Carta Aberta da RENAJU a Teresina

A formação das cidades brasileiras está interligada ao desenvolvimento do transporte público. De 1940 a 2000, a população urbana teve um crescimento de 135 milhões de habitantes. Formaram-se as grandes periferias, regiões afastadas do mercado de consumo e trabalho. A lógica da formação da cidade brasileira está imbricada à dependência da classe trabalhadora aos centros comerciais. Nesse contexto, a classe patronal, detentora dos meios de produção, potencializou a espoliação da classe trabalhadora, apropriando-se da função social do transporte público, restrigindo-o tão somente ao transporte do operariado ao trabalho. Hoje, o ranço dessa lógica permanece no país. Contudo, com um novo recorte: atualmente, o transporte público é uma verdadeira máquina de lucro. O alto valor das tarifas cobradas para termos acesso ao transporte coletivo – e não público- é mais uma forma de exploração da classe trabalhadora e estudantil.

Em 2012, iniciamos o ano com o aumento do valor da tarifa do transporte publico em várias cidades do pais e devemos todos nos perguntar: Este aumento me afeta enquanto indivíduo? E enquanto membro da sociedade? Afinal, qual a importância do sistema de transporte público e, principalmente, da luta por melhores e mais justas condições da infraestrutura deste serviço público?

Para alguns, pode-se viver uma vida sem utilizá-lo, para outros constitui verdadeira condição para usufruto do espaço urbano. Fato é que o transporte público é expressão do direito de ir e vir e do direito à cidade para todos, independentemente do poder aquisitivo. Além da tremenda importância social, exerce grande impacto sobre o mercado, haja vista que é a forma mais comum de deslocamento dxs trabalhadorxs ao local de trabalho.

A despeito de sua importância sócio-econômica, observa-se no Brasil um profundo descaso com o sistema de transporte público, com as tentativas de mercantilização deste serviço. E isto é realizado das mais diversas formas: desde o aumento da tarifa, passando pela precarização do serviço, as manobras do lobby de empresários e seus jogos de interesses com o Poder Público.

Os usuários de transporte público beneficiam toda a sociedade, uma vez que este serviço possui baixos custos sociais relacionados ao transporte (poluição, trânsito) em comparação às frotas de automóveis. No entanto, é justamente sobre nós que os impactos da lógica mercantilista do transporte ressoam mais forte. E é precisamente por isso que a luta contra a precarização e mercantilização deste serviço público é tão importante e é de toda a sociedade.

Os protestos de estudantes e trabalhadorxs de Teresina contra o aumento da tarifa de ônibus, embora legitimado pelas garantias constitucionais sobre as quais está fundado este pretenso Estado Democrático de Direito, sofrem uma dura repressão das forças governamentais. Seja através da Polícia Militar, de grupos de seguranças privados contratados pelos empresários da SETUT ou da mídia hegemônica, a repressão brutal (que inclui agressões à estudantes, prisão de inimputáveis, intimidações e outras formas mais ou menos sutis de violência estrutural) é a exposição de uma realidade na qual a economia (a lógica do mercado e da concorrência) se naturalizou como ideologia hegemônica – se impondo a todos os setores da vida social e individual – ao custo dos princípios elencados na Carta Magna.

A democracia não é uma coisa pronta e acabada, e sim um processo dinâmico e frágil que deve ser defendido enquanto conquista humana. A Constituição Federal de 1988 garante a livre manifestação do pensamento e o direito de reunir-se em locais abertos ao público, independentemente de autorização. Dadas as atuais condições de opressão e espoliação, a mobilização e os protestos de estudantes e trabalhadorxs da capital do Piauí constituem verdadeiros atos democráticos contra um discurso unilateral e fascista que se apropria dos instrumentos estatais para, ao custo da sociedade civil, garantir privilégios para uma elite vetusta e criminosa.

Desse modo, os movimentos sociais representam a potencialidade que mulheres e homens têm em se organizar e construir coletivamente uma sociedade verdadeiramente popular. Apesar de existirem diversos tipos de movimentos sociais, apenas alguns realmente ganham dimensão e expressividade, notadamente aqueles que têm um caráter emancipatório e que expõe à sociedade as brechas e contradições do sistema capitalista.

Diante do cenário brasileiro de exploração do homem pelo homem, Teresina não poderia continuar calada. A mobilização em torno da defesa de transporte público de qualidade desmacara o sistema que está posto, na medida em que denuncia a máfia entre a prefeitura e os empresários do SETUT, o aumento desmedido da tarifa de ônibus, a instalação de um sistema de integração, que de integrador só possui infelizmente o nome.

Quando estudantes, trabalhadores e entidades se organizam para denunciar as mazelas que o povo teresinense está sofrendo, atacam diretamente o sistema e os interesses hegemônicos de poder. Assim, políticos e empresários buscam seus meios e armas mais eficazes de defesa.

A grande mídia se apresenta, por excelência, como instrumento da ideologia dominante e em Teresina, está tendo um papel destacado na criminalização do movimento, adjetivando os militantes de baderneiros e bandidos, facilitando a criação de um falso consenso na sociedade local de que o movimento é ilegal e de puro vandalismo.

Nesse sentindo é que a Rede Nacional de Assessorias Jurídicas Universitárias (RENAJU), levando em consideração sua trajetória de lutas e a busca incessante pela emancipação popular, compreende como ato fundamental o repúdio a este conjunto de opressões e de truculências governamentais que vem sendo implementados sobre os estudantes e trabalhadorxs teresinenses!

Somado a isso, a RENAJU se solidariza com este movimento combativo construído na luta popular, que se opõe a exploração cotidiana da classe trabalhadora e estudantil, que denuncia como o governo trata o seu povo!

Solidariza-se, em especial, com os companheirxs da Rede Estadual de Assessoria Jurídica do Piauí (REAJUPI), composta pelos núcleos CORAJE, MANDACARU, CAJUÍNA E JÁ!

Porque defender um transporte público de qualidade, combater a exploração humana, gozar de liberdade de manifestação e lutar por direitos não é crime!

Enviada por Isabel Souza.

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