Xingu +23: liberando o Xingu

Vala aberta na ensecadeira

O dia começou ainda noite nesta sexta. Às 4h da manhã o acampamento do Xingu +23 na vila de Santo Antonio estava de pé, carregando os ônibus com picaretas, enxadas, pás, mudas de açaí, panelas, o resto do boi abatido na quarta, cruzes e tralhas. As 5h, a caravana se dirigiu para o canteiro de obras da ensecadeira de Belo Monte, barragem provisória que cortou o rio e que havia sido construída nos últimos dias a menos de 200 metros da comunidade.

O desembarque numa das vicinais da transamazônica se deu ainda no escuro, e no escuro, depois de uma caminhada acidentada pelas áreas cavocadas pela Norte Energia, os cerca de 300 manifestante chegaram no pé da ensecadeira.

A primeira ação foi mapear o terreno desmatado na beira do rio e iniciar o plantio das 500 mudas de açaí, recuperação simbólica da Área de Preservação Permanente (APP) destruída pela obra e ao mesmo tempo barreira de proteção contra eventuais ações de repressão da policia ou da Norte Energia.

Concomitantemente, boa parte dos visitantes munduruku e dos ativistas dos movimentos OcupaSampa e OcupaBelém começaram a abrir a vala na ensecadeira que deveria liberar, pelo menos um pouco, o Xingu em seu antigo curso. Muito se cantou e muito se suou. E nas margens altas da ensecadeira foram plantadas as cerca de 200 cruzes que simbolizaram as mortes já morridas, e as futuras, de sonhos e esperanças, que Belo Monte vitimará.

Cinco horas depois, a vala quase no nível do rio – cerca de dois metros de profundidade e 15 de comprimento -, os trabalhos pararam. John, ativista americano e especialista em formação de banners humanos, avisou que em 10 minutos um avião sobrevoaria o local para fazer imagens aéreas, e em pouco tempo transformou o grupo, deitado no chão, nos dizeres Pare Belo Monte.

Fotos sacadas do céu,  os últimos pedaços de terra e pedra foram retirados da vala e o Xingu começou a correr no pequeno corredor. Dezenas de homens e mulheres esgotados e suados não se contiveram e se atiraram no rio. Elio, o pescador expulso de Santo Antonio, braços erguidos, repetida de novo e de novo “Eu estou feliz.Eu estou tão feliz!”. Depois se abraçou longamente com a amiga Ana, e os dois choraram em silêncio.

Dias contados

Não longe dali, um pequeno grupo de Mundurukus cercava um rapaz novo, não mais de 25 anos, que, ajoelhado no chão, apertava contra a terra uma espécie de conduite negro e soprava a fumaça de seu cigarro longo. Reza forte, explicaram. Um dos mais poderosos pajés das aldeias munduruku. Ao enterrar a magia na terra, esta se estenderia nos subsolo feito cobra grande, e, em três dias, como um vórtice, sugaria e faria ruir tudo a sua volta. “Isto aqui está com os dias contados”, explicou um dos índios.

Missão cumprida, muito cansado mas muito feliz, por volta das 16h o grupo recarregou os ônibus e voltou para a vila de Santo Antonio, para finalizar, no dia seguinte, um encontro histórico para as comunidades afetadas por Belo Monte.

Fotos: Mitch Anderson, Verena Glass e Atossa Soltani

http://xingu-vivo.blogspot.com.br/

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