Por Renato Santana, no Cimi
Em nada as retomadas Guarani e Kaiowá de áreas tradicionais, localizadas dentro dos limites da Terra Indígena Ñanderu Marangatu, perturbaria a rotina dos moradores de Antônio João (MS) não fosse uma série de boatos e calúnias distribuídos através da imprensa e das redes sociais pelo Sindicato Rural do município, entidade classista dos fazendeiros com propriedades incidentes no território indígena. A população chegou a ser informada de que os Guarani e Kaiowá poderiam atear fogo à cidade, boato sem registros históricos de um dia ter sido cometido pelos indígenas.
Conforme informações apuradas junto aos Guarani e Kaiowá e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), as ações de retomadas estão restritas aos marcos de demarcação dos 9.300 hectares homologados pela Presidência da República, cujo decreto está suspenso há uma década e que aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). “Não queremos fazer mal nenhum às pessoas da cidade. Apenas retomar nosso tekoha – lugar onde se é. Estamos agindo dentro da terra que é nossa”, afirma uma liderança indígena – não identificada por razões de segurança.
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Tais boatos serviram para gerar uma onda de revolta e medo entre moradores e fazendeiros, que interditam o principal acesso ao município durante essa semana. Em nota pública, a presidente do Sindicato Rural, Roseli Maria Ruiz, afirmou que indígenas circulavam pela cidade com galões contendo gasolina, referindo-se ao boato de que colocariam fogo em toda a cidade. O absurdo das calúnias foi tamanho que o bispo de Dourados, Dom Redovino Rizzardo, respondeu em nota à ruralista. Com os boatos difundidos, um indígena acabou espancado ao ir abastecer a moto num posto.
A Funai confirma a agressão e seus servidores alertam que tais boatos podem provocar violências mais graves contra os indígenas. “A boataria tem gerado pânico. Os indígenas abastecem suas motos e levam gasolina a outras, como forma de economia. Nada além disso. Frisamos que as ações de retomada estão restritas à demarcação e não atentam contra a vida de ninguém tampouco a ordem pública”, ressalta um servidor. Todavia, mentiras espraiam-se para além dos boatos e provocam confusão.
De acordo com parte da imprensa sul-mato-grossense, os Guarani e Kaiowá teriam expulsados 40 famílias de uma vila chamada Campestre. Conforme o relatório de demarcação, a vila está dentro dos marcos de Ñanderu Marangatu. Indígenas, Funai e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirmam que cerca de 10% dos moradores da ‘vila’ não são indígenas e nenhuma dessas famílias foi despejada da localidade pelas ações de retomada.
Na análise de indígenas e indigenistas, os fazendeiros pretendem criar um ambiente social contrário aos Guarani e Kaiowá para lançar contra o povo a ira da população de Antônio João, usando-a como massa de manobra e argumento para o Sindicato Rural usar junto às autoridades públicas. A reportagem apurou, junto a fontes que preferiram não se identificar, que os ruralistas temem entrar com ações de reintegração de posse por conta da grande população de Ñanderu Marangatu. O despejo seria algo impensável. Por outro lado, a ação das forças policiais ainda não conseguiu pacificar a situação, conforme os indígenas, por falta de orientação do Ministério da Justiça e de uma solução definitiva do governo federal para se efetivar a homologação, envolvendo o pagamento das benfeitorias.
“Passaram (Força Nacional) por lá, mas rápido. Dizem que não podem agir sem ministro da Justiça (José Eduardo Cardozo) orientar”, protesta uma liderança da Aty Guasu, principal organização política dos Guarani e Kaiowá. Os indígenas não confiam no Departamento de Operações de Fronteira (DOF), polícia do governo sul-mato-grossense, denunciando ataques, intimidações e ameaças do órgão de repressão estadual. “DOF chega sempre com fazendeiro junto. Fazendeiro sempre diz que DOF está ali para apoiá-los”, destaca liderança Guarani e Kaiowá. Vídeo divulgado pelos fazendeiros demonstra não ser mentira – assista aqui.
A Funai informou aos indígenas que alguns fazendeiros começaram a procurar o órgão indigenista para a retirada de animais e pertences das áreas retomadas, demonstrando vontade de buscar uma saída pacífica e nos termos da lei vigente. “Não queremos nada deles. Podem levar tudo. Chamam a gente de bandidos, mas não somos não: daqui queremos apenas a terra que está comprovada ser nossa. Podem até desmontar as casas para ficar com os tijolos”, enfatiza uma liderança indígena.
Não há notícias, até o momento, de movimentação do processo no STF que motivou a suspensão dos efeitos do decreto de homologação de Ñanderu Marangatu, há uma década. Na ocasião, em setembro de 2005, o então ministro Nelson Jobim decidiu que o ato presidencial seria suspenso até que ação movida por fazendeiros contra a homologação fosse julgada pela Corte Suprema. O processo hoje tem como relator o ministro Gilmar Mendes.
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Destaque: foto Cimi.
A terra indígena já foi inclusive homologada pelo presidente da República, em 2005, tudo de acordo com os trâmites determinados pela Constituição (embora com atraso). Mas os ocupantes não indígenas recorreram, e o chamado Supremo Tribunal Federal decidiu parar tudo. E assim está há dez anos! Só, se é que podemos assim dizer. É duro de entender, de fato. E o pior é que não é um caso único.
Desculpe, mas não entendi…
É coisa julgada, ou seja, a justiça já deu o veredito de que a terra e dos índios ou o que está acontecendo de fato é uma invasão sobre uma área pleiteada pelos índios, em ato prévio a decisão da justiça?
Esta “retomada” estaria sendo conduzida dentro dos termos da lei?
Desculpe mas, de verdade, não entendi…