Assange: a história não contada de uma luta heroica pela justiça

Por John Pilger, na Adital

Este artigo é uma versão atualizada da investigação feita em 2014 por John Pilger, com a história não contada de uma campanha implacável – na Suécia e nos EUA – para recusar justiça a Julian Assange e silenciar a WikiLeaks: uma campanha que agora atinge uma etapa perigosa.

O cerco de Knightsbridge [NR] é símbolo de uma injustiça brutal e de uma farsa repugnante. Durante três anos, um cordão policial em torno da Embaixada do Equador em Londres serviu só para ostentar o poder do estado. Ele já custou £12 milhões. A caça é um australiano que não é acusado de qualquer crime, um refugiado cuja única segurança é a sala que lhe foi dada por um corajoso país sul-americano. O seu “crime” foi ter iniciado uma onda de verdade numa era de mentiras, cinismo e guerra.

A perseguição a Julian Assange está prestes a inflamar-se outra vez pois entra numa etapa perigosa. A partir de 20 de Agosto, três quartos do processo do promotor sueco contra Assange quanto a uma (alegada) má conduta sexual em 2010 desaparecerá pois a lei das prescrições o determina. Ao mesmo tempo, a obsessão de Washington com Assange e a WikiLeaks intensifica-se. Na verdade, é a vingativa potência americana que constitui a maior ameaça – como Chelsea Manning e aqueles ainda mantidos em Guantanamo podem confirmar.

Os americanos estão a perseguir Assange porque a WikiLeaks revelou seus crimes monstruosos no Afeganistão e no Iraque: a matança por atacado de dezenas de milhares de civis, que eles encobriam, e o seu desprezo pela soberania e o direito internacional, como demonstrado incisivamente pela fuga dos seus telegramas diplomáticos. A WikiLeaks continua a revelar a actividade criminosa dos EUA, tendo acabado de publicar intercepções top secret dos EUA – relatórios de espiões americanos pormenorizando chamadas telefônicas privadas dos presidentes da França e da Alemanha, bem como de outros altos responsáveis, relativas à política interna e assuntos económicos europeus.

Nada disto é ilegal sob a Constituição dos EUA. Como candidato presidencial em 2008, Barack Obama, então professor de direito constitucional, louvou os denunciantes como “parte de uma democracia saudável [que] devem ser protegidos de represálias”. Em 2012, na campanha da reeleição o presidente Barack Obama jactou-se no seu sítio web de ter processado mais denunciantes nos seu primeiro mandato do que todos os outros presidentes dos EUA somados. Antes mesmo de Chelsea Manning ter tido um julgamento, Obama declarou o denunciante como culpado. Ele foi a seguir sentenciado a 35 anos de prisão, tendo sido torturado durante a sua longa detenção anterior ao julgamento.

Há pouca dúvida de que se os EUA pusessem suas mãos sobre Assange, um destino semelhante o aguardaria. Ameaças de captura e assassinato de Assange tornaram-se a moeda corrente dos extremistas políticos nos EUA depois de o vice-presidente Joe Biden ridiculamente caluniar o fundador da WikiLeaks como “ciber-terrorista”. Aqueles que duvidam do grau de brutalidade que Assange pode esperar deveriam recordar a aterragem forçada do avião do presidente boliviano em 2013 – por se acreditar erradamente que transportava Edward Snowden.

Segundo documentos divulgados por Snowden, Assange está numa “Lista de alvos humanos a caçar”. A ânsia de Washington para obtê-lo, dizem telegramas diplomáticos australianos, é “sem precedentes na escala e na natureza”. Em Alexandria, Virgínia, um grande júri passou cinco anos a tentar imaginar um crime pelo qual Assange pudesse ser processado. Isto não é fácil. A Primeira Emenda à Constituição dos EUA protege editores, jornalistas e denunciantes.

Confrontado com esta barreira constitucional, o Departamento de Justiça imaginou acusações de “espionagem”, “conspiração para cometer espionagem”, “conversão” (roubo de propriedade do governo), “fraude e abuso computacional” (hacking) e “conspiração” geral. A lei do Espionage Act inclui disposições de prisão perpétua e pena de morte.

