Aline Rochedo
Alexandre Anderson já sofreu vários atentados, viu companheiros serem assassinados, deixou de pescar para ser protegido por um programa de proteção a ameaçados de morte do governo federal. Apesar de não ter nascido numa família de pescadores, cresceu perto dessa realidade e se tornou pescador em 1998. “Eu me sinto um caiçara”, declara Alexandre. Em 2003, ajudou a organizar a atuação política dos pescadores, cada vez mais coagidos e esprimidos, sem lugar para pescar. Junto com outros companheiros, fundou a Associação Homens do Mar (Ahomar), que começou a denunciar que os grandes projetos na Baía de Guanabara, ligados à Petrobras, acabavam com a atividade pesqueira e tinham sérios impactos no meio ambiente. À medir pelo tamanho da reação, que resultou em dois assassinatos de militantes da Ahomar, a atuação de Alexandre e da Associação incomodou peixes grandes.
A Ahomar estará presente na Cúpula dos Povos para denunciar que este modelo de desenvolvimento colocado em prática na Baía de Guanabara não serve para os pescadores. Confira a entrevista com Alexandre Anderson, que abre a cobertura especial da EPSJV/Fiocruz na Cúpula dos Povos/Rio+20, sobre as diversas vozes de resistência que estarão presentes no evento.
Qual foi o contexto de criação da Associação Homens do Mar?
O Comperj [Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro] para nós pescadores da Baía de Guanabara se iniciou em 2000, com o vazamento na Baía de Guanabara. Logo após o vazamento, se intensificou a atividade na região. Verificamos que havia muitas embarcações fazendo prospecções, análises de solo, batimetria [medição de profundidade em mares e oceanos], sondagem – isso já estava atrapalhando a pesca. Na nossa atividade, no cotidiano do mar, verificamos que havia uma atividade intensa offshore. A partir de 2000, além do vazamento, nós sentimos o aumento do número de grandes embarcações. Antes de 2000 a área de praticagem, que abriga aquelas embarcações estacionadas que se vê da ponte, era menor e a partir do vazamento, aumentou. É uma área que está ocupada pelos navios, então ali não se pode pescar e é até difícil transitar por que há risco de colisão com a embarcação pequena do pescador. Então verificamos que havia uma relação. Os relatos de que o óleo de 2000 pode ter sido proposital têm fundamento porque foi um meio de expulsar o pescador de uma forma invisível para os olhos da mídia. Para nós, há uma relação. Impactou, causou uma perda, mas a gente se viu compelido a resistir. Em 2003 criamos a Associação Homens do Mar.
Antes essa organização política não existia?
Não existia. Na Baía de Guanabara existiam, na época, cinco colônias de pescadores. São as “Zs”: Z8 [Niterói e São Gonçalo], Z9 [Magé], Z10 [Ilha do Governador], Z11 [Ramos] e a antiga Z15, que era no Caju e fechou. Essas organizações não estavam atentas à questão ambiental e nem propriamente à questão social do pescador. Foi quando houve a fundação de outras associações, dentre elas a Homens do Mar, para suprir aquela deficiência de informações, necessidade de buscar o direito do pescador. Fomos obrigados a nos organizar e nos organizamos. Hoje, temos até sindicato, que é atuante, mas ainda não está totalmente instituído. Porque falta ainda um documento do Ministério do Trabalho, a carta sindical, para atuarmos dentro das empresas, porém já atuamos no mundo da pesca.
Onde a Homens do Mar atua?
Nós atuamos dentro do município de Caxias, em duas comunidades grandes de pescadores, Chacrinha e Sarapuí. Além de levar a questão da necessidade de lutar, nós levamos a necessidade de se documentar. Nós passamos a fazer mutirões para documentar o pescador que, na maioria das vezes, não tinha esses documentos que permitem a pesca emitidos pelo Ministério da Pesca e Aquicultura. Também nos mobilizamos para fazer a carteira de habilitação do pescador profissional, junto à Marinha. Isso dá toda a prerrogativa ao pescador de direito previdenciário, trabalhista, o pescador tem uma aposentadoria diferenciada mediante essa documentação. A Homens do Mar veio também para resguardar o direito dos pescadores no sentido do defeso [período em que a pesca é proibida para que as espécies se reproduzam]. O Ministério da Pesca criou empecilhos para o defeso. O pescador recebeu o defeso até 2007. A partir daí, passou-se a criar muitas barreiras para esse recebimento. Então, nós sentimos que havia um processo para desencorajar a pesca na Baía de Guanabara. Para desocupar, consequentemente. Porque você não pode pescar se não tem a documentação emitida. Começamos a verificar e divulgar isso, alertamos os pescadores nesse sentido e hoje somos uma associação que milita diretamente para promover um pensamento crítico sobre o que está acontecendo. Levantar e expor na mídia.
