Os 10 anos do Massacre de Avellaneda na Argentina

No dia 26 de junho de 2002, Maximiliano Kosteki e Darío Santillán, dois jovens militantes do Movimento de Trabalhadores Desempregados foram assassinados pela polícia da província de Buenos Aires enquanto participavam, com outras organizações sociais e movimentos “piqueteros”, de um protesto. Documentário “A crise causou duas novas mortes”, do jornalista Patricio Escobar e do cineasta Damián Finvard, mostra como os meios de comunicação manipularam o episódio para favorecer a versão do governo Duhalde

Francisco Luque – Buenos Aires

Buenos Aires – No dia 26 de junho de 2002, Maximiliano Kosteki e Darío Santillán, dois jovens militantes do Movimento de Trabalhadores Desempregados (MTD) foram assassinados pela polícia da província de Buenos Aires enquanto participavam, com outras organizações sociais e movimentos “piqueteros”, de um protesto com o fechamento de uma ponte ao sul da Capital Federal. Tinham se passado poucos meses da mobilização e do levante popular que culminou com a saída do presidente Fernando de la Rúa, e a emergência social não estava solucionada. Kosteki e Santillán, com outros lutadores sociais reivindicavam do governo do então presidente Eduardo Duhalde melhorias trabalhistas e programas alimentares, quando encontraram a morte.

As imagens são eloquentes. Santillán, de 21 anos, tenta ajudar seu companheiro Maxi, de 25, que agoniza vítima dos disparos efetuados pela polícia no interior da Estação de Trens de Avellaneda. Ao aproximarem-se, três policiais dispararam nas suas costas. Santillán cai ferido a poucos metros. Os canais de televisão, ao vivo, transmitem a cena e mostram como os policiais, os mesmos que haviam disparado impiedosamente, arrastavam os jovens moribundos, deixando um rastro de sangue no chão da estação. Um policial posa junto ao cadáver de Darío Santillán, enquanto as câmeras captam como seu corpo e o de Maximiliano Kosteki são levados à caminhoneta policial rumo ao necrotério.

A repressão policial, naquela tarde de junho, deixou 33 feridos e dois jovens militantes mortos, e foi o estopim para que o presidente Duhalde adiantasse as eleições que Néstor Kirchner ganharia meses depois.

O “Massacre de Avellaneda”, como ficou conhecido o episódio, que desencadeou a manifestação piquetera do dia 26 de junho de 2002, estabeleceu não só um momento chave para a história social e política da Argentina, mas foi também a demonstração empírica de como alguns meios de comunicação tergiversam a realidade para legitimar o discurso oficial, independente da verdade.

Haviam se passado apenas seis meses da renúncia do ex-presidente Fernando de la Rúa, acompanhada de um banho de sangue. A instabilidade política era o signo da etapa. A feroz crise econômica havia dado luz à tão efêmera, quanto chamativa, solidariedade entre “piquetes e caçarolas”. Isto é, entre uma classe média empobrecida, despojada de sua poupança, e setores populares dizimados, com cifras siderais de desemprego e salários de fome, como afirmou o colunista Mario Wainfeld.

“A crise causou duas mortes”, foi a manchete do jornal Clarín na manhã seguinte, deixando de lado a análise que apontava como responsáveis dos assassinatos a polícia da província de Buenos Aires. “Ainda não se sabe quem disparou nos piqueteros”, dizia a da reportagem.

O contexto social no qual se deu este protesto social é particular. Tratava-se de um momento extremamente complexo para o poder, de unificação dos movimentos sociais e isso chamava a atenção do governo e dos meios de comunicação que deram atenção àquela marcha, alertando sobre “a periculosidade dos manifestantes”. O próprio Duhalde e seus funcionários insistiam, dias antes do massacre, com a “possível ação subversiva” e a “violência piquetera que havia aumentado” e mencionavam que os piqueteros vinham armados potencializando a ideia de um “protesto perigoso para a sociedade”.

Este correlato pode ser visto claramente no estupendo documentário “A crise causou duas novas mortes”, do jornalista Patricio Escobar e do cineasta Damián Finvarb que mostra como os meios de comunicação manipularam a informação com o objetivo de fazer visível a versão oficial. Neste sentido, a mídia tomou uma linha em consonância com a do governo, baseada no perigo que gerava o protesto legitimando um pedido de “controle e ordem”. Este foi o sentido utilizado pelos meios de comunicação para cobrir o massacre.

Dois dias depois do assassinato, 28 de junho, os jornais publicaram uma sequência de fotos nas quais se vê a execução de Santillán e Kosteki por parte da polícia. Pelo fato, em 2006, foram condenados à prisão perpétua o ex-delegado Luis Fanchiotti e o ex-cabo Alejandro Acosta. Mais sete policiais receberam penas mínimas e já foram liberados. Sobre as responsabilidades políticas nunca se avançou.

Passados 10 anos do massacre, diversas organizações sociais e políticas realizaram, desde as primeiras horas da madrugada de hoje, uma vigília na base da Ponte Pueyrredón e na estação de Trens de Avellaneda. A vigília foi precedida por uma emotiva marcha de tochas da Estação Avellaneda – que em breve mudará seu nome e receberá o de Darío e Maxi em homenagem aos dois jovens assassinados – até a Ponte Pueyrredón, da qual participaram mais de duas mil pessoas.

Durante o ato central, Alberto Santillán, pai de Darío, e Vanina Kosteki, irmã de Maxi, exigiram “prisão efetiva para os responsáveis materiais”, em referência a Fanchiotti e Acosta, e estendeu o pedido para os “autores intelectuais do assassinato”, com o ex-presidente Eduardo Duhalde na cabeça. “Passam os anos e continuamos nos organizando nos bairros, eles continuam vivos em cada uma de nossas organizações”, reivindicaram os movimentos presentes.

Dez anos depois do assassinato de Maximiliano Kosteki e Darío Santillán, a luta por uma Argentina mais justa continua latente.

Tradução: Libório Junior

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20478

Enviada por José Carlos.

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