Luana Lourenço – Repórter da Agência Brasil
O coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Pedro Dallari, rebateu ontem (10) críticas feitas por militares da reserva de que o trabalho do colegiado foi parcial, revanchista e não deu espaço à versão das Forças Armadas sobre os fatos apurados. Dallari fez a defesa após entregar o relatório final da comissão à presidenta Dilma Rousseff, nesta manhã.
Segundo Dallari, os militares tiveram oportunidade de falar quando foram convidados ou convocados a depor durante as investigações da comissão, mas, na maioria dos casos, recusaram-se a colaborar.
“A critica de que nós não teríamos ouvido [os militares] me parece não ter nenhum fundamento. Convocamos, abrimos para todos os que quisessem depor a possibilidade de depoimentos reservados. O que houve, de maneira objetiva, é que grande parte dos militares que compareceu preferiu ficar em silêncio, não falar, um direito que foi amplamente respeitado. Exercemos o direito de convocação, mas, uma vez presente, não pudemos obrigar ninguém a falar, a imprensa pôde registrar a recusa em falar”, afirmou.
O coordenador do grupo disse que o relacionamento entre a Comissão da Verdade e as Forças Armadas foi “adequado”, mas criticou o conteúdo das informações prestadas pelos militares para os trabalhos do colegiado.
“Não misturamos as coisas, tínhamos clareza da relação institucional de que, como órgão de Estado, tínhamos que ter um relacionamento adequado com as Forças Armadas, e tivemos. Mas isso não nos impediu, em nenhum momento, de ser críticos em relação à substância da contribuição”, ponderou. “Do ponto de vista do relacionamento, não há reparos – o que há é uma dificuldade de aceitar a substância das informações que recebemos”, acrescentou.
Segundo Dallari, a comissão é “cética” em relação a informações de que documentos buscados pelo grupo não existem mais e, por isso, não foram entregues. “Não temos nenhum indício claro dessa destruição [de documentos]. Em dois anos e sete meses de funcionamento da comissão, não apareceu ninguém que tenha nos dito, mesmo reservadamente, que participou, que viu essa destruição; portanto não acreditamos”. O coordenador citou o exemplo de prontuários médicos de vítimas de violações, que deveriam estar em hospitais, mas foram encontrados no arquivo pessoal do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici.
O relatório final da CNV, com 4,4 mil páginas divididas em três volumes, registra as atividades do colegiado durante os dois anos e sete meses de investigações, além de fatos apurados, conclusões e recomendações. Segundo Dallari, uma das conclusões mais importantes do documento é a confirmação de que as graves violações aos direitos humanos durante o período da ditadura militar foram praticadas de maneira sistemática e configuram crime contra a humanidade.
O relatório lista os 434 mortos e desaparecidos vítimas da ditadura militar e também aponta os nomes de 377 responsáveis pelas violações de direitos humanos no período, entre eles os cinco generais que foram presidentes da República entre 1964 e 1985.
Dallari disse que o trabalho da comissão foi intenso, mas reconheceu a frustração do grupo em não conseguir avançar na localização de restos mortais de desaparecidos da ditadura, principalmente os das vítimas envolvidas na Guerrilha do Araguaia. “É algo que lamentamos, mas temos expectativa de que isso evolua”, avaliou.
Ao entregar os três volumes do documento a Dilma, Dallari disse que o relatório será um instrumento importante para preservação da memória nacional. “Oferecemos a Vossa Excelência e ao país esse relatório com a firme convicção de que os fatos nele descritos não se repetirão nunca mais”.
Criada pela Lei 12.528/2011 e instalada em maio de 2012 para examinar e esclarecer violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, inclusive no período da ditadura militar (1964-1985), a comissão terá seus trabalhos encerrados no próximo dia 16. No relatório final, o grupo sugere a criação de um órgão público para dar continuidade às ações da CNV.
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