E quais são os problemas que vocês verificam na Baía de Guanabara depois da entrada da Petrobrás?
Através da pesquisa do mapa participativo, nós descobrimos que antes de 2000 ocupávamos 78% do espelho d´água da Baía de Guanabara para a atividade de pesca. Hoje, ocupamos apenas 12%. Estamos espremidos pescando em áreas assoreadas. Acreditamos que antes de 2000, de 22 a 23 mil famílias viviam da pesca, direta ou indiretamente na Baía de Guanabara. Hoje são entre seis a nove mil famílias que tentam sobreviver da pesca, direta ou indiretamente. Nós temos já dados concretos, antes de 2000, no mesmo local de pesca, capturávamos 400 quilos, com uma rede medindo 1,4 mil metros por cem metros. Hoje, não capturamos 20 quilos. Mesma quantidade de rede e mesmo local. É uma queda superior a 80% do índice de captura do pescado.
Em relação às espécies, mudou muito também?
Nós não temos mais o camarão cinza no costado. Antigamente, o camarão cinza vinha até a beira da praia e a gente capturava entre a costa até 1,5 mil metros mar adentro. Hoje, o camarão fica depois dessa barreira de 1,5 mil metros, em pouca quantidade e em época diferente. Nós conseguimos catalogar 28 espécies de peixes que desapareceram e, antes, eram abundantes. Estavam no centro da atividade econômica do pescador. Por exemplo, a canhanha desapareceu e era um peixe muito abundante na Baía de Guanabara, assim como o badejo, que agregava um valor muito importante. A palombeta ou folha de mangue desapareceu de vez. A arraia não existe mais. Só encontramos a arraia próximo à Região Oceânica. Pescadinha bicuda, sororoca, piraúna… Havia pescadores especializados na captura da piraúna e esse pescador desapareceu. Para citar alguns, são 28 espécies só de peixes, sem contar os crustáceos. E no caso de alguns peixes, mudou a época, diminuiu. Antes, a tainha tinha quatro meses de captura, hoje você não consegue um período de dois meses. E mudou a época, elas davam muito no começo do inverno até o começo da primavera, hoje elas só dão no início do verão.
Os peixes estão contaminados?
O Laboratório da PUC-RJ fez uma pesquisa no ano passado, que saiu nos jornais, mostrando que peixes da praia de Mauá, em Magé, peixes de Itaipu e de toda a região de São Gonçalo estão contaminados de metais pesados muito acima dos níveis toleráveis. Os peixes do Ipiranga mais ainda, pela proximidade da refinaria Reduc. Sendo que os peixes estavam contaminados com benzeno. Benzeno é uma substância que só tem dentro dos hidrocarbonetos o que prova que a Baía de Guanabara está saturada de tanto descarte de petróleo. Nós estamos comendo peixes contaminados, nos envenenando e envenenando talvez terceiros, porque temos que vender o peixe. Detalhe: os metais pesados não são eliminados pelo corpo. Vamos carregar os metais pesados até os últimos dias da nossa vida. É aglutinante, daqui a vinte anos vamos ter vinte vezes mais metais no nosso corpo do que aquela pessoa que não consome alimentos com metais pesados. É muito alarmante pela questão da saúde. Além da possibilidade mesmo de desastres não só ambientais, mas focais, locais através desses dutos que podem explodir, na refinaria pode haver explosão e ceifar vidas. Navios transportando gases dentro de uma área superpovoada? A Baía de Guanabara é uma enseada superpovoada.
E em relação ao episódio do vazamento, não houve compensação da empresa?
