A Fundação Nacional do Índio (Funai) deverá apresentar, dentro de um mês, o plano de extrusão da Terra Indígena Marãiwatsédé, no Mato Grosso. A informação foi dada pelo assessor da presidência da Funai, Aluizio Azanha, no último sábado, 16, durante o evento “Marãiwatsédé – A Terra é dos Xavante”, promovido pela Opan (Operação Amazônia Nativa), na Cúpula dos Povos – Rio+20. Além do assessor da Funai, participaram da mesa de discussões conduzida por Ivar Busatto, da Opan, o Cacique Xavante Damião Paridzané; o ator Marcos Palmeira; a procuradora Marcia Zollinger, do Ministério Público Federal de Mato Grosso; Marcio Astrini, do Greenpeace; e os antropólogos João Pacheco e Iara Ferraz.
Azanha ressaltou que a retirada dos posseiros será feita por partes, iniciando pelos ocupantes de grandes áreas, no oeste da terra indígena. “A operação é complexa como a de Raposa Serra do Sol (se referindo à retirada de arrozeiros da terra dos Yanomami, em Roraima) e temos de ter clareza dos passos que serão tomados”, explicou. “É preciso prever ainda ações de vigilância, para que os posseiros não retornem, e um plano de gestão para reocupação do território”.
O cacique Damião Paridzané disse não entender porque, 20 anos depois da Eco 92 (Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), quando a terra foi “devolvida” aos Xavante, eles ainda não têm a plena posse da terra e lembrou, emocionado, todo o sofrimento que o povo viveu, desde o contato, na década de 1950. “Fui criado dentro da terra indígena, nascido lá, antes do contato com o branco. Quando eu era pequeno, o branco foi tomando tudo, até o território. Fui na Eco 92 para conseguir um caminho para demarcar Marãiwatsédé. Vinte anos, e governo conseguiu só uma parte(…) O povo de Marãiwatsédé tem coragem. Se demorar, não vamos esperar vocês, vamos entrar e morrer pela nossa terra”, avisou.
Invadida há 20 anos, por criadores de gado e plantadores de soja, Marãiwatséde é considerada a terra indígena mais devastada da Amazônia. Durante a Eco 92, por pressão internacional, a empresa italiana Agip Petroli, que havia comprado a fazenda, se comprometeu a devolver o território aos indígenas. A terra ainda tinha pelo menos 90% da vegetação preservada, segundo o antropólogo João Pacheco. Apesar de homologada em 1998, diversas decisões judiciais permitiram a permanência dos posseiros até hoje e impediram a volta dos Xavante para a região de onde foram removidos pelo governo militar, em 1966, para dar lugar à agricultura.
Antropóloga Iara Ferraz, responsável pelo estudo de delimitação da terra Xavante, contou que a Funai criou um grupo de trabalho, ainda em 1992, para fazer a delimitação oficial da terra indígena, mas ela começou a ser fortemente invadida, com intuito de impedir o retorno dos índios. “Mesmo com a terra homologada, os Xavante não conseguiam voltar, a pressão era muito grande”. Só em 2004 eles começaram a retornar. Ficaram meses acampados na estrada, alguns velhos e crianças morreram nesse período. A justiça concedeu uma liminar e eles conseguiram entrar numa pequena faixa de terra. Hoje ocupam apenas 10% do território. O processo judicial dura 17 anos. No início deste mês a Justiça autorizou novamente a retirada de não índios de Marãiwatsédé.
João Pacheco propôs que o caso da remoção dos Xavante de Marãiwatsédé fosse levado à Comissão da Verdade, que abre os arquivos da ditadura para o esclarecimento dos fatos ocorridos na época. “A retirada dos Xavante de suas terras foi um crime praticado pelo Estado e deveria ser estudado dentro dos arquivos militares. Aconteceram coisas que determinaram o destino trágico desse povo, com participação direta das Forças Armadas. Deveria sair daqui uma proposta nessa direção”, sugeriu.
Entenda o caso – A Terra Indígena Marãiwatsédé está localizada na Amazônia Legal, entre os municípios de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Antes do primeiro contato com a população regional, por volta de 1957, os Xavante viviam nessa área de terra fértil, onde o Cerrado começa a dar vez à Floresta Amazônica.
Na década de 1960, a Agropecuária Suiá-Missú se instalou na região e iniciou a degradação do meio ambiente, o que reduziu drasticamente os meios de subsistência dos indígenas. Os Xavante acabaram confinados em uma pequena área alagadiça, expostos a inúmeras doenças, quando os dirigentes da fazenda Suiá-Missú articularam a transferência de toda a comunidade para a Terra Indígena São Marcos, ao sul do estado. Sem outra alternativa, eles aceitaram a imposição. Além da perda da terra em que nasceram, uma epidemia de sarampo atingiu o grupo. Aproximadamente 150 pessoas que pertenciam à comunidade de Marãiwatsédé faleceram.
Em 1980, a fazenda Suiá-Missu foi vendida para a empresa petrolífera italiana Agip. Durante a Conferência de Meio Ambiente realizada no Rio de Janeiro, a Eco 92, a Agip, pressionada por antropólogos brasileiros e italianos, e vendo que a fazenda não lhe dava os lucros devidos, resolveu devolver aos Xavante a terra que lhes pertencia. A partir daí a Funai iniciou os estudos de delimitação e demarcação da Terra Indígena, mas antes que pudesse ser regularizada, a área sofreu invasões em massa de posseiros, o que dificultou o retorno dos índios após a sua legalização.
Marãiwatsédé foi homologada em 1998, por decreto presidencial, mas enfrentou diversos recursos judiciais de manutenção de posse. Descontentes de estar em outras terras e após o sofrimento com a morte de diversos membros da comunidade, alguns indígenas começaram a retornar ao local de origem. Em 10 de agosto de 2004, entraram numa parte da Terra que representa apenas 10% do que têm direito.
Recursos judiciais, porém, continuavam impedindo que eles recuperassem o restante de suas terras. Os fazendeiros conseguiram liminar da Justiça, garantindo a permanência em terra indígena. Enquanto isso, promoviam o desmatamento para a agropecuária. Mesmo na parte que conseguiram ocupar, os índios enfrentam até hoje sérios problemas com fazendeiros, madeireiros e posseiros que, ao longo dos últimos 40 anos, ocupam as terras Xavante. Ameaças e provocações exigem que os indígenas mantenham vigilância constante e, para se protegerem, se concentrem numa única aldeia, o que não faz parte de sua cultura.
Em agosto de 2010, uma decisão unânime da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) de Mato Grosso, com Mandado de Intimação publicado no DOU de 22 de novembro de 2010, decidiu a favor dos índios Xavante, reconhecendo o direito deles à Terra Indígena (TI) Marãiwatsédé. A posse de todos os ocupantes não índios da TI foi considerada de má-fé, sobre bem imóvel da União.
Em julho de 2011, o Tribunal Regional Federal da 1º Região (TRF), em Brasília, garantiu a permanência das famílias de não índios que vivem na Terra Indígena Marãiwatséde. Este mês, junho de 2012, nova decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região revogou a decisão anterior do mesmo tribunal, autorizando a retirada dos invasores.
Funai na Rio+20 -No dia 21, às 14h, a Funai promoverá a Mesa de Diálogos: Terras Indígenas Marãiwatsédé (MT) e Cachoeira Seca (PA), onde deverão ser discutidas as situações das duas terras e Planos de Gestão que contribuam para a recuperação e manutenção dos territórios. O evento será realizado no Museu do Índio, localizado na Rua das Palmeiras, 55, Botafogo, Rio de Janeiro.
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