Os representantes dos povos mais antigos do Brasil e da América do Sul, levantaram sua voz no 9º Acampamento do Território Livre, organizado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, junto com outras entidades. Entre outro pontos, encontro defendeu o cumprimento pelo governo brasileiro da resolução 169, da Organização Internacionalo do Trabalho (OIT), que garante o direito de consulta, sobre qualquer iniciativa envolvendo reservas ou áreas indígenas.
Najar Tubino
Rio de Janeiro – No sábado, dia 16, na Cúpula dos Povos, no aterro do Flamengo, os representantes mais antigos do Brasil e da América do Sul, levantaram sua voz e demonstraram uma indignação única contra economia verde, desenvolvimento sustentável. Não se sabe ao certo quantos estavam na assembléia, no 9º Acampamento do Território Livre, organizado pela Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), junto com outras entidades.
Eram esperados 1200 indígenas no acampamento, a maioria instalada no Sambódromo. Mas os números cresceram. Certamente mais de 500 participaram da reunião, durante todo o dia, com mesas-redondas regionalizadas e painéis sobre diferentes temas. Os mais significativos: o cumprimento pelo governo brasileiro da resolução 169, da OIT, organismo ligado à ONU, que garante o direito de consulta, sobre qualquer iniciativa envolvendo reservas ou áreas indígenas.
Ela foi homologada em 1989, o governo brasileiro assinou anos depois, mas ainda não foi colocada em vigor. Recentemente 26 lideranças se reuniram com o ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, para participar das discussões junto com um grupo interministerial, que definirá a fórmula para se fazer a consulta livre . Nos próximos meses serão realizadas assembleias em vários pontos do país para discutir o modelo.
É preciso definir quem decide por uma comunidade, que dará o aval para realização de alguma grande obra, ou algo que interfira na vida da comunidade. É preciso transparência, diz uma liderança indígena. Uma mulher, por sinal, uma das muitas representantes que participaram da assembleia. Duas levantaram a tensão. A cacique Apoti, de Minas Gerais, carrega um peso muito maior, no cotidiano de ser guarani e não possuir terra. É uma não aldeiada.
– “Venho aqui para pedir socorro, porque índio sem aldeia não tem direito de falar que é índio. Nós estamos em Minas Gerais e não temos apoio de ninguém.”
Foram muitos depoimentos, 21 estavam inscritos no início da tarde. Nos intervalos as apresentações das comitivas da América do Sul – Colômbia, Bolívia, Equador, e ainda esperavam representantes das Guianas e do Suriname. O que fez mais barulho, Raoni, pela sua representatividade, por ser um líder mundialmente conhecido, andar sempre cercado de pessoas que querem fotografá-lo, ou jornalistas interessados em declarações. Chegaram a cercar a mesa da organização, na hora da sua manifestação feita na língua dos Kaiapós, traduzida por Megaron, outra liderança do Parque do Xingu.
-“Nós sempre vivemos no Brasil, nossos avós, nossos tataravós sempre viveram aqui sem problema. Todos conviviam juntos, sem problema.
Quando chegou homem branco aqui começaram os problemas. Chegaram às doenças, os pistoleiros, fazendeiros, a contaminação do rio. Eu queria ser mais novo para poder defender os povos indígenas e lutar contra isso. Vocês jovens tem que ser fortes, lutar, fazer documento e entregar ao governo. Governo tem que respeitar nós. Nós somos contra o que o governo está fazendo, barreira no rio, desmatamento. Sou contra tudo isso que está acontecendo com nós. Nós queremos o rio Xingu vivo”.
Um grupo de 15 guerreiros, algumas mulheres, levantaram, chegaram junto à mesa e dançaram e cantaram. Levantaram suas bordunas, de madeira vermelha. Uma pequena discussão transmitida por Megaron. “Não precisamos ficar discutindo o dia inteiro para fazer documento, os índios do norte do Mato Grosso já trouxeram o seu documento”, disse ele. São mais de uma dezena de povos, Trumai, Xicrin, Terena, Kaiabi, espalhados pelo Parque do Xingu e nas bordas, nas florestas dos rios Teles Pires, Tapajós e Xingu. O documento, na verdade, serve de modelo para qualquer povo indígena.
Os problemas são os mesmos: querem saúde e educação diferenciadas, continuação da demarcação de terras, fiscalização das áreas já reconhecidas. Mas eles enfatizaram:
-Nós recusamos qualquer iniciativa em reduzir terras indígenas. Repudiamos a PEC 215, que quer tirar da FUNAI a análise dos projetos que envolvem grandes obras. Somos contra projetos de mineração, energia que invadam a terra indígena. Também não queremos REDD (projeto que faz uma compensação para redução de áreas de desmatamento e degradadas, um dos assuntos da Rio+20).
Defenderam a paralisação de Belo Monte, a obra já tem cerca de oito mil trabalhadores no canteiro inicial. A diferença principal entre as reivindicações indígenas e as das categorias ou classes sociais do resto do mundo é muito simples: continuar existindo como povo, com identidade, terra, cultura. Claro que a realidade mostra o contrário. Estamos assistindo a extinção no Brasil de vários povos de uma maneira assustadora, tudo dentro da tecnologia moderna, em 3D. Marupiá Karajá, da Ilha do Bananal, no estado do Tocantins, deu um desabafo da situação do seu povo, que há décadas sobre interferência das populações vizinhas, invasão de terra e uso de pastagens.
-“Nós precisamos agir, mostrar para o mundo, aproveitando a Rio+20, que não estamos bem. O Brasil não está bem. Esta oportunidade não pode escapar. Não viemos aqui só para ficar falando. Viajei dois dias, com minha filha de dois anos, para chegar ao Rio de Janeiro. Em 2011, tivemos 12 suicídios de jovens de 14 a 19 anos na nossa aldeia, para uma população de dois mil índios. Nossos jovens entraram no mundo das drogas, do alcoolismo. Não vamos fazer mais um texto. Não podemos nos calar”.
No dia 20 de junho, na abertura oficial da Rio+20, as lideranças indígenas terão um encontro com o secretário geral da ONU, Base Moon. Querem colocar pelo menos um tópico no documento final da Conferência, que beneficie os povos indígenas, respeitem suas terras, sua cultura, sua educação diferenciada, mostrando sua discordância com o projeto da economia verde. Como explica Marcos Apurinã, coordenador geral da Coiab:
-“ A economia verde do jeito que está colocada é um perigo para nós. O nosso direito tem que ser respeitado. Não queremos projetos que a comunidade não pode decidir. Somos uma coletividade, queremos um modelo sustentável, de acordo com nossa cultura, nossas tradições ancestrais. Projetos de mineração e hidrelétrica repudiamos totalmente.
Ainda temos 67 povos indígenas vivendo isolados, temos que garantir o
direito de ir e vir deles. Queremos a demarcação e a fiscalização das terras. Precisamos de respeito. Somos minoria e não temos direito de fazer política”.
Com 180 povos de diferentes troncos lingüísticos – Tupi Guarani e Gê -, uma população superior a 300 mil pessoas, carregando a história ancestral desse país, e sendo tratada dessa forma. O Território Livre Indígena é mais um grito de um povo que está no limite de sua existência. Não é apenas uma carta de protesto.
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20368&boletim_id=1235&componente_id=20024