A capacidade de Assange para defender-se neste mundo kafkiano foi prejudicada pelo facto de os EUA terem declarado o seu caso como segredo de estado. Em Março, um tribunal federal em Washington impediu a divulgação de toda informação acerca da investigação de “segurança nacional” contra a WikiLeaks, porque estava “activa e em andamento” e causaria danos ao “iminente processo” contra Assange. O juiz, Barbara J. Rosthstein, disse que era necessário mostrar “deferência apropriada para com o executivo em matérias de segurança nacional”. Esta é a “justiça” feita por um simulacro de tribunal (kangaroo court).

Marianne Ny

O ato que suporta esta farsa sombria está na Suécia, desempenhado pela promotora sueca Marianne Ny. Até recentemente, Ny recusava-se a cumprir um procedimento europeu de rotina que requeria viajar a Londres a fim de interrogar Assange e assim avançar o caso. Durante quatro anos e meio Ny nunca explicou adequadamente porque se recusava a vir a Londres, assim como as autoridades suecas nunca explicaram porque se recusavam a dar a Assange uma garantia de que não o extraditariam para os EUA sob um esquema secreto acordado entre Estocolmo e Washington. Em Dezembro de 2010, The Independent revelou que os dois governos haviam discutido antecipadamente sua extradição para os EUA.

Contrariando a sua reputação da década de 1960 como bastião liberal, a Suécia aproximou-se tão estreitamente de Washington que tem permitido “rendições” secretas da CIA – incluindo a deportação ilegal de refugiados. A rendição e subsequente tortura de dois refugiados políticos egípcios em 2001 foram condenadas pelo Comité da ONU contra a Tortura, pela Amnistia Internacional e pelo Human Rights Watch. A cumplicidade e duplicidade do estado sueco estão documentadas em sucessivas litigações civis e em telegramas da WikiLeaks. No Verão de 2010, Assange fugiu para a Suécia a fim de falar acerca de revelações da WikiLeaks acerca da guerra no Afeganistão – na qual a Suécia tinha forças sob comando estado-unidense.

“Documentos divulgados pela WikiLeaks desde que Assange foi para a Inglaterra”, escreveu Al Burke, editor do Nordic New Network online, uma autoridade sobre as múltiplas reviravoltas e perigos enfrentados por Assange, “indicam claramente que a Suécia submeteu-se sistematicamente à pressão dos Estados Unidos em matérias relativas a direitos civis. Há toda a razão de preocupação em que se Assange for tomado em custódia pelas autoridades suecas, ele podia ser entregue aos Estados Unidos sem a devida consideração dos seus direitos legais”.

Por que a promotora sueca não resolveu o caso Assange? Muitos na comunidade legal na Suécia acreditam que o seu comportamento é inexplicável. Outrora implacavelmente hostil a Assange, a imprensa sueca tem publicado manchetes tais como: “Vá para Londres, pelo amor de Deus”.

Por que ela não foi? Mais exactamente, por que não permitirá ela que o tribunal sueco tenha acesso a centenas de mensagens SMS que a polícia extraiu do telefone de uma das duas mulheres envolvidas nas alegações da má conduta? Por que ela não as passa para as mãos dos advogados suecos de Assange? Ela diz que não lhe é legalmente requerido fazer isso até que uma acusação formal seja apresentada e ela o tiver interrogado. Então, por que ela não o interroga? E se ela o interrogasse, as condições que exigiria dele e dos seus advogados – que eles não poderiam contestar – fariam da injustiça uma quase certeza.

 

Num ponto da lei, o Supremo Tribunal Sueco decidiu que Ny pode continuar a obstruir na questão vital das mensagens SMS. Isto agora irá ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos. O que Ny teme é que as mensagens SMS destruirão o seu processo contra Assange. Uma das mensagens torna claro que uma das mulheres não queria quaisquer acusações contra Assange, “mas a polícia ansiava em conseguir a sua retenção”. Ela ficou “chocada” quando eles o prenderam porque ela apenas “queria que fizesse um teste [de HIV]”. Ela “não queria acusar JA de qualquer coisa” e “foi a polícia que inventou as acusações”. (Numa declaração como testemunha, ela é citada como tendo dito que fora “atropelada pela polícia e outros em torno dela”).

