Silvana Bahia
A Rio+20 altera o cotidiano da cidade. O Riocentro e o Aterro do Flamengo – onde acontecem a conferência oficial e a Cúpula dos Povos, respectivamente – não são os únicos locais onde se discute as questões ambientais.
Na Maré e no Complexo do Alemão, em dois dias, foram realizadas atividades autogestionadas da Cúpula dos Povos com o tema: “A Favela na agenda dos Direitos Sociais e Ambientais”. Os encontros, organizados pelo Observatório de Favelas e instituições parceiras, reuniram pessoas de dentro e fora das favelas para discutir assuntos abordados na conferência oficial, trocar experiências e propor estratégias para garantir direitos sociais e ambientais nos espaços populares.
O sábado (16) no Galpão Bela Maré teve uma mesa formada pelos representantes das organizações que atuam em favelas em torno da Av. Brasil, – Jorge Luis Barbosa, do Observatório de Favelas; Alan Brum, do Instituto Raízes em Movimento; Edson Gomes, do Verdejar Socioambiental e Eliana Souza e Silva, da Redes da Maré – com o intuito de produzir um documento propositivo que foi apresentado na Plenária de convergência no eixo 1: “Direitos, por justiça social e ambiental”, na Cúpula dos Povos. O texto pontuou entre outras questões o direito à cidade em sua plenitude, com ênfase no direito à moradia.
O documento também recomenda que políticas públicas que assegurem condições urbanas plenas da vida social e modos de gestão ambiental que primem pela preservação e proteção ecológica desses territórios são necessárias, garantindo os direitos de habitar a cidade; além de investimentos no âmbito de políticas de geração de trabalho e renda que valorizem as experiências de organização e sociabilidade dos moradores de favelas; a implementação de políticas de segurança pública pautadas nos direitos humanos que tenham como princípio fundamental a valorização da vida dos moradores; valorização simbólica e material da pluralidade cultural das comunidades com investimentos na produção, difusão e socialização das ações artísticas e culturais das favelas no âmbito da cidade como um todo.
No evento da Maré, moradores da Vila Autódromo, na Zona Oeste, que estão resistindo à tentativa de remoção para a construção de um Parque Olímpico, também falaram sobre a incidência da Rio+20 nos espaços populares. Jane Nascimento, diretora social da Vila Autódromo, acredita que a conferência não traz mudanças diretamente positivas, porém é uma oportunidade para expressar opiniões. “A mudança nós é que vamos fazer, aproveitando a Rio+20 para colocar para fora o nosso direito de voz. Sabemos que talvez nem sejamos ouvidos pelas autoridades, mas pelo menos fica desmascarado que o papel que eles [governo] deveriam fazer pela população não é feito. Eles só trabalham em benefício do capital”, disse a diretora que vive há mais de vinte anos na Vila Autódromo.
Além dos representantes das organizações que participaram dos debates, outros grupos estiveram presentes, como o Coletivo Entre Sem Bater que exibiu um vídeo com moradores do morro da Providência, que terão suas casas demolidas pela Secretaria Municipal de Habitação para a construção de um teleférico. O Cine Clube Sem Tela, organizado por alunos da Escola Popular de Comunicação Crítica (ESPOCC) da Maré, exibiu o filme Ilha das Flores, seguido de um debate entre Luciana Meireles, da Retalhos Cariocas, Regina Tchelly, do Favela Orgânica e Robson Borges, da Cooperativa Eu Quero Liberdade. Todos atuam dentro e fora de favelas cariocas com iniciativas que tem o desenvolvimento sustentável como eixo das ações.
“Hoje todo mundo é eco”
Na continuação das atividades da Cúpula dos Povos nas favelas, na terça (19), foi a vez do Complexo do Alemão reunir ativistas, moradores e organizações da sociedade civil acerca do tema: “A favela como novo modelo de sociedade sustentável dentro da cidade insustentável”. Foram apresentadas experiências desenvolvidas nas favelas como estratégias para o desenvolvimento local sustentável.
Rafael Carvalho, do Verdejar Socioambiental, falou sobre o descaso com a Serra da Misericórdia, que corta 27 bairros da Zona Norte do Rio, e que a dimensão em relação à proteção ambiental devia ser mais efetiva e participativa. Por conta disso, em 2006, foi criado pelo Verdejar Socioambiental e pelo Instituto Raízes – organizações que atuam no Complexo do Alemão – um comitê gestor de desenvolvimento local da Serra da Misericórdia. O objetivo do comitê é ter diálogo melhor com o poder público sobre as questões ligadas ao desenvolvimento da Serra da Misericórdia e das comunidades em torno do maciço.
“A ideia é trazer todos os parceiros que possam contribuir de alguma forma para a construção de um plano de desenvolvimento sustentável efetivo do Complexo do Alemão. Para isso é fundamental que a sociedade civil participe desse processo. Em 2001 foi decretado que a Serra da Misericórdia é uma Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana. Depois, em 2010, foi nomeada como Parque Urbano da Serra da Misericórdia. Só que a ‘proteção’ nunca saiu do papel”, explicou Rafael Carvalho.
A Cooper Liberdade, que organizou a mostra Eco Periferia, também no Alemão, por meio de seu coordenador Robson Borges, apresentou as ações de coleta seletiva e o reaproveitamento do óleo de cozinha, que depois é transformado em material de limpeza. A iniciativa existe desde 2005, sendo formalizada em 2008, como cooperativa de reciclagem. Um de seus objetivos é buscar alternativas de inclusão de egressos do sistema prisional na sociedade, além de usar a educação ambiental como ferramenta para sensibilizar, informar e mobilizar os moradores de espaços populares para a destinação correta de resíduos.
Pautar assuntos como o desenvolvimento sustentável nas favelas é uma forma de trazer para estes territórios as discussões da conferência oficial como ponderou Melisanda Trentin, do Núcleo de Justiça Ambiental da Fase. “A Cúpula dos Povos é uma grande chance, não só para as favelas, mas também para outros grupos que estão fora desse eixo do discurso oficial que está colocado pela Rio+20. É o momento para trazer todo o trabalho que vem sendo feito há anos sobre o lugar da favela, sobre as soluções criativas que ela apresenta”, concluiu Melisanda.
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