Os impactos dos grandes empreendimentos são debatidos na Cúpula dos Povos

Encontro reuniu pesquisadores e atingidos pela TKCSA, Vale, MMX e Petrobras.

Viviane Tavares

O que a TKCSA, Vale, MMX, Petrobras têm em comum além de serem umas das maiores empresas que atuam no Brasil? O impacto negativo na vida de milhares de pessoas com os seus megaprojetos. Tema presente em diferentes atividades autogestionadas, plenárias e na primeira assembleia da Cúpula dos Povos na Rio+20, o assunto também foi discutido no debate ‘Os Grandes Empreendimentos e Seus Impactos Socioambientais e à Saúde: Os Casos TKCSA, Comperj e Porto do Açu’ no espaço Saúde, Ambiente e Sustentabilidade, na tenda Carmem Lúcia no dia 18 de junho.

Na ocasião, o morador de Santa Cruz e um dos líderes da articulação da população atingida Rodolfo Lobato apresentou uma publicação da empresa produzida para os trabalhadores da mesma para explicar o porquê das visitas do  Toxic Tour que aconteceram nos dias 16 e 17 de junho no local e em outros destinos impactados por estas construções como Magé, Duque de Caxias e Baía de Sepetiba. Entre os temas abordados no informe estavam a defesa de que as informações divulgadas pelo Toxic Tour eram erradas e que continham um radicalismo panfletário, além disso, eles explicaram ao público interno que a empresa tem trazido benefícios ao bairro de Santa Cruz com suas políticas sócio-ambientais como a educação de 2 mil jovens, o processo de reciclagem de gases, entre outros.

O que a publicação não disse foi o que a população estava achando e sentindo com a presença desta empresa no local onde moram e trabalham. No debate na Cúpula dos Povos, o morador e pescador da Baia de Sepetiba Jaci do Nascimento, mostrou o que aconteceu com sua rotina desde que a TKCSA chegou a seu bairro. “Não podemos levar o sustento para nossa casa. Antes desta empresa se instalar em Santa Cruz eu vivia da pesca, na qual conseguia em uma pescaria recolher três a quatro caixas de peixe. Hoje não consigo pegar peixe nem para o sustento da minha família. Além do mais, com o pouco que ainda tem, não tenho coragem de consumir por conta deste alto índice de poluição. Agora virei servente de pedreiro para conseguir uma renda familiar”, contou.

Este é um dos dramas de Santa Cruz que ainda tem que conviver com a queda de luz quase diária por conta da sobrecarga da empresa, dando prejuízos aos seus aparelhos eletrônicos, e com as substâncias tóxicas como silício, enxofre e manganês que têm sido emitidas pela siderúrgica prejudicando a saúde de muitos moradores.

Territórios diferentes, realidades iguais

Em São João da Barra, com a construção do Porto do Açu, da MMX do Grupo OGX e Vale,  os agricultores também sofreram impactos. Hoje cerca de 150 famílias foram desalojadas e apenas 16 foram reassentadas. Como muitas viviam da agricultura, grande parte destas famílias está desempregada. “Para que serve um desenvolvimento tão grande se impacta o homem e o campo”. Ele ainda fez um apelo: Peço que cada um de vocês lute pelo nosso país. Precisamos de respeito e se nos calarmos estaremos sendo culpados como eles”, suplicou.

Alexandre Anderson, pescador e presidente da Associação Homens do Mar (Homar), contabilizou que com a luta para proteger a Baia de Guanabara dos males ocorridos pelas obras do Comperj e do GNL, ambos da Petrobras, já perdeu dois companheiros assassinados, outro por suicídio e quatro estão desaparecidos. “As obras não estão totalmente licenciadas e, mais grave ainda, naquelas que o Governo do Estado concede licença, ele não confere se estão dentro dos padrões. Alexandre que é integrante do programa de proteção dos defensores dos direitos humanos denunciou que sua participação nos eventos da Cúpula dos Povos estava sendo dificultada por conta da falta de organização na escolta e que isso deveria ser investigado. “É muita coincidência esta falta de organização justamente nos dias em que eu preciso participar de eventos como este”, indagou.