Nenhuma das duas mulheres afirmou que fora violada. Na verdade, ambas negaram que tivessem sido violadas e uma enviou uma mensagem pelo Twitter a dizer “Não foi violada”. Que elas foram manipuladas pela polícia e que as suas vontades foram ignoradas é evidente – não importa o que possam dizer agora os seus advogados. Certamente ambas são vítimas de uma saga que arruína a própria reputação da Suécia.

Para Assange, seu único julgamento tem sido o julgamento dos media. Em 20 de Agosto de 2010, a polícia sueca abriu uma “investigação de violação” e imediatamente – e ilegalmente – contou aos tablóides de Estocolmo que havia uma autorização (warrant) para a prisão de Assange pela “violação de duas mulheres”. Esta foi a notícia posta a correr em todo o mundo.

Em Washington, um sorridente secretário da Defesa, Robert Gates, disse aos repórteres que a prisão “soa como boa notícia para mim”. Contas do Twitter associadas ao Pentágono descrevem Assange como um “violador” e um “fugitivo”.

Menos de 24 horas depois, a Promotora Chefe de Estocolmo, Eva Finne, assumiu o comando da investigação. Ela não desperdiçou tempo em cancelar o mandato de prisão, dizendo “Não acredito que haja qualquer razão para suspeitar que ele cometeu violação”. Quatro dias depois, ela descartou também a investigação de violação, dizendo: “Não há suspeita de qualquer crime que seja”. O processo foi encerrado.

Entra em cena Claes Borgstrom, um político importante do Partido Social-Democrata então a posicionar-se como candidato na iminente eleição geral sueca. Poucos dias depois de a promotora chefe encerrar o caso, Borgstrom, um advogado, anunciou aos media que estava a representar as duas mulheres e que havia procurado uma promotora diferente na cidade de Gotemburgo. Esta era Marianne Ny, à qual Borgstrom conhecia bem, pessoalmente e politicamente.

No dia 30 de Agosto, Assange compareceu voluntariamente a uma esquadra de polícia em Estocolmo e respondeu a todas as perguntas que lhe fizeram. Ele entendeu que era o fim do assunto. Dois dias depois, Ny anunciou que estava a reabrir o caso. Um repórter sueco perguntou a Borgstrom porque o caso prosseguia quando já havia sido arquivado, citando uma das mulheres como tendo disto que não fora violada. Ele respondeu: “Ah, mas ela não é uma advogada”. O advogado australiano de Assange, James Catlin, respondeu: “Isto é de gargalhadas… É como se eles inventassem para irem em frente”

No dia em que Marianne Ny reativou o caso, o chefe do serviço de inteligência militar sueco – o qual tem a sigla MUST – denunciou publicamente a WikiLeaks num artigo intitulado “WikiLeaks [é] uma ameaça para nossos soldados”. Assange foi advertido que o serviço de inteligência sueca, SAPO, fora informado pelo seu parceiro dos EUA que os acordos de partilha de inteligência EUA-Suécia seriam “cortados” se a Suécia o abrigasse.

Durante cinco semanas, Assange esperou na Suécia para que a nova investigação seguisse o seu curso. The Guardian estava então à beira de publicar os “War Logs” do Iraque, baseado nas revelações da WikLeaks”, os quais Assange devia supervisionar. Seu advogado em Estocolmo perguntou a Ny se ela tinha alguma objecção à sua saída do país. Ela disse que ele era livre para deixá-lo.

Inexplicavelmente, assim que ele deixou a Suécia – na altura do interesse dos media e do público nas revelações da WikiLeaks – Ny emitiu um Mandato de Prisão Europeu (European Arrest Warrant, EAW) e um “alerta vermelho” da Interpol, normalmente utilizado para terroristas e criminosos perigosos. Publicado em cinco línguas em todo o mundo, isto assegurou o furor dos media.

Assange compareceu a uma esquadra de polícia em Londres, foi preso e passou dez dias na Wandsworth Prison, em confinamento solitário. Libertado com uma fiança de £340 mil, ele recebeu uma pulseira electrónica, foi-lhe exigido comparecer à polícia diariamente e foi colocado sob prisão virtual em casa enquanto o seu caso começava sua longa jornada no Supremo Tribunal do Reino Unido. Ele ainda não fora acusado de qualquer delito. Seus advogados reiteraram a sua oferta de ser interrogado por Ny em Londres, destacando que ela lhe havia dado permissão para abandonar a Suécia. Eles sugeriram uma instalação especial na Scotland Yard utilizada habitualmente para esse fim. Ela recusou.

