Leonardo Sakamoto
Cansei de criticar a poluição do ar em São Paulo. Percebi o quanto estava sendo injusto. Afinal de contas, ela é uma das únicas coisas realmente democráticas da minha querida cidade. Pois vai matando todo mundo, lentamente.
Já que ninguém se importou muito, até agora, com nosso modo de vida e as consequências de nosso modelo de desenvolvimento, por que vou insistir nisso neste blog miserável? Devemos, sim, comemorar a ampliação de políticas para fomentar a produção e comercialização de automóveis como forma de manter a economia aquecida e os empregos garantidos. Carbono, enxofre, chumbo? Besteira! É invenção do governo/oposição/estrangeiros/aliens para nos manter subdesenvolvidos.
Qualquer ameba em coma saber que somos reféns de um modelo de transporte atrasado. Seja porque o poder público (com nossa anuência e apoio de montadoras e empreiteiras) manteve, por muito tempo, o foco no transporte individual em detrimento a investimentos pesados no coletivo, criando uma massa que acha que civilidade é ter um carro bom e não uma boa rede de trens, trams e ônibus. Seja porque criamos um sistema econômico que se tornou deles dependente.
“Direitos de quem anda de ônibus, trem e metrô devem ser os mesmos de quem anda de carro, japonês comunista!”
Isso, paulistanada maluca! Continue enchendo os pulmões para gritar que o seu carro é mais importante do que qualquer outra coisa, que sem ele vocês não são nada, que ele é a razão de sua existência. Só cuidado para, ao tomar fôlego, não respirar muito fundo no inverno…
Segundo reportagem da Folha de S.Paulo deste domingo (1), a Organização Mundial de Saúde definiu como aconselhável a população ter contato uma concentração de partículas inaláveis de até 20 microgramas por metro cúbico de ar por ano. Em Sampa, o índice atribuído foi de 35 microgramas. Esse tipo de poluente não faz nada de mal, não. Só ajuda a reduzir a expectativa de vida e no surgimento de câncer. Mas quem quer viver muito?
Fazendo porcos cálculos, resolvemos o problema mudando nosso estilo de vida ou deixando de respirar durante 157 dias no ano para ficar dentro da média da OMS.
Os veículos movidos a combustíveis poluentes – o que inclui também ônibus que deveriam operar com combustível mais limpo – têm uma boa parcela de culpa na história.
Triste é saber que uma grande parte da população anda de transporte público. E, por opção, necessidade e falta de recursos, teve menos responsabilidade que outros por levantar o horizonte e colori-lo de marrom. E mais triste ainda que, enquanto os filhos dos mais ricos nem bem chegam e já são atendidos em PS de hospitais para uma inalação, os dos mais pobres terão que enfrentar fila. Sem contar que a expectativa de vida de quem é diagnosticado com câncer no pulmão é diretamente proporcional ao tipo de tratamento que se tem ace$$o.
Mas, no fim, a poluição ajuda a encaixotar todos nós. Considerando que, por enquanto, o ar ainda é de graça, reconforta saber que a poluição vai matar lentamente ricos e pobres, brancos, negros, indígenas, héteros, gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, mocinhos e bandidos, mauricinhos, descolados, vilamadalenizados, a galera do hip hop, brasileiros e estrangeiros, patrões e empregados, letrados e iletrados, palmeirenses, corinthianos, sãopaulinos e os compadres da Portuguesa, prostitutas e “santas”, jornalistas e “homens e mulheres de bem”, o pessoal que prefere Toddy, os que gostam de Nescau e aqueles que não abrem mão do Ovomaltine, os que preferem Machado de Assis e os que não abrem mão de Guimarães Rosa.
E isso deve ser celebrado! Se a vida em São Paulo não é democrática, com uns poluindo mais do que outros e ganhando dinheiro com isso, pelo menos, a morte, é.