Segundo o Ministério da Saúde, entre 1994 e 2007 a taxa de cesarianas aumentou em 44%. Um dos motivos que justificariam essa elevação seria uma maior proporção de partos de alto risco. O que mudou? São as mulheres brasileiras que têm gestações mais débeis ou a lógica do sistema de saúde, leia-se remuneração de médicos e hospitais, reorganiza o comportamento de obstetras e gestantes no Brasil? O artigo é de Glauber Piva.
Glauber Piva (*)
Nas últimas semanas o Fantástico apresentou o debate sobre parto domiciliar. Médicos, parteiras, pais e mães opinaram e a violência dos poderes constituídos veio à tona: o CREMERJ – Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro – decidiu denunciar Jorge Kuhn, que se define como “médico parteiro e também ginecologista”, por ter se manifestado em favor do parto humanizado domiciliar. A resposta veio por meio de mulheres e homens de todo o país que defendem o direito das gestantes de decidir sobre onde querem ter seus filhos, desde que com pleno acesso ao atendimento e à informação. Abre-se, então, uma boa oportunidade para discutir o nascimento no Brasil, onde nascem 3 milhões de crianças por ano, sendo 2,2 milhões em hospitais públicos.
Há pelo menos 50 anos as taxas de cesariana vêm aumentando de maneira constante, tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento. Segundo dados da pesquisa Nascer no Brasil, liderada pelo Instituto Osvaldo Cruz e que contou com pesquisadores de diversas áreas da saúde, 46,6% dos nascimentos ocorrem via cesárea. Em 2007, no Sistema Público a taxa de cesárea foi de 35%, enquanto na Saúde Suplementar foi de 80%. Quanto maior a população inserida no sistema de saúde suplementar, maior é a taxa de cesariana. Ou seja, quanto maior a renda e maior o investimento em convênios médicos, mais cesáreas são feitas.
Segundo dados do Sinasc do Ministério da Saúde, entre 1994 e 2007 a taxa de cesarianas aumentou em 44%. Um dos motivos apresentados para justificar a elevação das taxas de cesariana tem sido uma maior proporção de partos de alto risco. O que mudou? São as mulheres brasileiras que têm gestações mais débeis ou a lógica do sistema de saúde, leia-se remuneração de médicos e hospitais e aumento do contingente sob atendimento privado, reorganiza o comportamento e a visão de mundo de obstetras e gestantes no Brasil?
É provável que o aumento de mulheres que tem optado pelo parto cirúrgico contribua significativamente para o aumento dessas taxas. mas não se pode ignorar que esse tipo de decisão, tem impacto na vida futura das crianças.
Há estudos, por exemplo, que indicam desvantagens nos padrões de saúde das crianças nascidas de cesárea prematura em relação aos nascidos de parto vaginal. Outros, apontam uma influência do tipo de parto no aleitamento materno na primeira hora de vida do recém-nascido. 22,4% das mães com parto normal iniciaram o aleitamento materno nesse período, enquanto apenas 5,8% das mães com parto cesariano. Certamente estes índices são derivados diretamente do tipo de procedimento adotado nos hospitais que, em nome de determinada assepsia, sacrificam o momento mais nobre do nascimento, que é o contato do bebê com a mãe logo ao nascer.
Quantas são as mulheres que, ao ultrapassarem as 12 semanas de gestação, já agendam suas cirurgias cesarianas? Será que elas imaginam que a humanidade chegou até aqui sempre a bordo de um Centro Cirúrgico? Qual é a relação que as cesáreas eletivas têm com a intensa campanha, velada e explícita, de marginalização do parto vaginal? Quantas foram as novelas e filmes, por exemplo, que retrataram a mãe de cesárea como aquela saída de um salão de beleza enquanto a mãe de parto normal parecia saída de um campo de concentração? E o pai? Qual o papel que o pai cumpre nisso tudo?
O caso do CREMERJ com o Dr. Jorge Kuhn é apenas parte desse grande debate. As mulheres e homens que se fortalecem em grupos pedindo respeito ao seu direito de escolha do local do parto e, portanto, de parir em casa se quiserem, estão promovendo uma luta contra-hegemônica, contra um sistema que não reconhece as gestantes como portadoras de direitos, mas como consumidoras de um serviço. As entidades de médicos, quando ameaçam punir os obstetras por delito de opinião, o fazem em nome de seus poderes constituídos e em nome de interesses corporativos, já que evitam um debate cientificamente fundamentado. A que parece, não querem perder o privilégio de arbitrarem sobre a vida e a morte.
Essa luta não é marginal ou irresponsável. Meu filho nasceu em casa após uma decisão consciente, suportada em muita informação, com acompanhamento de bons profissionais e a certeza de que não estávamos ofendendo a medicina, mas acreditando que seria o melhor para o bebê e para a mãe. Na verdade, essa batalha é mais uma forma de confirmar Paulo Leminski: “en la lucha de clases, todas las armas son buenas: piedras, noches, poemas”.
(*) Glauber Piva é sociólogo e pai do Théo, que nasceu em casa após 41,5 semanas de gestação.
Enviada por José Carlos.