Informativo Triângulo: As transformações no bairro triângulo em Porto Velho

O Projeto Mapeamento social como instrumento de gestão territorial contra o desmatamento e a devastação consiste em fortalecer as formas nativas de uso dos recursos naturais através processos de diálogo e convergência entre pesquisadores acadêmicos e membros das comunidades e de movimentos sociais.

No caso deste informativo, a proposta foi acompanhar a situação do remanejamento emergencial de parte da população do bairro Triângulo, no centro da capital do Estado de Rondônia, Porto Velho. Após o enchimento do lago da barragem de Santo Antônio, a abertura das comportas, no dia 23 de janeiro de 2012, provocou uma movimentação irregular nas águas do rio Madeira, produzindo socavação e o desbarrancamento de cerca de 7 km à jusante do eixo da barragem, afetando diretamente o Bairro Triângulo, 5 km à jusante do eixo da barragem (documento SA). Cerca de, 115 moradias foram afetadas pelo processo erosivo e as famílias encaminhadas para hotéis e pousadas na cidade de Porto Velho. Realizamos entrevistas com moradores deslocados e remanescentes foram direcionadas para registrar como era seu modo de vida e quais suas impressões acerca do incidente que levou ao despejo forçado de centenas de pessoas. O Consórcio SAE assumiu parcialmente sua responsabilidade, mas somente após a efetivação de um TAC intermediado pelo MPE.

Foto: Merril, Dana. 1909. Início do bairro Triângulo.

O Bairro do Triângulo formou-se inicialmente de uma população que de alguma forma relacionava-se com a Estrada de Ferro Madeira Mamoré – EFMM, no início do século XIX. Tratava-se de trabalhadores da ferrovia, comerciantes e seringueiros. Um dos primeiros bairros da cidade de Porto Velho, recebe esse nome em virtude de um “triângulo de retorno” das locomotivas da Ferrovia. Seus moradores estabeleceram no decorrer dos anos uma relação com o rio, atividades que envolvem a pesca e construções de embarcações, destarte, configurando uma forma específica de moradia urbana, que não exclui as práticas do viver ribeirinho.

Depoimento Senhora Creusa

Para as crianças nos hotéis…

Foto: Level. Inaê N. 2012 bairro Triângulo

Pois é tem esse pedacinho onde os bichinho jogam bola e o jeito é correr porque não tem opção de brincar de nada, vamo correr um atrás do outro e disse que ainda ia chamar os menino disse que ia fazer uma reunião com os meninos ela juntou os meninos tudo lá na frente (do hotel) e foi conversar que não era pros menino correr que ia quebrar a fachada, lá o vidro é caro ela fala. Mas se quebrar a Santo Antônio Energia paga, é eu falei, o netinho dele tava jogando bola aquelas bola de leite aí pegou na vidraça a mulher deu um grito que não podia jogar uma criança pequenininha, eu acho que tem um ano teu neto Célio, da Diana o menino tava brincando não podia não minha filha,  se quebrar um vrido desse isso aqui não é por conta da Santo Antônio Energia mas tá tudo pago! Mas eles vão pagar o vidro se nó quebrar nós quebra eles vão pagar porque que  ela não disse que tem criança as família? Não só vamo alugar pra quem não tem criança (Creusa, 2012).

Depoimento Senhor Martins

Foto: Cunha, Eliaquim T. da.. 2012. Bairro Triângulo.

O que foi que esses engenheiros chegaram aí, acostumados a trabalhar com água parada, com água clara, não é uma; agua dessa que é suja porque vê que esse nome o rio Madeira ele é tão diferenciado como eu já fiz essa pesquisa porque todos os redemoinhos dos rios, de mar é de cima para baixo o do Madeira é ao contrário ele é de baixo para cima é por isso que a nossa água é barrenta você pega a água do Madeira põe num copo com dois minutos tem dois dedos de lama no fundo do copo agora eu pergunto a você será que essa água é igualmente as outra águas que eles são acostumados a fazer hidrelétrica? Por que eles não chegaram aqui, não fizeram um levantamento com os ribeirinhos, principalmente as pessoas mais antigas, pra fazer uma palestra pra depois partir para a obra não eles chegaram, porque estudou meteu a mão e fez o que quiseram hoje tá aí a calamidade pública como eu ouvi na televisão um chefe aí da Santo Antônio dizer que não tem certeza se esta erosão que está acabando com os barrancos do Madeira, acabando com as casas se é depois da hidrelétrica, pelo amor de Deus para mim uma pessoa dessa não tem vergonha de dizer uma coisa dessa porque eu vivo aqui há trinta anos, nunca vi uma coisa dessa (Martins, 2012).

 Depoimento Senhor Souza

Foto: Cunha, Eliaquim T. da. 2012. Bairro Triângulo.

