A Constituição, a par de lhes reconhecer o direito a uma existência diferenciada, outorgou aos próprios índios o direito a dizer em que consiste essa diferença. Às comunidades indígenas compete zelar pelo seu passado e eleger suas opções presentes e futuras. Sua autonomia é hoje inconteste”. (Procuradora Deborah Duprat – 6ª Câmara)
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Com o tema “Os desafios da educação escolar indígena no atual contexto”, a equipe sul da Bahia do Cimi Regional Leste, conjuntamente com professores e lideranças dos povos Tupinambá de Olivença e Pataxó Hã-Hã-Hãe realizaram o seminário dos professores do sul da Bahia. O evento ocorreu no período de 31 de julho a 01 de agosto de 2015 na Aldeia Acuípe de Baixo, território Tupinambá, município de Ilhéus e contou com a presença de mais de 100 pessoas.
A partir do tema, três eixos foram aprofundados: “Educação diferenciada?” abordado pelo Prof. Dr. José Valdir Jesus de Santana, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). “O perfil do professor indígena”, abordado pelo Prof. Astor Viera Júnior, da rede estadual de ensino com mestrado em Cultura, com atuação no Projeto de Monitoramento, Acompanhamento, Avaliação e Intervenção Pedagógica na Rede Estadual de Ensino do Estado da Bahia (PAIP), e atende parte das unidades escolares indígenas do Núcleo Regional 5. E o eixo “Entendendo o sistema educacional”, aprofundado pela Profª Rosilene Araujo Tuxá, Coordenadora de educação indígena da Secretaria Estadual de Educação, Os eixos foram abordados na mesa de abertura e nas mesas temáticas e aprofundados nos Grupos de Trabalho.
Na sexta feira à noite o Cimi apresentou uma profunda anaáise de conjuntura tendo como elemento de fundo a decisão anti indígena da segunda turma do Supremo Tribunal Federal, que descaracteriza o Artigo 231 da Constituição Federal (CF) através de uma reinterpretação radicalmente restritiva quanto ao conceito de terra tradicionalmente ocupada pelos povos. Essa reinterpretação legitima e legaliza as expulsões e as demais violações e violências cometidas contra os povos indígenas no Brasil, inclusive no passado recente, destacando-se as cometidas contra o povo Tupinambá de Olivença. A análise apresentada pelo missionário Haroldo Heleno, da equipe do Cimi no sul da Bahia, destacava três objetivos centrais da estratégia de ataques aos direitos dos povos indígenas: 1- Impedir o reconhecimento e a demarcação das terras tradicionais que continuam invadidas, na posse de não índios; 2- reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados; 3- Invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos povos.
Na sua análise Heleno destaca que a reversão destas decisões políticas somente podem ser alcançadas por meio de ações políticas contrapostas. A conjuntura exige incidência política imediata, direta e permanente e sem tréguas. A resistência e a luta dos povos, com o envolvimento orgânico de cada liderança, da sociedade e dos aliados no apoio aos mesmos a fim de que o Congresso Nacional rejeite as diversas medidas administrativas que ferem os direitos dos povos indígenas e não dê seguimento às demais iniciativas anti-indígenas, que o governo Dilma cumpra sua obrigação constitucional de demarcar as terras indígenas e que o Pleno do STF reverta as decisões tomadas no âmbito da sua 2ª Turma mostram-se ainda mais urgentes e necessárias.
Heleno terminou sua apresentação convocando as lideranças presentes e os aliados que ali estavam a uma mobilização permanente, em todos os níveis: iniciativa, coragem, empenho, abnegação, doação, formação profunda e permanente, e neste sentido este encontro de professores é de fundamental importância para que possamos fazer este processo de mobilização, formação e informação das comunidades para o enfrentamento a estes desafios.
Nos trabalhos em grupos viu-se a necessidades de os professores indígenas se mobilizarem na construção de uma escola indígena que tenha o rosto indígena e romper de vez com esta postura dos governos em impor uma “escola de fora para dentro”. Lembraram que a Constituição Federal e diversas Convenções e Leis Internacionais lhes garantem o direito da diversidade e das políticas diferenciadas, e que apesar de muitos avanços, frutos das suas lutas e mobilizações este direito a diferença ainda não é respeitado.
Numa reflexão mais para dentro, se viu a necessidade do fortalecimento da organização interna das comunidades e povos, da unidade das organizações indígenas na luta pelos seus direitos. Que os professores tenham claro qual o seu papel nesta luta pela garantia dos diretos. A necessidade da formação continuada, encarnada na realidade das comunidades; Interação da escola x comunidade x lideranças; Clareza dos objetivos a serem buscados; Força, ânimo e muita perseverança para o enfrentamento dos desafios não só no campo da educação escolar indígena; Necessidade de continuar promovendo encontros como estes e ampliando a discussão e articulação com outros povos. Viu-se a necessidade de potencializar as agendas já existentes e foi aprovada a articulação com outros movimentos sociais da região no sentido de garantir uma educação que venha atender as demandas e necessidades das comunidades do campo.
