançava a cabeça, sem compreender. Perguntei quanto faltara no salário do mês. Ele disse e eu contive as lágrimas. Eram só alguns cobres, mas para ele certamente fazia muita falta.
– Aguarde aqui, vou ver com o moço- Saí, fui no caixa e voltei com os caraminguás – Por hoje aqui está, mas no dia marcado o senhor volta, para ver o que aconteceu – Ele pegou o dinheiro e saiu, devagarinho, meio sem entender o que se passara. E eu fiquei em estado de profunda tristeza.
Será que é tão difícil entender que os velhos ficam confusos e perdidos em situações que fogem do cotidiano? Será que é pedir muito que se tenha mais cuidado e atenção? Um pouco de carinho, quem sabe? Não, ser velho não é estar na melhor idade. Pelo menos não para os pobres. Saí dali espumando, acometida do ódio são, aquele do poeta, que dizia que deveríamos ter contra os vilões do amor. E, assim, roguei uma praga das brabas contra a mulher.