Katrin Axelsson e Lisa Longstaff da Mulheres contra a violação (Women Against Rape) escreveram: “As alegações contra [Assange] são uma cortina de fumo por trás das quais um certo número de governos estão a tentar impedir a ação da WikiLeaks por ter audaciosamente revelado ao público seu planeamento secreto de guerras e ocupações com o seu cortejo de violações, assassínios e destruição… As autoridades importam-se tão pouco acerca da violência contra mulheres que elas manipulam alegações de violação à vontade. [Assange] deixou claro que está disponível para interrogatório pelas autoridades suecas, na Grã-Bretanha ou via Skype. Por que estão ela a recusar este passo essencial na sua investigação? O que é que ela temem?

Esta pergunta ficou por responder quando Ny avançou com o Mandato Europeu de Prisão, um draconiano e agora desacreditado produto da “guerra ao terror” destinado supostamente a apanhar terroristas e criminosos organizados. O EAW aboliu a obrigação de um estado que faz o pedido providenciar qualquer evidência de um crime. Mais de um milhar de EAWs são emitidas a cada mês, só umas poucas têm algo a ver com potenciais acusações de “terror”. A maior parte é emitida por delitos triviais, tais como juros de mora de bancos e multas. Muitos daqueles extraditados enfrentam meses na prisão, sem acusação. Tem havido um número chocante de atropelos à justiça, dos quais juízes britânicos têm sido altamente críticos.

O caso Assange finalmente chegou ao Supremo Tribunal do Reino Unido em Maio de 2012. Num julgamento que confirmou o EAW – cujas exigências rígidas quase não deixavam espaço de manobra para os tribunais – os juízes consideraram que promotores europeus podiam emitir mandatos de extradição no Reino Unidos sem qualquer supervisão judicial, muito embora o Parlamento pretendesse o contrário. Eles deixaram claro que o Parlamento havia sido “enganado” (“misled”) pelo governo Blair. O tribunal ficou dividido, 5-2, e consequentemente considerou contra Assange.

Contudo, o Presidente do Supremo Tribunal, Lord Phillips, cometeu um erro. Ele aplicou a Convenção de Viena sobre a interpretação do tratado, permitindo à prática do estado suprimir a letra da lei. Como destacou a advogada de Assange, Dinah Rose QC, isto não se aplica ao EAW.

O Tribunal Supremo só reconheceu este erro crucial quando tratou de outro apelo contra o EAW, em Novembro de 2013. A decisão Assange fora errada, mas era demasiado tarde para voltar atrás. Com a extradição iminente, a promotora sueca disse aos advogados de Assange que este, uma vez na Suécia seria imediatamente colocado numa das infames prisões do país.

As opções de Assange eram drásticas: extradição para um país que se havia recusado a dizer se o enviaria ou não para os EUA, ou procurar o que parecia a sua última oportunidade de refúgio e segurança. Apoiado pela maior parte da América Latina, o corajoso governo do Equador concedeu-lhe o estatuto de refugiado na base de evidência documentada e aconselhamento legal uma vez que enfrentava a perspectiva de punição cruel e inabitual nos EUA; que isto violava seus direitos humanos básicos; e que o seu próprio governo na Austrália o havia abandonado e entrado em conivência com o de Washington. O governo trabalhista da primeira-ministra Julia Gillard ameaçou-o mesmo de tomar o seu passaporte.

Gareth Peirce, a famosa advogada de direitos humanos que representa Assange em Londres, escreveu ao então ministro dos Estrangeiros australiano, Kevin Rudd: “Dada a extensão da discussão pública, frequentemente na base de suposições inteiramente falsas… é muito difícil tentar preservar-lhe qualquer presunção de inocência. O sr. Assange tem agora pendente sobre ele não uma mas duas espadas de Damocles, da extradição potencial para duas diferentes jurisdições uma após a outra por dois diferentes alegados crimes, nenhum dos quais são crimes no seu próprio país, e que a sua segurança pessoal ficou em risco em circunstâncias que são altamente politicamente carregadas”.

