Unesp entrevista Ronaldo Barros: As cotas não são um privilégio para um grupo, mas para toda a sociedade

SEPPIR

Ronaldo Barros, secretário de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) conversou com o Repórter Unesp sobre os programas de cotas raciais, de permanência estudantil de negros nas universidades e sobre os benefícios desses programas para mudar os cenários político, econômico e social no Brasil. Leia a íntegra da entrevista:

Repórter Unesp: Como a SEPPIR começou a implementar essas políticas afirmativas? Quando que perceberam que havia uma demanda necessária para isso?

Ronaldo Barros: A SEPPIR já surge com a missão de desenvolver políticas de promoção de igualdade racial, mais recentemente com a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, onde ele é um enstatuto autorizativo ele já conceitua o que é a população negra, o que é racismo, o que são políticas de ação afirmativa. Em seguida nós temos duas leis que incluem politicas de ação afirmativa, que eu diria naquela esfera de corrigir desigualdades. Uma é a 12.711, que institui reserva de vagas no ensino superior das instituições federais do Brasil, e a outra que é a 12.990, ela cria reserva de vagas no serviço público, no âmbito do executivo, do serviço público federal e no âmbito também das estatais e das autarquias. Essas que foram umas das ações decorrentes do aval do Enstatuto da Igualdade Racial.

Tem também ações de políticas afirmativas de caráter que nós chamamos de valorativa, aquelas que visam revertes as representações negativas da população negra. Uma delas é a lei 10.639 que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira. Então ela vem em uma outra perspectiva de reverter as representações negativas da população negra e ela tem um caráter civilizatório, no sentido de permitir que os grupos tenham informações da formação social brasileira e da história e cultura afro-brasileira, para não associar imagem negativa que se tem sobre a África e sobre os negros no Brasil.

R.U.: Além das políticas de cotas nas universidades há uma necessidade de criar o debate e um espaço nesses ambientes universitários, para que quando essas pessoas forem inseridas neles não haja casos como os das pichações encontradas na Unesp. Então, como que a Secretaria, junto a quem vive no ambiente universitário, podem trabalhar para que esse seja um espaço mais igualitário?

R.B: A Seppir compõe com o Ministério da Educação uma comissão de avaliação das políticas de ação afirmativa e também o Comitê de Avaliação da 12.711, então recentemente nós fizemos um segundo simpósio e dentro desse simpósio estão um conjunto de recomendações de políticas de monitoramento e acompanhamento dessas políticas indicando um conjunto de ações. Dentre elas estão o acolhimento dos cotistas, politicas de esclarecimento, avaliação das aplicações dos negros ao ensino superior, avaliando iniciativas, por exemplo, de políticas de permanência de grupos que não estavam presentes nas universidades, como o programa de bolsa de permanência que permite que indígenas e quilombolas possam ter uma bolsa ao longo do seu curso no valor de R$900,00, para permanecer com qualidade nas universidades.

Então é importante não só o acesso, mas políticas de permanência, e para além de políticas de permanência, ações que mudem a cultura em algumas instâncias que acabam reproduzindo as desigualdades raciais que estão na sociedade e no interior da universidade. Então são algumas das ações que a gente tem indicado como alternativas.

R.U.: Além das cotas para o corpo discente das universidades, existe também a necessidade de mudar o quadro dos cargos mais altos da universidades, de gestores, administradores, técnicos?

R.B.: Nós também somos responsáveis, junto com o Ministério do Planejamento, pela implantação da lei que reserva vagas no serviço público, a lei 12.990. Essa lei inclui também as universidades federais e institutos federais. É claro que nas universidades, em algumas delas, tem um modus operandi que acaba, em alguns concursos e nós recebemos denúncias em relação a isso, não cumprindo o espírito da lei. Porque para aplicar essa reserva de vagas específica da Lei de Cotas no concurso público, você tem que ter três vagas, no mínimo, para que a lei possa ser aplicada. Então como os concursos se especializam muito e apenas uma vaga é ofertada. Então você tem 100 ou 180 vagas nas universidades; você acaba criando um concurso pra um componente específico, uma matéria específica, e isso faz com que só haja uma vaga por cada banca examinadora, e com isso a lei não está sendo aplicada. A gente tem inclusive dialogado bastante com o MEC, que tem se mostrado bastante sensível diante dessa situação, já tiveram ganhos de causa jurídica e suspensão de alguns concursos que não levaram em consideração a lei 12.990, que permite a presença de docentes e servidores negros modificando essa característica das universidades. Mas isso está no plano federal, no caso da Unesp é um plano estadual, nós precisamos que também essas políticas de ação afirmativa também estejam em um nível das universidades estaduais. Ai em São Paulo nós temos exemplos da cidade de São Paulo, da prefeitura municipal, onde a Câmara de Vereadores aprovou as cotas no serviço público municipal, é importante que haja essa política de cotas também no Estado de São Paulo, pra que tanto Usp,  Unicamp e Unesp possam ter uma ampliação do quadro de negros nos seus concursos públicos. Isso depende muito do poder legislativo ou do poder executivo que encaminha o projeto para o legislativo, para que também institua cotas nos concursos públicos no Estado de São Paulo.