Multas que foram aplicadas para a Petrobrás, mas esses recursos se transformaram em material político, em asfalto em Caxias, em duas escolas secundárias no Rio de Janeiro, outra parte dos recursos das multas foi aplicada em educação ambiental que nunca alcançou a comunidade que foi atingida. A comunidade continua pobre, sem nenhuma infraestrutura, nem de estrada, colégio ou saúde.
A comunidade não pôde decidir para onde iria esse dinheiro da compensação que a Petrobrás teve que pagar?
Nós tentamos, houve uma grande discussão, mas não conseguimos. Nós temos uma ação que foi proposta pela Federação dos Pescadores na época, com 18 mil pescadores, que já está em fase de execução desde 2005 e a Petrobrás protela até hoje, mais de doze anos depois do desastre ainda não indenizou os pescadores. A Justiça mandou pagar em 2005, executou em última instância, mas a empresa protela usando de influência política e de mecanismos judiciais, se valendo de falhas jurídicas, que o grande capital sempre tem acesso. Nós não temos acesso às falhas jurídicas para nos defender. Se nós tivermos que ser despejados, vamos ser. Se tivermos que sair da área mediante ação judicial com auxílio de força policial, eles conseguem isso em 24 horas. Nossa ferramenta é a articulação do movimento.
De que forma vocês atuam?
A gente protesta tanto fisicamente, quando por via da Justiça, nós utilizamos muito a ferramenta do Ministério Público Federal. Temos duas ações civis públicas dentro do MPF, inclusive uma com sucesso. Tivemos um juiz federal de Magé que deferiu uma antecipação de cautela que obrigava a Petrobrás a pagar um salário mínimo para cada pescador ligado à Associação para o resto da vida enquanto a ação durasse. Era um meio de pressionar para que a ação terminasse. Se isso ocorresse na ação de 2000, teríamos recebido a indenização e o impacto nas nossas vidas teria sido amenizado. Não ia trazer o peixe de volta nem fazer o pescador pescar, mas ia amenizar. Só que não recebemos nada além de impacto.
Quais são os parceiros da Associação?
Além do Ministério Público, os movimentos sociais, os movimentos ambientalistas do bem – porque também existem aqueles movimentos ambientais que são cooptados e cooptáveis – e os movimentos de direitos humanos do bem, as universidades… A academia é um dos nossos maiores aliados. Não só nosso, mas como de outros pescadores de outras regiões, como em São João da Barra e Baía de Sepetiba agora. Então temos aliados como a Fiocruz, a UFRJ, a UERJ, que vai fazer um Censo da Pesca, começando por Magé. É um convênio entre a Associação Homens do Mar e a Faculdade de Educação da Baixada da UERJ. Vamos ver o quantitativo de pescadores por localidade, levantar a questão econômica e social e dentro disso vamos aplicar o mapa. Também vamos aplicar para aqueles que não são mais pescadores, para saber o que estão fazendo hoje, o motivo de abandono da pesca. É uma tentativa de medir tecnicamente o impacto que todo esse processo de industrialização da Baía de Guanabara está causando. O pescador artesanal é o verdadeiro medidor biológico da Baía de Guanabara. Se a Baía de Guanabara está indo bem, tem peixe na rede. O pescador sente a água boa, vem peixe, vem crustáceo. Se não vem, é porque a Baía de Guanabara está morrendo.
Você já sofreu uma série de atentados, companheiros seus também da Ahomar foram assassinados. Como você encara essa violência?
A Associação Homens do Mar veio para fazer a diferença. Não para fazer política, não para angariar votos, nenhum de nós é candidato. Éramos 11, dois foram mortos e eu já sofri seis atentados. Então, quer dizer, desse grupo dois foram mortos e nós ampliamos. Ao invés de recuarmos, avançamos porque ali seria uma sequência marcada, estavam matando e ameaçando sistematicamente. E deu para dar uma recuada, nossa organização afetou muito, refreou muito o processo de criminalização e o processo de ameaça que estava em curso na região de Magé, São Gonçalo e Caxias.
Como foi o primeiro atentado?
