Parei de pescar

Alvaro Abreu

Dois homens foram presos por estarem pescando nas águas abrigadas do Lameirão. Tiveram as pernas algemadas e presas com correntes de aço a barras de ferro em alguma delegacia, um procedimento próprio aos elementos perigosos, agressivos e tendentes a se evadirem do local em que estejam confinados. Desempregados e sem dinheiro para a fiança, passaram vinte e seis horas presos e só foram soltos por ação de advogado interessado em atuar em favor de fracos e oprimidos.Tudo isso por conta de uma legislação em defesa do meio ambiente.

Li que outros três homens também foram presos pescando no canal de Vitória e que tiveram que pagar fiança para ir pra casa de mãos vazias. Também fiquei sabendo pela imprensa que é obrigatório ter carteirinha de pescador para pescar com vara de arremesso. Deve ser a lógica do pessoal da burocracia ambiental: se para dirigir é necessário tirar carteira de motorista, o pescador tem que ter autorização do governo para jogar a linha na água. Sem apelação.

As prisões tiveram grande repercussão na cidade, tendo inclusive gerado indignação entre amigos que comiam caranguejos nordestinos na noite de quinta-feira. A situação por aqui anda tão crítica que seria ótimo se a justiça ambiental fosse devidamente aplicada de forma generalizada, para muito além dos que pescam beré em águas de reserva. Posso assegurar que foi uma conversa bem produtiva e ecológica.

Houve quem pleiteasse cadeia para autoridade ambiental que autorizasse a implantação de empreendimentos que irão gerar impactos negativos importantes e irreversíveis. E também para pesquisadores, consultores e dirigentes de empresas e de organizações não governamentais que, regiamente pagas, produzam duvidosa fundamentação técnica para respaldar tais autorizações. Teve quem defendesse com veemência  a prisão inafiançável dos deputados e senadores que estão querendo aprovar o novo Código Florestal visando  garantir suporte legal para que crimes ambientais possam ser praticados impunemente em escala nacional.

Da minha parte, pedi algemas para todos aqueles que, no seu mais perfeito juízo, dissessem que pó preto é provocado pelas as obras de construção civil e pelos carros que circulam na cidade. Além disso, defendi algemas de aço para os responsáveis por campanhas de propaganda que disseminem falsas preocupações com o meio ambiente, sobretudo por parte das indústrias que poluem nossos ares e mares, diariamente. Houve também quem se lembrasse de pedir a demissão sumária de autoridades e juízes que anulassem multas aplicadas às empresas responsáveis por estragos ambientais relevantes que tenham sido devidamente constatados in loco.

Ainda bem que parei de pescar. Não sei explicar a razão, mas posso garantir que não foi por medo de ser preso, pena dos peixes ou qualquer outro motivo politicamente correto. Pescar foi das coisas que aprendi ainda bem pequeno com papai, em Marataízes, e sempre fiz isso com pessoas amigas em busca de diversão.

Também é bom que se saiba que já pesquei muito robalinho com camarão vivo nas águas do Lameirão. Com alguma dificuldade, chegava com o carro até a beira do mangue e pedia uma canoa emprestada. Era preciso encontrar quem pegasse as iscas com tarrafa de malha miudinha. Os camarões ficavam nadando dentro de um caçuá pendurado do lado de fora do barco. Quase sempre era peixe pequeno mas, vez por outra, perdia-se linha e anzol para peixes maiores e ganhava-se mais uma história de pescador. Isso, nos anos 60, dentro da mais perfeita legalidade, imagino eu.


*Escrita para A GAZETA.

Enviada por Oswaldo Sevá.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.