O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Maranhão realizou, de 10 a 14 de agosto em São Luís, sua 36ª Assembleia, pautada no conceito do “Bem Viver como caminho possível a partir dos projetos de vida dos povos indígenas”.
Os participantes debateram a situação dos povos Ka’apor e Krenyê, que têm seus territórios amplamente invadidos por madeireiros, sem que haja qualquer tipo de fiscalização do Estado. A experiência do povo Ka’apor em defender a floresta foi lembrada como exemplo e sinal de esperança nos territórios, “mas esbarra na burocracia do Estado que não oferece segurança e apoio para esses que se colocam nesse serviço”, de acordo com o documento final do encontro, que faz referência ao assassinato, em abril de 2015, da liderança Eusébio Ka’apor, uma das mais combativas no enfrentamento à exploração ilegal madeireira, e cujos assassinos ainda não foram identificados.
A Assembleia teve a participação de missionários, da vice-presidente do Cimi, Emília Altini, do bispo da diocese de Viana, representantes indígenas dos povos Ka’apor, Krenyê, Gamela, Tremembé e Guajajara, da Comissão Pastoral da Terra, Associação Nacional de Ação Indigenista (Anai), do Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras, Quilombolas e Indígenas (NuRuNi), do Programa de Pós Graduação de Saúde e Ambiente/UFMA, da Rede Justiça nos Trilhos e do Grupo de Estudo Desenvolvimento Modernidade e Meio Ambiente (Gedmma)/UFMA. Leia o documento final do encontro:
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Nota da XXXVI Assembleia do Regional Cimi Maranhão
“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes essas coisas a sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos.” (MT, 11, 25)
Nós, missionárias e missionários do Cimi Maranhão, a vice-presidente do Cimi Nacional, o bispo da diocese de Viana, representantes indígenas dos povos Ka’apor, Krenyê, Gamela, Tremembé e Guajajara, Comissão Pastoral da Terra, Associação Nacional de Ação Indigenista – ANAI, NuRuNi – Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras, Quilombolas e Indígenas do Programa de Pós Graduação de Saúde e Ambiente/UFMA, Justiça nos Trilhos e Gedmma – Grupo de Estudo Desenvolvimento Modernidade e Meio Ambiente/UFMA, reunidos na XXXVI Assembleia Regional do Cimi MA, nos dias 10 a 14 de agosto de 2015, no Centro Comboniano, praia do Olho D’Água, refletimos sobre o conceito do Bem Viver como caminho possível a partir dos Projeto de Vida dos Povos Indígenas.
Durante esses dias nos alegramos e nos entristecemos com os testemunhos apresentados pelos povos indígenas. Nossa alegria foi em saber que no dia a dia esses povos vivem e reafirmam seus projetos de vida que estão pautados numa relação harmoniosa entre si e com a natureza. Dessa forma, buscam formas de garantir sua auto determinação enquanto povos, constroem o Bem Viver nos seus territórios. Territórios que desejam livres de qualquer tipo de invasão e interferência.
Nos entristecemos em saber que por conta desses projetos de vida, sofrem cotidianamente com os ataques daqueles e daquelas que não entendem e não respeitam o modo de ser e viver desses povos. Ao contrário, entendem do lucro, da acumulação, da fragmentação do Ser e da destruição da Mãe Terra e, por isso, tentam desmontar os direitos conquistados e usurpar seus territórios.
Causa-nos indignação saber que depois de quatro meses do assassinato do indígena Eusébio Ka’apor, o inquérito ainda não tenha sido concluído, os executores e mandantes não foram punidos; que o povo Ka’apor continua recebendo ameaças de madeireiros por conta do seu processo de autonomia e pela defesa do seu território; que a Funai, numa postura autoritária, tenha retirado o carro do Coordenador Técnico local que é indígena Ka’apor e adotou trabalhar para e com o seu povo.
Da mesma forma, é revoltante saber que mesmo depois de três anos de uma decisão judicial para que o Estado garanta água, comida e terra para o Povo Krenyê, a situação continue na mesma. Até o momento a Funai não publicou o edital para compra de terra para o povo. Cabe lembrar que a compra de terra já é uma negação do Estado do território tradicional. A Sesai não construiu o poço artesiano e o povo continua passando necessidades e tendo que recorrer a ajuda, uma vez que já conquistou esse direito. Da mesma, continua as invasões e saques, por madeireiros, nos territórios sem que o Estado se comprometa em garantir as fiscalizações; as experiências de guardiões indígenas defendendo a floresta tem sido um forte sinal de esperança nos territórios, mas esbarra na burocracia do Estado que não oferece segurança e apoio para esses que se colocam nesse serviço.
No entanto, o mesmo Estado, em seus diferentes poderes, continua atacando os direitos dos povos indígenas, de quilombolas e comunidades tradicionais por meio de proposições legislativas como a PEC 215, o PL 1610, o PLP 227 e a instituição do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal, numa clara demonstração de força, tentando desconstruir direitos Constitucionais para atender interesses de mineradoras, madeireiros, agro e hidro negócio, bancos, entre outros.
Apesar de tudo isso, os povos reagem, reafirmam suas identidades, fortalecem suas organizações e praticam a desobediência epistêmica. Fazem isso para mostrar a todos nós que seus modos de vida são um Bem Viver para todos. Os projetos de vida dos povos indígenas são fonte de sabedoria e resistência. Nesses projetos que mais vemos valores do Reino de vida em abundância.
Como aliados dessa causa, reafirmamos o nosso apoio à luta dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para que seus projetos de vida sejam respeitados.