O pesquisador da ENSP/Fiocruz Marcelo Firpo lembrou que o problema das grandes corporações não é isolado e que ele está presente em outros estados do Brasil, além de países da Ásia, África e América Latina. O pesquisador concluiu ainda que toda essa devastação dos territórios e da cultura popular se deve ao modelo econômico dos dias atuais baseado no produtivismo, extrativismo e mercantilismo. “Esse padrão de modelos de gestão ambiental envolve alianças estratégicas com a política, economia, pessoais, corporativos, especulação imobiliária, sempre em territórios com populações vulneráveis”, explicou.

Roberto Ferraz, do Fapesca, listou também uma série de construções que tem afetado a atividade da pesca artesanal como o programa de desenvolvimento de submarinos com propulsão nuclear na Ilha da Madeira, em Itaguaí, o emissário do Comperj em Itaipuaçu e os Polos Navais em Jaconé, ambos em Maricá. “Com esses projetos, a poluição vai aumentar, a pesca acabar e a paisagem sumir”, enumerou.

Relação público-privado

Fator que tem levantado grandes discussões em todo o evento é a relação entre o público e privado por meio de ações de responsabilidade sócio-ambiental e a política de incentivo fiscal, além da isenção de impostos. Na maior parte dos locais impactados, as corporações como a Vale, Petrobras e TKCSA cumprem funções que deveriam ser o papel do Estado como construção de escolas, hospitais, cursos profissionalizantes, entre outras. “No discurso da TKCSA eles falam que geraram 3 mil empregos e 2 mil vagas em escolas. E os 8 mil pescadores que estão sem trabalhar não entram na conta?”, indagou Jacir.

O pesquisador Marcelo Firpo lembrou ainda o processo de fragmentação dos licenciamentos que acarreta no aceleramento dos processos. ” Estamos convivendo com uma máquina terrível de aceleração de licenciamento ambiental e colocando em jogo a qualidade técnica e integridade moral dos servidores técnicos”, levantou.

Cultura popular e pesquisa científica

Alexandre Pessoa, professor e pesquisador da EPSJV/ Fiocruz, defendeu que o conhecimento dos trabalhadores tem que entrar nas universidades e nas pesquisas para que haja uma união do conhecimento popular com o científico. Marcelo Firmo defendeu ainda que a pesquisa dever ser parcial. “A relação da ciência não pode ser esta forma fria porque senão ela perde sua alma”, suplicou.

O presidente da Fiocurz, que estava presente na atividade, ressaltou que reconheceu o evento como um chamado para a academia estar sempre presente nesta discussões. “Queremos e devemos deixar que a produção acadêmica seja feita com liberdade e hoje estamos buscando formas legais para dar o suporte devido aos nossos pesquisadores”, afirmou.

Marcha Anti-Corporações

Fora TKCSA! A Vida não se vende, a vida se defende! Estes e muitos outros gritos ecoaram na marcha anti corporações que reuniu 5 mil pessoas de diversos movimentos como Via Campesina, Marcha Mundial das Mulheres, entre outros, no dia 19 de junho. Os manifestantes saíram do Aterro do Flamengo em direção à sede da Vale no Centro do Rio de Janeiro. No local, os participantes projetaram imagens no prédio da companhia, relembraram o título de pior empresa do mundo concedido à Vale no início deste ano pelo Public Eye e, por fim, jogaram ovos e tinta vermelha como forma de protesto no prédio da empresa. Outras duas marchas aconteceram no dia 20 de junho. Na parte da manhã a da Vila do Autódromo em protesto às remoções no local por conta dos mega eventos e, na parte da tarde, a Marcha Global dos Povos Contra a Mercantilização da Vida e em Defesa dos Bens Comuns no Centro do Rio de Janeiro.

 http://www.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=Noticia&Num=659

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