Por Leandro Prazeres, do UOL, em Brasília
Com 27 anos de carreira no MPF (Ministério Público Federal), Raquel Dodge é a única mulher a disputar o posto mais alto da instituição neste ano. Conhecida pelas posições consideradas progressistas em relação a temas como drogas, aborto e Lei da Anistia, Dodge tem como sua principal promessa eleitoral a implantação de um sistema de “compliance” para monitorar as ações do MPF.
A eleição para a lista tríplice, que acontecerá no próximo dia 5, é uma das etapas do processo de escolha do PGR.
Dodge ganhou notoriedade em 2009 durante a condução da operação Caixa de Pandora, que desmantelou um esquema de corrupção no governo do Distrito Federal que ficou conhecido como mensalão do DEM e resultou na prisão e cassação do ex-governador do DF José Roberto Arruda.
Além de Raquel Dodge e Rodrigo Janot, participam da eleição para a lista com os três mais bem votados da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) os procuradores Mário Bonsaglia e Carlos Frederico Santos. O UOLenviou perguntas aos quatro candidatos, mas até o momento, só recebeu as respostas de Carlos Frederico e Raquel Dodge.
UOL – Desde a redemocratização, já tivemos ministras no STJ, STF e até uma presidente da República, mas ainda não tivemos uma procuradora-geral da República que não fosse interina. Por que a senhora acha que nenhuma mulher conseguiu chegar ao posto mais alto da instituição?
Raquel Dodge – A mulher tem, aos poucos, alcançado posições no serviço público de grande relevo no Brasil. Em cada lugar, seu esforço é imenso, porque precisa demonstrar cotidianamente, ao longo de muitos anos, que é realmente capaz. Também precisa superar resistências culturais que inibem sua participação […] A mulher que se dispõe a assumir funções públicas não se desfaz de todas as outras que lhe são atribuídas ou dela são esperadas em casa e na família. Em geral, o desenho das instituições não encoraja o trabalho das mulheres no serviço público. No Ministério Público Federal há um grande número de excelentes procuradoras da República, muito respeitadas pela qualidade do trabalho que fazem em matéria criminal, contra a corrupção e em defesa de direitos fundamentais. Muitas já concorreram ao cargo de procurador-geral da República e chegaram a compor a lista tríplice pelo voto de seus pares. Considerando isto, estamos realmente atrasados em relação a outras instituições públicas que compõem o sistema de administração de justiça, como o Supremo Tribunal Federal.
O julgamento do mensalão trouxe a sensação de que crimes de corrupção envolvendo agentes públicos diminuiriam na medida em que aquela foi a primeira vez que agentes políticos do alto escalão foram condenados e presos. A operação Lava Jato lança suspeitas sobre um número ainda maior de políticos. As medidas de combate à corrupção implementadas nos últimos 15 anos não estão dando resultado?
A sociedade brasileira não tolera mais a corrupção. Um ambiente de plenas liberdades democráticas favorece a liberdade de expressão e de crítica contra a corrupção e reclama mais eficiência dos órgãos encarregados de administração da justiça […] Precisamos de melhores resultados para que a aplicação do direito penal produza efeito inibitório em nosso país. As pessoas que corrompem precisam estar certas de que serão punidas para que parem de corromper. Outras precisam entender que é melhor não trilhar este caminho porque serão punidas. As medidas contra a corrupção estão no caminho certo porque estão combinando estes dois efeitos, o que aumenta a confiança da população no sistema de justiça.
A senhora é favorável à revisão da Lei da Anistia? Como a senhora avalia a postura do STF desfavorável à revisão da matéria? A senhora, se escolhida, faria gestões no sentido de levar à revisão da matéria?
Sou favorável à persecução penal dos crimes da ditadura. Alguns não estão abrangidos pela Lei da Anistia, porque são crimes permanentes ou foram praticados depois do período anistiado. Estes já estão sendo processados pelo Ministério Público Federal, em projeto que coordenei na 2a Câmara de Coordenação e Revisão do MPF e que está em sintonia com a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Gomes Lund versus Brasil (processo se refere a vítimas da Guerrilha do Araguaia), cuja sentença impõe ao Brasil o dever de investigar e punir os culpados.
A incidência da Lei da Anistia foi questionada no STF e sou favorável a uma manifestação da Corte sobre a incompatibilidade desta lei com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil.
A senhora acha que ao longo desses anos, houve preconceito em relação às mulheres? A senhora chegou a ser alvo de preconceito ao longo de sua carreira? Se sim, em que ocasião específica?
O preconceito contra as mulheres existe e se expressa em diferentes graus de intensidade, no serviço público, nas relações privadas e na vida doméstica. O assédio moral e o assédio sexual atingem muitas mulheres no ambiente de trabalho. A remuneração menor para mulheres que exercem a mesma função dos homens é um problema grave e é uma expressão de preconceito, assim como a violência doméstica que lesiona ou mata muitas mulheres diariamente no Brasil. É preciso estar atento a todas as formas de preconceito, porque em maior ou menor ele atinge todas nós, para afirmar a dignidade da mulher em seu ambiente de trabalho e cuidar de resolver estas questões com muita persistência.
Dados indicam que o MPF, assim como outros órgãos públicos ligados ao Poder Judiciário, pagam auxílio-moradia até a funcionários que têm casa própria. A senhora foi apontada no início do ano como uma das que receberiam esse benefício. A senhora continua a recebê-lo?
O atual procurador-geral da República determinou recentemente o pagamento desta verba com base na lei que a criou e em decisões do Conselho Nacional do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal. Recebo-a desde então. A verba tem natureza indenizatória e, por isso, repara o gasto com moradia em locais onerosos, nas condições especificadas em lei. A propriedade de imóvel próprio não exclui tal indenização, segundo a lei. Se não estivesse amparada em lei, esta verba não seria devida. A remuneração do membro do Ministério Público é acima da média nacional porque é de interesse público recrutar pessoas bem capacitadas para investigar e processar diariamente em juízo atos de corrupção, lavagem de dinheiro e outros graves crimes; promover a defesa do regime democrático e de direitos humanos, e de zelar por serviços de relevância pública que tenham qualidade.
A senhora é a favor do mandato de dois anos para a PGR?
O ideal seria um mandato de três anos, sem recondução.
Como considerar legítima a atuação do ou da PGR se sua indicação continua dependendo da indicação do presidente da República? A senhora é a favor de uma mudança no regime de indicação do ou da PGR? Que método a senhora preferia e por quê?
A escolha do Procurador-Geral da República pelo Presidente da República tem base constitucional: todo poder emana do povo. Aquele que foi eleito pelo voto popular escolhe, entre membros recrutados em concurso público e que preencham certos requisitos, o que chefiará o MPU, que exerce uma atribuição constitucional de elevada relevância. Esta foi a escolha feita pela Assembleia Constituinte na Constituição, que devemos respeitar.
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Destaque: subprocuradora-geral da República Raquel Dodge. Foto de Antonio Cruz, da Agência Brasil.