“Estamos diante da última chance para anular os retrocessos do Código Florestal”

Advogado do ISA fala sobre o pedido para que o STF julgue a legalidade da lei ambiental, aprovada em 2012

Thais Monteiro – Época

Entidades ambientalistas estão diante da última chance de alterar o Código Florestal, sancionado em 2012. No começo de agosto, o Instituto Socioambiental (ISA) encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um documento munido de argumentos e estudos sobre os impactos negativos que o código, como está redigido, poderá trazer ao país.

Esse documento vai integrar as quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que tramitam no STF. Três foram encaminhadas pelo ISA e uma delas, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). As ADIs são uma forma de a sociedade civil requerer mudanças em uma lei que já está aprovada. Em breve, os ministros do Supremo irão julgar se o Código Florestal vai contra o que está na constituição brasileira. Os ambientalistas afirmam, por exemplo, que o novo código trouxe retrocessos em relação à lei anterior, de 1965, porque permite desmatamentos em áreas antes protegidas e anistia desmatadores criminosos.

O ISA assinou o documento, chamado amici curiae, junto à Mater Natura, a Associação Mineira de Defesa do Ambiente e a Rede de ONGs da Mata Atlântica. São 150 páginas, resultado de mais de seis meses de estudos, compilações de artigos, reportagens e até filmes que embasam análises de 58 dispositivos da lei que poderão trazerprejuízos ambientais.

As ADIs pedem, entre outros pontos, a anulação das anistias a produtores rurais que desmataram ilegalmente áreas de preservação permanente e de reserva legal até julho de 2008. O amici curiae traz trechos de um artigo da revista científica Science que aponta 50 milhões de hectares a serem reflorestados no Brasil, enquanto, devido às anistias, apenas 21 milhões de hectares estariam nas obrigações de serem recuperados.

Segundo Maurício Guetta, advogado do ISA e responsável pelo encaminhamento do documento ao STF, a crise hídrica do Sudeste, as mudanças climáticas e seus impactos na agricultura e produção de alimentos estão listados como pontos que podem piorar caso os desmatamentos permitidos pelo Código aconteçam. ÉPOCA fez a Guetta algumas perguntas sobre as ações diretas de inconstitucionalidade e sobre o documento lançado pelo ISA para reverter o Código Florestal. Leia a seguir.

ÉPOCA: O Código Florestal foi aprovado em 2012, mas só agora as entidades estão encaminhando os processos para tentar revertê-lo. Por que esperaram esse tempo?
Maurício Guetta: Há algumas razões para isso. Estávamos observando como se daria a aplicação do novo código em algumas áreas, como nas margens dos rios, e quais os impactos imediatos da lei. O documento que o ISA lançou agora, junto a outras entidades, é fruto de mais de seis meses de estudos e pesquisas para que pudéssemos levantar o máximo de informações possíveis.

ÉPOCA: Depois da apresentação do documento, qual é a próxima etapa?
Guetta: Fizemos um pedido para que o STF julgue as ADIs em regime de urgência. O ministro Luiz Fux será o responsável por apreciar o pedido e ele pode dar preferência a esse julgamento. Nossa expectativa é que aconteça até o final deste ano. Agora, só nos resta aguardar o STF.

ÉPOCA: Por que esse pedido de urgência?
Guetta: Levantamos uma série de elementos que justificam a pressa em reverter o Código Florestal. Uma delas é a crise hídrica no Sudeste. A nova lei está permitindo o desmate em áreas muito significativas de margens de rios. A lei de 1965 calculava a porção protegida de um rio a partir de sua margem durante seu período cheio. Hoje, a medição considera uma média entre o período de seca e de cheia. Regiões em que a margem do rio é sazonal, como o Pantanal e a Amazônia, foram prejudicadas. Essa medida vai desproteger os rios no momento em que mais precisamos preservas nossas fontes de água. E danos ambientais, no geral, são de impossível ou difícil reparação. Quando você extingue uma espécie, não consegue mais trazê-la de volta. Recuperar uma área desmatada exige décadas de trabalho e de reestruturação da natureza para que os ecossistemas voltem para lá. Por isso, temos urgência. Essa é nossa última chance para anular os retrocessos dessa lei contestada que resultou no Código Florestal.

ÉPOCA: E se o STF não julga-lo inconstitucional, o que irá acontecer?
Guetta: O tamanho dos impactos nem são mensuráveis. Mas quer um exemplo? Só a mudança de critérios para a medição da área no entorno dos rios que deve ser preservada vai permitir a derrubada de 400 mil quilômetros quadrados de vegetação. É mais que os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo juntos. São informações como essas que as entidades ambientalistas estão destacando. Ainda pode dar tempo de fazer um código melhor.

Motossera corta árvores na Amazônia. Ambientalistas querem provar que o Código Florestal é um retrocesso por anistiar desmatadores ilegais (Foto: Eduardo Santos/Flickr)

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