“Com certeza, Fortaleza é conhecida pelas belas praias, sol o ano todo e, infelizmente, pelo turismo sexual que propaga para o resto do mundo. E, por conta desses megaeventos, quando muitos turistas chegam à cidade, não se pode negar que se vendem, além das passagens, das hospedagens e dos passeios, os corpos das mulheres e das meninas”, diz a advogada
IHU On-Line – Conhecida como uma das 241 rotas do tráfico sexual de mulheres, Fortaleza, uma das cidades-sede da Copa do Mundo, não promove, “por parte do Poder Público, nenhuma força-tarefa que seja para o enfrentamento a essa questão e isso é muito cruel”, diz Daniella Alencar em entrevista à IHU On-Line por e-mail.
Segundo ela, “a preocupação do Poder Público hoje é enfeitar a cidade e tentar concluir o que não foi concluído no que diz respeito às obras físicas. (…) Não se vê na cidade uma campanha institucional para o enfrentamento da exploração sexual ou aliciamento de mulheres durante o período da copa”.
Ela acentua que, apesar de não haver uma prevenção em relação ao tráfico de mulheres, há uma preocupação social em torno da questão, “tendo em vista que o grande público que virá para assistir aos jogos da copa do mundo são homens. E aquele tripé desastroso que coloca a mulher como sendo meramente integrante dos desejos lascivos do homem (mulher, cerveja e futebol) passa a ser uma realidade”. E acrescenta: “Além disso, as cidades-sede passam por uma experiência de estado de exceção… Alguns regramentos sociais ficarão suspensos neste período, basta perceber que foi decretado feriado nas cidades em dias de jogos”.
Daniella Alencar é bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade de Fortaleza e militante feminista da Associação Frida Kahlo do Ceará. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a situação do tráfico de mulheres no Brasil? Quais são as rotas em que o tráfico é recorrente?
Daniella Alencar – O Tráfico de mulheres no Brasil é um crime cometido rotineiramente nos grandes centros, no entanto, a apuração da responsabilização ainda não conseguiu ser efetiva. O Brasil é signatário do Protocolo de Palermo de 2003, porém a nossa legislação penal somente considera o Tráfico para fins de exploração sexual, desconsiderando as outras modalidades. As rotas de destino mais recorrentes são as da Europa (Itália, Espanha, Holanda, Portugal).
IHU On-Line – Qual é o perfil das mulheres traficadas e sexualmente exploradas no Ceará e dos abusadores?
Daniella Alencar – Não existe um “perfil” de mulher que pode ser vítima de tráfico, isto porque, muitas vezes, as mulheres “compram” o sonho de uma vida melhor e caem na rede de exploração e do tráfico. Entretanto, podemos dizer que, na maioria das vezes, as mulheres que se encontram em situação de tráfico são as que têm menor poder aquisitivo, sobretudo as mulheres negras e as que já trabalham no mercado do sexo. Os abusadores, aliciadores, exploradores, também não se apresentam com um perfil fechado, pode ser o estrangeiro, o motorista de táxi, o segurança do hotel ou mesmo outra mulher que passou por uma situação de tráfico. É cruel dizer, mas, muitas vezes, a mulher vítima de tráfico, por naturalizar a violência que sofreu, se ilude em pensar que a situação que passou enquanto traficada era melhor do que a realidade que vivia no seu país.
IHU On-Line – Houve exploração sexual de mulheres e tráfico durante o processo de preparação da Copa, próximo às obras da Copa e durante a Copa das Confederações, nos estádios?
Daniella Alencar – Ainda não temos dados/números de quantas mulheres entraram ou foram aliciadas nesses períodos, porém, tendo em vista a visão mercantilista do corpo das mulheres, que só aumenta e é reproduzida diariamente, com certeza esse “legado” da copa nós já garantimos. Nas Copas da Alemanha e da África do Sul, algumas ONGs realizaram estudos que identificaram crescimento na exploração sexual e no tráfico de mulheres.
IHU On-Line – Há uma preocupação de que o tráfico de mulheres possa aumentar durante o mês da Copa do Mundo. Quais são as implicações da Copa para o tráfico e exploração de mulheres?
Daniella Alencar – Há sim uma preocupação, tendo em vista que o grande público que virá para assistir aos jogos da copa do mundo são homens. E aquele tripé desastroso que coloca a mulher como sendo meramente integrante dos desejos lascivos do homem (mulher, cerveja e futebol) passa a ser uma realidade. Além disso, as cidades-sede passam por uma experiência de estado de exceção. Alguns regramentos sociais ficarão suspensos neste período, basta perceber que foi decretado feriado nas cidades em dias de jogos.
IHU On-Line – Em recente entrevista à IHU On-Line, a professora Magnólia Said comentou que há diversas casas de prostituição em áreas nobres de Fortaleza. Percebe, nesse sentido, uma indução à exploração sexual na cidade e, especialmente, durante a Copa?
Daniella Alencar – Com certeza, Fortaleza é conhecida pelas belas praias, sol o ano todo e, infelizmente, pelo turismo sexual que propaga para o resto do mundo. E, por conta desses megaeventos, quando muitos turistas chegam à cidade, não se pode negar que se vendem, além das passagens, das hospedagens e dos passeios, os corpos das mulheres e das meninas.
IHU On-Line – Fortaleza é uma das 241 rotas de tráfico interno e internacional para fins de exploração sexual. Há uma tensão na cidade por conta da possibilidade de aumentar o tráfico de mulheres? Como essa questão tem sido tratada na cidade e no estado de modo geral?
Daniella Alencar – Bom, existem dois lados nesse questionamento. O Poder Público, tem tido uma postura tímida para o enfrentamento ao tráfico, especificamente no período da Copa. Não se vê na cidade uma campanha institucional para o enfrentamento da exploração sexual ou aliciamento de mulheres durante o período da copa. De outra parte, os movimentos de mulheres têm se empenhado em realizar debates, campanhas, vídeos, rodas de conversa com as mulheres no sentido de conscientização sobre a questão do tráfico e a exploração sexual.
IHU On-Line – Existem campanhas no Norte e Nordeste do país no sentido de chamar a atenção para os crimes de tráfico de mulheres e turismo sexual? Como o Estado do Ceará tem se organizado tendo em vista o fato de o tráfico e a exploração sexual poderem aumentar durante o período da Copa?
Daniella Alencar – Não se vê por parte do Poder Público nenhuma força-tarefa que seja para o enfrentamento a essa questão e isso é muito cruel. A preocupação do Poder Público hoje é enfeitar a cidade e tentar concluir o que não foi concluído no que diz respeito às obras físicas.