O primeiro assassinado seria eu. Sofri um atentado no dia 1º de maio de 2009, quando chegava de uma atividade de protesto à noite, juntamente com outros companheiros. Dois homens bem vestidos se aproximaram da sede da Ahomar, na beira da praia, e fizeram vários disparos contra mim. Eu fiquei refugiado em uma comunidade de pescadores na Ilha do Governador nesse período e fui fazer um R.O. [Registro de Ocorrência]. Não houve investigação e começamos a sofrer perseguição da polícia, da delegacia local. Mais à frente descobrimos que o delegado era chefe de parte da segurança da refinaria Reduc. Descobrimos que o batalhão aeromarítimo GAM [Grupamento Aéreo e Marítimo da Polícia Militar], que já atirou e jogou granada em pescadores, recebeu da Petrobrás duas lanchas, a reforma da sede do batalhão, que fica em Niterói, e um consultório médico. Vimos que o negócio era bem maior. Nesse período, eu já tinha sofrido o atentado e o Paulo, tesoureiro, tinha feito um R.O. na delegacia local sem saber quem estava na delegacia. Não era uma delegacia de policiais honestos e no dia 22 de maio mataram ele dentro de casa, na frente dos dois filhos menores. Revistaram a casa atrás de documentos da Ahomar antes de matar. Justamente essa data marcou uma vitória, quando conseguimos interditar o canteiro da Petrobrás em Mauá, via secretária de ambiente local. Em uma vistoria, encontraram 42 irregularidades. O suficiente para interditar são três irregularidades. Logo depois liberaram a obra novamente, com as mesmas irregularidades. Então começamos a perceber que o monstro era bem maior.
E o segundo assassinato?
As ameaças continuaram e em 2010 perdemos outro companheiro, o Márcio. Ele foi à sede da Petrobrás, durante uma manifestação, e protocolou um documento com nomes e fotos de grupos armados que faziam segurança das balsas e dos canteiros de obras da Petrobrás. No dia seguinte, ele foi assassinado em casa. A arma que usaram era de mesmo calibre da que matou o Paulo, calibre 40. A forma operante também idêntica. Homens a bordo de um carro chamando na porta de casa. Nesse segundo caso, foi morto na frente da mãe e da esposa. Ambas as famílias se refugiaram em local secreto. Não recebem ou receberam nenhum amparo do governo brasileiro, não têm proteção. Tiveram que vender as casas e os bens a qualquer preço e foram embora.
Você hoje recebe proteção?
Eu, depois de sofrer seis atentados, recebi a visita de uma equipe técnica federal do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos da Presidência da República, um programa novo que o Brasil tem que implantar por ser signatário de vários tratados e que é interessante porque não te tira do local. Permite que você fique no local de militância. Na teoria são vários subsídios, mas não na prática. A única coisa que eu tenho é uma escolta que é um convênio com a Polícia Militar local. O programa não permite que você trabalhe, eu não posso voltar a pescar, mas também não fornece nenhum subsídio econômico. Não investigam os casos, os atentados, as ameaças. É um programa que realmente tem muita falha, mas a gente sabe que ele é necessário. Eu tenho essa escolta há dois anos. No ano passado, fui alvo número um no Brasil pelo relatório da ONU como pessoa ameaçada em risco de vida. Na lista da Comissão Pastoral da Terra, dentre 1.862 ameaçados, eu e minha esposa saímos entre os 30 mais ameaçados do Brasil. Nossos filhos não moram com a gente. A partir desse programa, eu pude continuar o trabalho na Associação, mas de uma forma bem humilde. Eu poderia estar fazendo mais.
Como você avalia essa situação?
Na verdade, não há interesse do Estado brasileiro em manter um defensor. Eles fazem isso por conta de uma determinação da ONU porque eu estou me batendo contra uma empresa ligada ao Ministério de Minas e Energia. É o governo do Estado, via Inea [Instituto Estadual do Ambiente], que licencia. Na verdade, eu vivo uma incoerência. É o Estado que protege o Alexandre, mas é também o Estado que ameaça. A ministra dos Direitos Humanos poderia perguntar ao ministro Edson Lobão o porquê da Petrobrás estar fazendo isso e mandar parar. Mas não acontece. O cara que está lá fora [do prédio da EPSJV] talvez seja o mesmo que está tomando conta do canteiro da Petrobrás dando tiro para o alto espantando pescador. Talvez seja o mesmo que está na escolta que me protege para vir aqui falar sobre a verdadeira faceta da Petrobrás, a verdadeira faceta do governo do Estado. O mesmo que ameaça é o mesmo que protege.