R.U.: Recentemente tivemos casos de fraudes no ingresso de estudantes da UFRJ e da UNB pelo sistema de cotas. Essas pessoas entraram nessas universidades pelo sistema sem serem negras. Novos critérios de seleção são pensados para que casos como esses não ocorram mais?

R.B.: Os concursos públicos, todos eles, sofrem ataques de pessoas que tentam burlar os critérios de seleção para levar vantagem. Isso não quer dizer que o sistema não deu certo. Muitos criminosos tentaram fraudar o ENEM várias vezes, mas isso não quer dizer que o sistema do ENEM não é um sistema exitoso. Como também tentam várias quadrilhas burlar concursos públicos e isso não invalida a necessidade de seleção para esses concursos públicos. Isso não seria diferente com os concursos públicos a partir do sistema de reserva de vagas, então é muito comum que um concurso público tenha isso, e que ele cada vez mais se aperfeiçoe e evite esse tipo de fraude. Então, o que nós estamos fazendo é um processo de monitoramento e de avaliação para aprimoramento do sistema, para evitar que essas pessoas mal intencionadas continuem tentando burlar um sistema que nós consideramos exitoso, porque isso é a minoria que ocorre nas universidades. Nós temos um sistema que envolve uma quantidade significativa de pessoas fazendo uma seleção nesse país, nós temos uma entrada de quase 300 mil vagas por ano e isso é um exemplo exitoso paro o mundo. Então não é porque uma ou duas pessoas tentaram fraudar que vamos por em xeque um sistema exitoso.

R.U.: As últimas estatísticas de vestibulandos e ingressantes da Unesp de questionários de cor dos alunos constava que não haviam alunos classificados como negros ou um número muito pequeno, apenas pardos se auto declararam dessa cor. Como esse quadro reflete a questão do negro no Brasil e nas instituições de ensino superior?

R.B.: Depende de como é feita a coleta desses dados, eu não acredito que seja zero por cento de negros, às vezes você tem uma situação em um centro educação onde um pesquisador institucional passa a informação, porque esse senso não entrevista os estudantes, os alunos, é a instituição que tem que declarar. Às vezes, a instituição tem o sistema de coleta de informações que permite que o pesquisador institucional informe isso no senso. Então eles acabam informando que não possuem essa informação, por isso que dá zero percentual de negros. Mas através de outros sistemas, como o IBGE, da PNAD, das pesquisas do Fonaprace, por exemplo, nó sabemos que há um percentual significativo, nós já chegamos a 26% da presença de negros nas universidades, mesmo com algumas universidades apontando um alto grau de subnotificação nos centros escolares. Mas isso, inclusive, o Governo Federal está tomando providências, está utilizando o questionário do ENEM, está migrando informação para qualificar mais esses dados e passar um quadro mais real da presença do negro nas universidades. Mas, em média, as informações que nós temos, é que de cada 100 estudantes do ensino superior, 26 são negros, uma situação bem diferente do quadro de 10-12 anos atrás onde nós éramos apenas 3% dos universitários. É um avanço essa situação e está melhorando a qualidade do Estado para retratar melhor as universidades brasileiras.

R.U.: O que se espera para os seguintes anos a respeito das políticas de cotas?

R.B.: A gente espera um país melhor. Você imagina que se nós conseguirmos equiparar o nível educacional dos brancos e dos negros nesse país, quem ganha é o país. Porque melhorando a qualidade de informação, você cria mais oportunidades, potencializa uma população que não é mais minoria, é a maioria absoluta da população brasileira. Você está tratando aqui de 107 milhões de pessoas, então se você consegue equiparar o nível educacional, você pode também pode equiparar os níveis econômicos. E se a gente puder equiparar o PIB [Produto Interno Bruto] entre brancos e negros, com certeza a gente estaria em uma situação mundial diferente, e consequentemente teria superado inúmeras crises, sobretudo econômicas, estaríamos em outro patamar agora. Então, ganha toda a sociedade, se todo mundo tiver as mesmas condições de formação, as mesmas oportunidades de acesso, a gente tem condições de contribuir mais para o crescimento do país, e ganha todo mundo. É isso que nós esperamos, que o Brasil seja um país melhor, mais democrático e mais justo.

As políticas afirmativas vêm no sentido de primeiro qualificar as políticas universais, melhorando a qualidade das políticas universais. Um exemplo disso são as políticas de acesso ao ensino superior. Segundo que elas não são um privilégio para um grupo, ela beneficia toda a sociedade, então todo mundo ganha. Imagina se todos tiverem acesso a informação da história e da cultura africana, do papel que essa história tem, de que as pessoas, embora diferentes, são iguais, têm a mesma capacidade intelectual, têm a mesma competência e podem contribuir no mesmo nível. Quando a gente chegar a esse grau de conhecimento, nós criamos um novo processo civilizatório e com isso também ganha toda a sociedade. Essa medida não é só para um grupo, mas para todo o Brasil; nosso objetivo não é ter um Brasil para os negros, mas um Brasil para todos. Então nós achamos que as políticas afirmativas vêm no sentido de melhorar nosso país.

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