Só quando contactou a Alta Comissão Australiana em Londres é que Peirce recebeu uma resposta, a qual nada esclarecia acerca dos pontos prementes que ela levantara. Numa reunião a que compareci junto com ela, o cônsul geral australiano, Ken Pascoe, fez a espantosa afirmação de que sabia “só o que leio nos jornais” acerca dos pormenores do caso.

Enquanto isso, a perspectiva de uma grotesca perversão da justiça estava submersa numa campanha vituperante contra o fundador da WikiLeaks. Ataques profundamente pessoais, mesquinhos, viciosos e desumanos foram lançados contra um homem não acusado de qualquer crime mas sujeito a um tratamento não atribuído sequer a quem enfrenta a extradição sob a acusação de assassinar a sua esposa. Que o facto de a ameaça dos EUA a Assange era uma ameaça a todos os jornalistas, à liberdade de expressão, ficou perdido em meio a sordidez.

Foram publicados livros, acordos impressionantes para filmes e lançadas carreiras nos media nas costas da WikiLeaks e no pressuposto de que Assange era uma vítima fácil para ataques e de que era demasiado pobre para abrir processos. Houve gente que ganhou dinheiro, muitas vezes muito dinheiro, enquanto a WikiLeaks lutou para sobreviver. O editor do Guardian, Alan Rusbridger, chamou às revelações da WikiLeaks, publicadas pelo seu jornal, de “um dos maiores furos jornalísticos dos últimos 30 anos”. Tornou-se parte do seu plano de marketing para aumentar o preço de capa do jornal.

Sem que nem um centavo fosse para Assange ou para a WikiLeks, um publicitado livro do Guardian levou a um lucrativo filme de Hollywood. Os autores do livro, Luke Harding e David Leight, gratuitamente descreveram Assange como uma “personalidade defeituosa” e “insensível”. Eles também revelaram a password secreta que ele havia dado ao jornal em confiança, a qual era destinada a proteger um ficheiro digital contendo os telegramas da embaixada dos EUA. Com Assange agora aprisionado na embaixadora equatoriana, Harding, posicionando-se ao lado da polícia, regozijava-se no seu blog de que “a Scotland Yard pode ser a última a rir”.

A injustiça cometida a Assange foi uma das razões porque o Parlamento reformou o Extradiction Act, para impedir a má utilização do EAW. A draconiana generalidade utilizada contra ele já não podia acontecer agora; agora teria de conter acusações e o “interrogatório” seria um fundamento insuficiente para a extradição. “O seu caso venceu completamente”, contou-me Gareth Peirce, “estas mudanças na lei significa que agora o Reino Unido reconhece como correcto tudo o que foi argumentado no seu caso. Mas ele não se beneficiou”. Por outras palavras, a mudança na lei do Reino Unido em 2014 significa que Assange teria ganho o seu processo e não teria sido obrigado a pedir asilo.

A decisão do Equador em 2012 de proteger Assange floresceu num grande assunto internacional. Muito embora a concessão de asilo seja um acto humanitário, e o poder de concedê-lo seja desfrutado por todos os estado sob o direito internacional, tanto a Suécia como o Reino Unido recusaram a legitimidade da decisão do Equador. Ignorando o direito internacional, o governo Cameron recusou-se a conceder a Assange passagem segura para o Equador. Ao invés disso, a embaixada do Equador foi colocada sob cerco e o seu governo abusado com uma séries de ultimatos. Quando o Foreign Office de William Hague ameaçou violar a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, advertindo que retiraria a inviolabilidade diplomática da embaixada e enviaria a polícia em busca de Assange, o ultraje por todo o mundo forçou o governo a recuar. Durante uma noite, a polícia apareceu às janelas da embaixada numa tentativa óbvia de intimidar Assange e seus protetores.