Isso começou tem uns quarenta dias esse banzeiro, começou forte, foi quando eles abriram as comportas meu terreno era ali naquele mato pra aquele outro mato ali esses terreno todo. Eu moro aqui há 27 anos aquele senhor ali ele mora há 65 anos ele mora ali naquela casinha, dono desse sítio todinho aí. Todo dia ele vinha aqui olhar isso e ele dizia é verdade, eu nunca vi isso na minha vida. Ninguém nunca viu isso e eles [o consórcio] ficam aí dizendo tem até uma cópia deles da imprensa dizendo que é um fenômeno, é não sei o que. Por que esses cara não assumem de uma vez?

Aqui no vizinho veio um engenheiro deles (da Santo Antônio Energia) aí e eu perguntei: doutor isso aí náo vai dar problema pra nós? Ele disse não, a Santo Antônio Energia ela é mundial! Ela não é só no Brasil. Ela não vai fazer uma coisa pra dar prejuízo para ninguém. Aí com uma semana começou. Eles abriram as comporta e tá aí, meu amigo. Ali era um depósito e um banheiro. O cara veio medir hoje o meu terreno, ele nem mediu. Eu pergunto: eu não sei o nome de ninguém. Eu não sei nem o nome das pessoas que tão fazendo isso. A mulher da Santo Antônio Energia veio e disse: Seu Francisco, o senhor não pode estar. Aqui a sua casa tá lacrada. Me diga uma coisa: a senhora é funcionária aqui? Ela disse é! Pois é, eu não sou. Eu vivo disso aqui (construir canoas). Essas canoa tá tudo quebrada, quebrou tudo com o banzeiro. Olha essa aqui, quebrou caverna eu já arrumei. Descalafeta e ela vai pro fundo, olha caverna nova. E isso aqui quebra tudinho. Descalafeta e ela alaga. Todas essas canoa foi alagada e eu sou quem faço. E as pessoas que são dono das canoa, moram no centro, que gostam de pescar aí deixa aqui comigo. Eu tomo conta. Agora botaram tudinho pra mim arrumar. Já tem duas vezes que essa mulher vem aqui. Mas ela ouve. Esse aqui é o meu trabalho! Agora vai cair esse pé de árvore é lá em cima daquele depósito. Eu tô deixando ali é motor, que levaram um bocado de coisa da gente praquele depósito deles lá. Mas nós temos motor aqui, três motor. Aquela canoa ali é minha. Eu já arrumei umas duas que tão mais pra lá, ainda tem essa aí pra arrumar e tem a que eu tô fazendo, que é encomenda lá do rapaz, do centro da cidade. Todo mundo gosta de pescar. É aquele esporte que todo mundo gosta. E nós tamos aqui. E agora eu peguei um papel da imprensa, dizendo que vão fazer essa barreira. Isso não vai adiantar nada, com pedra. Até porque se fosse no verão que tivesse começado, como ali na fogás. Cê vê que inda foi drenado ali. O rapaz que trabalha nas comportas é vizinho do meu filho ele vem aqui com meu filho quando é dia de domingo. Ele disse: Seu Sousa o senhor vai ter que sair daqui. Eu digo por quê? Ele disse: primeiro: essa hidrelétrica ficou muito em cima da cidade. Segundo: se essa beirada eles não aterrar, não drenar, isso vai causar um problema, ele disse. Olha quando aquelas comportas tiverem funcionando, todas elas. Eu não vou colocar um mês pra elas (as águas) tarem aqui nessa terra firme aí. Então tá aí. Tamoa 40 dias na desgraça. Eu moro aqui a 27 anos. Ninguém nunca viu isso. Eles ficam dizendo que isso é um fenômeno. Tá no papel aí eles falando que o Ministério Público de RO já sabia que isso aqui era área de risco. Nós tamos prejudicado sem saber. Eles colocaram a gente no hotel. Tudo bem, tão dando comida pra gente lá. Mas o nosso transporte, tamo pagando pra vim pra cá. Os nossos aluno tão parado. Parece que hoje foram lá no hotel que eu tô, nós estamos, um bocado do povo, os vizinho disse que amanhã vai ter ônibus pra todos os alunos. Quer dizer, ônibus vai ter que ter, que tá tendo aula e a gente aqui nós íamos no centro aqui perto sem pegar um ônibus. Agora se nós ganhar uma moradia, que eu espero que a gente ganhe, porque não é possível eles indenizaram todo mundo ali (a margem esquerda), ali pra cima, pra baixo. Eu espero que seja bem próximo da cidade mesmo. Isso é que eu expliquei aqui hoje pra eles. Aí vou sair daqui, meus freguês não vão me procurar pra onde eu vou (Souza, 2012).