Qual é a sua avaliação sobre a Rio + 20?
A conferência oficial Rio + 20 vai tentar provar ou dizer que é possível o processo de industrialização e desenvolvimento econômico em comum acordo com o meio ambiente e a sustentabilidade dos povos. Isso não deu certo em lugar nenhum no mundo. Dessa forma que está sendo aplicado e que eles vão conservar, vai ser desastroso. Está aí no acordo de Kyoto, os Estados Unidos se recusou a assinar. Prova que o interesse deles é aço, é carro, é mais poluição. A Rio + 20 vai ser a mesma coisa. Nós nos recusamos a entender que o que vai rolar na conferência oficial seja para o bem da população. Vamos participar da Cúpula dos Povos e queremos apresentar além das denúncias, propostas. Porque também temos propostas de como o desenvolvimento poder ser feito de uma maneira sustentável.
Quais são essas propostas?
Nas audiências públicas já apresentamos isso. Havia necessidade de lançar os dutos. Sim. Propusemos: ao invés de lançar dois quilômetros, lancem de 300 em 300 metros, permitindo que as embarcações façam a evolução e diminua a quantidade de rebocadores. Sabe o que foi falado? – e eu acredito que em todos os empreendimentos se fale a mesma coisa – “vamos perder dinheiro”. O importante para o grande capital é dinheiro. Não é conservar o meio ambiente nem conservar a tradição de uma comunidade. Nós temos projetos, não só críticas. Projeto de um píer que será o menos impactante possível. Porque nós temos ciência de que tudo isso vai acontecer. Com os Homens do Mar ou não. Com os pescadores de Sepetiba ou não. Com resistência ou não. O fim da Baía de Guanabara vai acontecer, mas que aconteça de uma maneira amena, menos dolorosa, menos veloz. Nosso trabalho é compensar ou tentar minimizar ao máximo o sofrimento das comunidades tradicionais. Essa é a nossa luta, esses são nossos projetos, de articulação política e elementos jurídicos que possibilitem o menor sofrimento possível. Porque sofrimento vai existir.
É uma tragédia anunciada?
Eles colocam a culpa na gente, dizem que há necessidade de fabricar mais roupas, mais objetos, tudo à base de hidrocarboneto. Sim, mais a culpa não é nossa, a culpa é deles que multiplicam e tornam tudo cada vez mais descartável. Porque não pode ao invés de ser um processo de industrialização, um processo de conscientização? Se hoje existem 25 refinarias no Brasil, elas talvez pudessem ser reduzidas à metade. Os poços que já estão perfurados seriam suficientes. Mas a questão financeira e o consumismo são maiores do que a questão humana, ninguém está preocupado com a vida humana não.
Como você vislumbra o futuro das famílias que vivem historicamente da pesca na Baía de Guanabara?
A pesca na Baía de Guanabara vem de pai para filho, que nascia praticamente dentro d´água, a esposa ajudava a fazer o manuseio do crustáceo, do peixe. Nós temos as marisqueiras, há poucas, mas ainda temos. O sentimento desses pescadores é de muita tristeza. Têm o dever de pai de pedir ao filho para não pescar. De incentivar o filho a procurar outro serviço, de se mudar para mais perto da capital para trabalhar. Porque a pesca não agrega mais ninguém. Tem pouco peixe e o espaço está menor. É natural que o jovem não se insira na pesca. É a cultura centenária dos caiçaras da Baía de Guanabara, que vem dos indígenas, que está morrendo. Além da questão social e econômica, estamos perdendo uma identidade cultural. É histórico, temos sambaquis que provam que nós consumimos peixes, mariscos, crustáceos na Baía de Guanabara desde tempos remotos. Um dos objetivos do projeto é manter um pouco disso, dando subsídios para esses homens antigos que carregam toda essa sabedoria ainda no mar, ainda na atividade. Nós vamos servir de museus vivos, mas eu quero continuar. Talvez eu não volte mais a pescar, talvez eu tenha que me mudar para outro país. Eu tenho ciência que a qualquer momento eu posso sair da luta ou na morte ou fugindo daqui.
Entrevista concedida à Maíra Mathias, Raquel Júnia e Viviane Tavares.
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