Por Gilberto Vieira*
“O que será que será (…) o que não tem vergonha nem nunca terá, o que não tem governo nem nunca terá, o que não tem juízo”
“Apesar de você, amanhã há de ser outro dia!” – Chico Buarque de Holanda
Devido às informações prestadas pelo desembargador Federal Souza Prudente, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ayres Britto, decidiu no último dia 31 de maio que o recurso formulado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) perdeu seu objeto, que reconsiderava decisão de suspensão do processo judicial sobre a Terra Indígena Marãiwatsédé – ou seja, a paralisação do procedimento de retirada dos invasores da área demarcada.
Souza Prudente reviu a decisão do desembargador Fagundes de Deus, ambos do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), e optou pela retomada do processo de retirada dos não-indígenas da terra indígena. Com a decisão, a Funai e o governo federal devem montar um plano de retirada dos não-índios da Terra Indígena Marãiwatsédé. Ainda cabe recurso, mas caso a medida seja adotada pelos invasores ela não suspende a decisão do desembargador Souza Prudente.
Para compreendermos o que isso significa, lembremos que após os trâmites das contestações judiciais, em fevereiro de 2007, o juiz da 5ª Vara da Justiça Federal José Pires da Cunha sentenciou a retirada de todos os invasores da Terra Indígena Marãiwatsédé, caracterizando a presença dos não índios como ocupação de má fé, além de determinar a recuperação das áreas degradadas da referida terra. Em outubro de 2010, a 5ª Turma do TRF-1, em Brasília, confirmou, por unanimidade, a decisão do juiz José Pires da Cunha.
Diante da morosidade na efetivação da decisão judicial, ou seja, a retirada dos invasores não indígenas, em 19 de junho de 2011 o juiz Federal Julier Sebastião da Silva, da 1ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso, determinou a remoção, em até 20 dias, das famílias de não-índios que vivem na Terra Indígena Marãiwatsédé. Contudo, em 1° de julho, o desembargador Fagundes de Deus suspendeu temporariamente este mandado de desocupação, acatando o pedido de defesa dos invasores sob o argumento de que algum acordo poderia ser feito envolvendo a ocupação da terra indígena. Este argumento e a suspensão tiveram por base a Lei nº 9.564, de 27 de junho de 2011, aprovada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso e sancionada pelo governador Silval Barbosa.
A Lei supostamente “autorizava” o governo estadual a realizar permuta com a União, através da Funai, entre a Terra Indígena Marãiwatsédé e o Parque Estadual do Araguaia. Esta proposta espúria foi juntada ao processo. Caso ela seguisse adiante, seria a segunda retirada do povo Xavante de Marãiwatsédé; a primeira ocorreu em 1966, poucos anos depois do contato dos indígenas com equipes do Serviço de Proteção ao Índio (SPI).
Por intermédio de vários documentos, os Xavante de Marãiwatsédé se manifestaram, de forma veemente, contrários a qualquer permuta, reiterando que estão em seu território tradicional, não estando dispostos a mais nada além de ver sua terra extrusada, com todos os invasores fora. Na defesa dos direitos dos Xavante, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com agravo regimental, solicitando reconsideração da decisão do desembargador Fagundes de Deus, apontada como inconstitucional e abusiva. A Funai também entrou com recurso dirigido ao ministro Ayres Britto. Este solicitou recentemente informações ao TRF-1. Em resposta, o desembargador Federal Souza Prudente, que sucedeu Fagundes de Deus na relatoria do processo, informou que reconsiderou a decisão, objeto do recurso do MPF, em 18 de maio de 2012 de modo a restabelecer o andamento regular do processo no tribunal.
Com o fim da suspensão do processo, objeto do recurso da Funai, o ministro Ayres Britto decidiu que o recurso da FUNAI perdeu o objeto, não cabendo mais julgamento. Consequentemente, a decisão colegiada do TRF-1 está mantida e pode ser executada. Na referida decisão, os desembargadores apontaram não haver dúvidas de que os Xavante de Marãiwatsédé foram despojados da posse de seu território ainda na década de 1960, quando o estado de Mato Grosso emitiu ilegalmente títulos de propriedade para não-índios; os supostos posseiros são na verdade invasores e as ações movidas por estes são meramente protelatórias. Num bom e popular português, para enrolar e ganhar tempo enquanto devastam as riquezas existentes na terra indígena, como já comprovado.
Foi para isso que a Lei 9.564/2011, aprovada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso, serviu: protelar o que não tem mais jeito, nem nunca terá. E o que não tem mais jeito é o inequívoco fato de que Marãiwatsédé foi e sempre será dos Xavante; este mesmo povo que, desde 2004, está de volta ao seu território após uma longa peregrinação.
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*Coordenador do Cimi Regional Mato Grosso
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6323&action=read