Por Mauro Santayana, no Jornal do Brasil
O Supremo Tribunal Federal dá início, hoje, ao julgamento da descriminalização do porte de drogas para uso próprio. Organizações contra e a favor da descriminalização – e sobre essa questão não há unanimidade sequer entre os próprios policiais – devem se manifestar.
Será debatido o princípio de que o porte de drogas, tipificado no Artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), não deveria ser configurado crime, por não gerar conduta lesiva a terceiros, e o de que a tipificação ofende princípios constitucionais, como o da intimidade e o da liberdade individual.
Uma Nação – e um Judiciário – conivente com os grandes fabricantes de bebidas alcoólicas, que permite a veiculação de sua publicidade na televisão, com apelos claramente voltados para a juventude, não tem o direito moral de reprimir, de forma hipócrita e intransigente, usuários de drogas que frequentemente começam a se abrir para o vício com a primeira latinha de cerveja, em festas de adolescentes.
O que está em discussão é se queremos nos transformar em uma sociedade democrática e moderna, ou continuar avançando no processo de transformação do país em um estado policial, institucionalizando, na prática, em pleno século XXI, o retorno aos tempos do poder direto, absoluto, dos Capitães do Mato, que vigia sobre amplas camadas da sociedade brasileira até o final do século XIX.
É preciso, sim, definir a quantidade de droga que caracteriza o tráfico, e tornar obrigatório o exame químico das substâncias apreendidas – já que muita gente hoje vai para a cadeia, ocupando uma vaga que poderia estar destinada a presos de alta periculosidade – por estar vendendo ou portando pó de mármore misturado com anfetamina com prazo vencido desviada de farmácias.
Ao regulamentar e normatizar o porte de drogas, abrindo caminho para sua comercialização sob supervisão do Estado, o STF pode, se quiser, evitar milhares de prisões e de mortes desnecessárias (mais de 40% dos presos estão detidos sem julgamento e a nossa polícia é das que mais matam no mundo, mas os crimes continuam aumentando ano a ano), diminuindo o poder do tráfico, a corrupção e a violência policial, que levam a assassinatos como o da juíza Patricia Acioli, no Rio de Janeiro, ou a prisões como a dos soldados da ROTA suspeitos de execução neste mês em Osasco, e, por extensão, a chacinas animalescas como a que se viu há poucos dias no estado de São Paulo.
Mas, acima de tudo, pode – lembrando que uma Suprema Corte julga para a posteridade – fazer justiça, evitando que uma “lei”, do jeito que está, totalmente “flexível” e “camaleônica”, seja aplicada a qualquer cidadão sem nenhuma regra comum de definição do “crime”, ou de isonomia, tendo como único e exclusivo critério o humor circunstancial, o estado de espírito, o que estiver passando pela cabeça, o único arbítrio, e, eventualmente, os interesses pessoais, subjetivos e difusos, de quem a estiver aplicando – detendo, punindo, “julgando”, levando, quase que em última instância, à condenação, para efeito prático, do usuário – no momento do “flagrante”.