Empresa terceirizada é acusada de ocultar dados dos pesquisadores da região e de causar a morte de milhares de filhotes ao fazer manejo inadequado no Tabuleiro do Embaubal
O Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) abriu mais uma investigação sobre a Norte Energia, responsável pelas obras de Belo Monte, por causa de denúncias de imperícia de uma empresa subcontratada, a Biota Soluções Ambientais, que teria causado a morte de milhares de filhotes de tartaruga no Tabuleiro do Embaubal, conjunto de praias sazonais do rio Xingu, entre os municípios de Vitória do Xingu e Senador José Porfírio. O Tabuleiro é considerado a maior área de reprodução da espécie tartaruga amazônica (podocnemis expansa).
A Biota deveria garantir o manejo correto dos ninhos de tartaruga evitando as ameaças – causadas por fatores naturais ou por atividade humana – mitigando os impactos das obras de Belo Monte e salvando os filhotes ameaçados para garantir a reprodução da espécie. Em vez disso, está sendo acusada pelo professor Juarez Pezzuti, da Universidade Federal do Pará, um dos maiores especialistas do país em tartarugas amazônicas, de ter causado a morte de milhares de filhotes por total desconhecimento sobre os métodos de manejo adequados no Tabuleiro.
A Biota atuou em 2011 como parte das condicionantes de Belo Monte e a expectativa dos pesquisadores e técnicos que anualmente acompanham o manejo das tartarugas na época da reprodução era de que a temporada seria uma das melhores, com a contratação de ajudantes, locação de lanchas e combustível para o trabalho. “Mas nos deparamos com uma equipe agindo independentemente, recusando-se a interagir e negando-se a fornecer informações indispensáveis para o andamento do próprio manejo, alegando que tinha obrigação contratual de manter absoluto sigilo sobre suas atividades e reportando-se única e exclusivamente à sua contratante, a Norte Energia”, diz a denúncia assinada por Pezzuti.
Mortandade
Todos os anos, mais de um milhão de ovos de tartaruga são depositados no Tabuleiro do Embaubal na época de reprodução. Mas a ocupação desordenada das praias, o desmatamento, a intensa atividade predatória – sobretudo de urubus – e o alagamento dos ninhos com a subida da maré do rio provocam a morte de um percentual expressivo desses filhotes.
O equilíbrio na população de tartarugas tem importância vital para o ecossistema da região e sua diversidade biológica, assim como para a manutenção do padrão alimentar das populações ribeirinhas do rio Xingu. Por isso, durante 30 anos, o antigo IBDF, posteriormente o Ibama, o Programa Quelônios da Amazônia e depois a prefeitura de Senador José Porfírio foram responsáveis pelo manejo no Tabuleiro, identificando os ninhos e salvando os filhotes ameaçados.
O trabalho é delicado e exige precisão e conhecimento da espécie: os filhotes que estão em ninhos na área mais baixa das praias precisam ser retirados com rapidez, antes da subida da maré do Xingu, assim como aqueles mais sujeitos ao ataque de urubus. Técnicos e pesquisadores precisam percorrer as praias cautelosamente, para evitar que o terreno se torne muito compacto e impeça as tartaruguinhas de saírem dos ninhos.
Com o início das obras de Belo Monte e o impacto crítico que o empreendimento terá sobre as populações de quelônios, o monitoramento desse animais tornou-se objeto de seis condicionantes impostas pelo Ibama e, a partir de 2011, o manejo deveria contar com o apoio da Norte Energia S.A, através da subcontratada, a Biota. E de acordo com as denúncias investigadas pelo MPF, a imperícia da empresa teria causado o dobro de mortes de filhotes por predação de urubus: foram 5 mil em 2010 e 10 mil e 2011.
Além disso, procurados pela prefeitura de Senador José Porfírio, os técnicos da Biota se recusaram a fornecer qualquer informação sobre a temporada de desova, alegando contrato de sigilo com a Norte Energia. “Em suma, ao invés da prefeitura poder contar com o justo apoio do empreendedor, determinado no âmbito do próprio licenciamento e considerando a intensificação da pressão sobre as tartarugas em decorrência do próprio empreendimento, esta se depara com um braço do empreendedor agindo a seu bel prazer, administrando por conta própria um patrimônio natural como o Tabuleiro do Embaubal”, diz a denúncia de Pezzuti.
Fiscalização
Além da investigação sobre o manejo da reprodução nas praias do Embaubal, o MPF também acompanha a fiscalização dos órgãos ambientais contra a captura ilegal das tartarugas, que alcançam valor comercial maior justamente no período de reprodução, porque os ovos são apreciados como iguaria culinária na região amazônica. A fiscalização percorrerá as praias que formam o Tabuleiro em caráter permanente na próxima temporada de reprodução.
Em acordo assinado no último dia 13 de junho, Ibama e Secretaria de Meio Ambiente do Pará, com apoio da Secretária de Meio Ambiente do município de Senador José Porfírio, concordaram em permanecer no Tabuleiro entre os meses de julho de 2012 e janeiro de 2013. Pelo acordo, a Sema será responsável por fiscalizar a captura ilegal de quelônios nos meses de julho, setembro e novembro e o Ibama fiscalizará nos meses de agosto, outubro e dezembro.