“Queremos uma escola que forme guerreiros conscientes de seus direitos e prontos para as lutas de nossas comunidades e não simples estudantes, simples professores, não podemos ser como os outros, pois assim não seremos “diferentes”, e para termos este direito de uma educação diferenciada, nós é que temos que fazer esta diferença acontecer”, afirmou uma liderança Tupinambá.
O encontro promovido pelo Cimi contou com a participação dos educadores e educadoras indígenas, lideranças tradicionais, representantes do MST, Teia dos Povos, Thydêwá, Universitários, Representantes da Secretaria Municipal de Educação de Ilhéus, Secretaria de Educação do Estado da Bahia, Fundação Nacional do Índio.
Ao final do encontro os participantes elaboraram uma carta [abaixo] para ser entregue às autoridades e para socializar com a sociedade nacional as graves violações que são cometidas contras as comunidades indígenas no sul da Bahia. Reafirmaram as reivindicações feitas à Presidenta Dilma Rousseff, em outubro de 2014, quando da realização da Mobilização Nacional dos Professores.
Todos saíram animados para a caminhada com o compromisso de continuar lutando por uma escola indígena que não se fecha entre quatro paredes, mas é construída em todos os momentos da vida comunitária em busca do “Bem Viver”.
Itabuna, 02 de agosto de 015
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CARTA DOS PROFESSORES INDÍGENAS DO SUL E EXTREMO SUL DA BAHIA
“É preciso resistir para Existir”
Reunidos nos Seminário de Educação Escolar Indígena no território Tupinambá os povos indígenas do sul da Bahia, no período de 31 de julho e 01 de agosto de 2015, refletimos o tema: “Os desafios da Educação Escolar Indígena no atual contexto” e abordamos os eixos: “Educação Diferenciada?”; “Perfil do Professor Indígena” e “Entendendo o Sistema Educacional”. Percebemos a enorme complexidade e os grandes desafios que são hoje colocados para as nossas comunidades no campo desta educação que tem que ser diferenciada e libertadora e para tanto foi reafirmada que a “educação é um direito, mas tem que ser do nosso jeito”.
Já na mesa de abertura foram levantados os graves desafios que os povos indígenas da Bahia encontram para garantir este direito diferenciado. Na análise de conjuntura feita na primeira noite do encontro as preocupações aumentaram ainda mais diante do quadro de ataques aos direitos dos povos indígenas capitaneado pelas forças anti-indígenas do País, e com o aval do Congresso Nacional e a conivência do governo brasileiro.
As reflexões nos levaram a repensarmos no fortalecimento das nossas organizações internas, no nosso papel enquanto educadores libertadores, na construção de uma “escola que queremos” e não uma escola que “recebemos do estado brasileiro”. Na necessidade de fortalecermos as nossas articulações externas com outros lutadores, mas, sobretudo entre nós mesmos. Na valorização da nossa cultura de nossos “guardiões dos saberes”,
Percebemos que apesar de termos garantido este direito a uma educação diferenciada na Carta Magna do País e até mesmo em convenções internacionais, a mesma não tem sido respeitada, a exemplo disto, são os diversos processos seletivos promovidos pelos governos estaduais e municipais e até mesmo pelo governo federal; as avalições das escolas indígenas onde os parâmetros e a dinâmica não respeitam as diferentes realidades e culturas.
Tiramos como encaminhamentos potencializar as agendas já existentes na região para o fortalecimento das lutas conjuntas a exemplo da Jornada Agroecológica; A Conferência Estadual de Política Indigenista. Nos comprometemos na realização de novos seminários agora de modo especifico para cada povo do sul e extremo sul da Bahia, para tantos os participantes se colocam como agentes multiplicadores dos conhecimentos aqui adquiridos; O agendamento de uma reunião com o Ministério Público Federal de Ilhéus para agilizar demandas da educação escolar indígena do conhecimento do MPF.
Lembramos que este seminário é fruto do Encontro Nacional dos Professores Indígenas do Brasil realizado em outubro de 2014, na cidade de Luziânia- Goiás, onde no mesmo, manifestamos a Excelentíssima Presidenta da República, Dilma Rousseff, as nossas indignações e exigências. Queremos aqui reafirmar todas as reivindicações ali apresentadas.
Animados pela nossa história e incentivados por parceiros e aliados desta luta, ousamos dizer que não queremos ser inclusos neste sistema, que continuamos sendo um “entrave” para o mesmo, pois não queremos ser incluso num sistema que “exclui”, queremos sim, construir o nosso Bem Viver. Queremos ter a nossa própria universidade, onde os nossos saberes serão de verdade respeitados e praticados, temos milhões de anos de história, não precisamos “aprender” com o Estado. Este é o nosso direito e por isto tem que ser de nosso jeito.
01 de agosto de 2015
Aldeia Acuípe de Baixo (Território Tupinambá de Olivença).
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Destaque: foto de Ricardo Sallum Freire.