Desde então, Julian Assange tem sido confinado a uma pequena sala sob a protecção do Equador, sem luz do sol ou espaço para fazer exercício, cercado pela polícia com ordens para prendê-lo à primeira vista. Durante três anos o Equador deixou claro ao promotor sueco que Assange está disponível para ser interrogado na embaixada em Londres e durante três anos ela permaneceu intransigente. No mesmo período a Suécia interrogou quarenta e quatro pessoas no Reino Unidos em conexão com investigações policiais. O seu papel e aquele do estado sueco são comprovadamente políticos; e para Ny, que se depara com a reforma dentro de dois anos, ela deve “vencer”.

Em desespero, Assange contestou o mandato de prisão nos tribunais suecos. Seus advogados citaram decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos de que ele tem estado sob detenção arbitrária, indefinida, e de que tem sido um prisioneiro virtual por mais tempo do que qualquer sentença real de prisão que pudesse enfrentar. O juiz do Tribunal de Recurso concordou com os advogados de Assange: a promotora havia na verdade violado o seu dever ao manter o caso suspenso durante anos. Um outro juiz emitiu uma repreensão à promotora. E ainda assim ela desafiou o tribunal.

Em Dezembro último, Assange levou o seu caso ao Supremo Tribunal Sueco, o qual ordenou ao patrão de Marianne Ny – o Promotor Geral da Suécia Anders Perklev – que explicasse. No dia seguinte, Ny anunciou, sem explicação, que ela havia mudado de ideia e que agora interrogaria Assange em Londres.

Na sua submissão ao Supremo Tribunal, o Promotor Geral fez algumas concessões importantes: argumentou que a coerção de Assange fora “intrusiva” e que o período na embaixada fora uma “grande tensão” sobre ele. Perklev concedeu mesmo que se a matéria houvesse chegado a processo, julgamento, condenação e cumprimento de uma sentença na Suécia, Julian Assange teria deixado a Suécia há muito tempo.

Numa decisão dividida, um juiz do Supremo Tribunal argumentou que o mandato de prisão deveria ter sido revogado. A maioria dos juízes decidiu que, uma vez que a promotora agora havia dito que iria a Londres, os argumentos de Assange haviam-se tornado “controversos” (“moot”). Mas o Tribunal determinou que teria de considerar contra a promotora se ela não houvesse subitamente mudado de ideia.

A justiça por capricho

Escrevendo na imprensa sueca, um antigo promotor do país, Rolf Hillegren, acusou Ny de perder toda a imparcialidade. Ele descreveu o seu investimento pessoal no caso como “anormal” e pediu que fosse substituída.

Tendo dito que iria a Londres em Junho, Ny não foi, mas enviou um adjunto (deputy), sabendo que o interrogatório não seria legal nestas circunstâncias, especialmente quando a Suécia não se incomodou em obter a aprovação do Equador para a reunião. Ao mesmo tempo, o seu gabinete avisou o Expressen, jornal tablóide sueco, o qual enviou o seu correspondente em Londres para aguardar por “notícias” do lado de fora da embaixada. A notícia era que Ny estava a cancelar o compromisso e a culpar o Equador pela confusão e por consequência pela “não cooperação” de Assange – quando o oposto era a verdade.

Como a data da lei das prescrições (statute of limitations) se aproxima – 20 de Agosto – um outro capítulo desta história odiosa irá sem dúvida desdobrar-se, com Marianne Ny a puxar mais um coelho da sua cartola com os comissários e perseguidores em Washington como beneficiários. Talvez nada disto seja surpreendente. Em 2008, uma guerra à WikiLeaks e a Julian Assange foi prevista num documento secreto do Pentágono preparado pelo Cyber Counterintelligence Assessments Branch. Ele descrevia um plano pormenorizado para destruir o sentimento de “confiança”, o qual é o “centro de gravidade” da WikiLeaks. Isto seria alcançado com ameaças de “revelação [e] processo criminal”. O silenciamento e criminalização de uma fonte tão rara de verdades era o objetivo, o enlamear era o método. Enquanto este escândalo continua a própria noção de justiça é diminuída, bem como a reputação da Suécia. O braço longo da América [sic] afeta todos nós.

Fonte: resistir.info

Fonte original: RT

John Pilger – Jornalista. Autor de livros como “O mundo nas mãos: o que os média não dizem sobre os novos donos do mundo”. Vencedor do prêmio “British Academy Television Richard Dimbleby Award”.

Destaque: Julian Assange, Foto de Andrew Winning, Reuters.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

 

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