A Usina e o Triângulo: ponto originário ou ponto final de Porto Velho?

 Ao conceder a Licença de Operação (LO) da UHE, em setembro de 2011, o IBAMA, em sua condicionante 2.11, solicitou estudos adicionais detalhados que proporcionassem prognósticos erosivos e medidas mitigadoras e compensatórias decorrentes. O “acidente” ocorreu pouco antes de findar o prazo de entrega desses estudos e programas.

Em relatório técnico e respectiva nota à imprensa, o Consórcio Santo Antônio Energia (SAE), alega “ser difícil concluir que a operação da usina tenha provocado o desbarrancamento em questão no bairro Triângulo.” Realmente tem sido muito mais fácil para os Consórcios se eximirem dos custos externalizados invariavelmente sobre o meio ambiente e sobre as comunidades que vivem imediatamente nele.

Ao longo de cinco quilômetros abaixo do reservatório, 570 mil m³ de rochas, o equivalente a “cinco Maracanãs”, foram utilizados para conter e estabilizar momentaneamente a margem direita do rio Madeira, já na zona urbana de Porto Velho. Essas firmes e generosas barrancas por décadas abrigaram centenas de famílias “beiradeiras”, marginalizadas socialmente, mas plenamente integradas a um meio socioambiental único, conformado por usos e saberes compartilhados, baseado na pesca e no agroextrativismo tradicionais. Já o relatório referido, no afã de desresponsabilizar a SAE pelo dano ambiental e social irreversivelmente consumado, culpabiliza as próprias vítimas, declarando que foi sua “irregularidade ocupacional”, em “área de risco”, é que trouxe insegurança a seus ocupantes, “ independentemente da operação da UHE de Santo Antônio”. Ressalta ainda que é notória a “total precariedade das construções ribeirinhas “por não respeitar” normas específicas de edificação exigidas pela legislação.” Quanto às normas para edificação da própria hidrelétrica, a ordem unida nas três esferas governamentais é: flexibilizar e relaxar. O que deveria ser fato suficiente, entre outros, para suspensão da LO e objeto de infração ambiental proporcional à magnitude do desastre promovido, converteu-se em acordo extrajudicial, um Termo de Ajustamento de Conduta em que a SAE se compromete em remanejar provisoriamente a população atingida, enquanto o IBAMA é instado a ser adimplente com seu papel fiscalizador e vistoriador.

A Prefeitura de Porto Velho, por sua vez, conta com aportes financeiros e logísticos adicionais do Consórcio para acelerar seu programa de incorporação imobiliária da área, através de dois projetos contíguos: “Igarapé Grande” e “Parque das Águas”. Sob pretexto de promover a urbanização, saneamento e criação de uma zona turística na cidade, a Prefeitura e SAE conjugam esforços para regularizar um extenso processo de limpeza étnica e higiene social da cidade, consagrando assim a vocação de Porto Velho enquanto cidade-apêndice dos fluxos econômicos predominantes.

Resguardar as origens e sua própria memória, significa não abrir mão de projetar seu destino como coletividade, especialmente quando o mesmo se torna refém dos interesses das empresas controladoras das Usinas. É o que está em jogo no Bairro Triângulo, ponto originário ou ponto final da cidade, entre o rio Madeira e EFMM.

Fonte: “Relatório de Acompanhamento Ambiental de Acompanhamento de Processos erosivos a  Jusante do Barramento e Operação dos Vertedouros. UHE. Santo Antônio.PCE/SAE: Fevereiro de 2012”.

Luis F. Novoa Garzon: Professor do Dep. C. Sociais/UNIR, Doutorando IPPUR-UFRJ, coordenador do Núcleo Rondônia do Projeto.

Paula Stolerman. Graduada em Ciências Sociais e Mestranda em Geografia/UNIR

Inaê Nogueira Level Graduanda em Ciências Sociais/UNIR.

Daniela Moreira Graduada Ciências Sociais /UNIR.

Estefânia Monteiro Graduanda em Ciências Sociais/UNIR.

Eliaquim T. da Cunha Graduado em Ciências Sociais/UNIR.

Grupo de Pesquisa Poder e Políticas públicas nas bordas da Amazônia(GPPAM), do Departamento de Ciências Sociais/UNIR [email protected]

Comments (2)

  1. Acabo de encaminhar seu comentário para ele, com seu e-mail. Suponho que ele entre em contato consigo. Também sugiro a hipótese de você dar uma olhada no Mapa de Conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil (http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/) e no blog de Telma Monteiro (link neste Blog). Boa sorte! Tania.

  2. Boa tarde,
    Como ter acesso aos originais do Prof Novoa?
    Sou mestrando em Administração e tenho como tema os Conflitos Socioambientais inerentes ao Complexo do Madeira.
    Grato
    eduardo

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