Leonardo Sakamoto
O uso da força é um instrumento político. É claro que devido à sua natureza, se utilizado, deve ser apenas em circunstâncias extremas, pois tende a ser uma faca de dois gumes. Pode contribuir para alcançar um objetivo, mas também gerar impactos negativos sobre a imagem de determinado grupo junto à sociedade. Mas é uma alternativa, muitas vezes desesperada, diante da incapacidade do poder público de agir diante do desespero alheio. Ou, pior, quando o Estado é ele próprio agente de desrespeito aos mais fundamentais direitos.
O diálogo e as vias legais devem ser a primeira opção e, se possível, a única. Mas nem sempre o outro lado, hegemônico, está disposto a negociar – principalmente, se isso significar perda de regalias (note-se que não falei de perda de direitos, mas sim de regalias). Muitos diálogos terminam em muros intransponíveis pelas vias legais. E, vale a pena lembrar, muitas das leis que impõem desigualdades foram implantadas pelas classes sociais mais abastadas da sociedade, através da ação de seus representantes políticos em parlamentos.
Desigualdades que, sobrepostas e reafirmadas ao longo do tempo através de instituicões como igrejas, mídia, escolas, enfim, os instrumentos à mão, transformam exploração em tradição. O explorado esquece a razão da exploração e acaba aceitando-a, mais ou menos na linha do “Deus quis assim” ou “a vida é assim mesmo”. E, antes que eu me esqueça, maldito homem cordial brasileiro! Pessoa do deixa-disso do pára-com-isso, que não bate-boca, que não debate porque lhe foi ensinado que isso é feio. Com isso, não evolui, nem ajuda a evoluir.
Por essas e por outras, creio no poder da desobediência civil.
Para fugir da barbárie, cedemos ao Estado o uso da violência. Mas o próprio Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), tomado, cooptado ou parceiro de alguns grupos sociais, é instrumento de repressão social. Nesse caso, recorrer a quem?
Jovens ingleses desempregados, sem esperança e perspectivas, sob uma longa recessão econômica e uma polícia despreparada para ligar com protestos, iniciam uma revolta e são chamados de vândalos. A polícia do Rio Grande do Sul mata um trabalhador rural, que procurava terra para plantar, e os sem-terra é que são vândalos. A Justiça despeja centenas de famílias humildes de um terreno em São Paulo, que procurava um lar, e os sem-teto é que são vândalos. Jovens ricos criam bandos para espancar e matar moradores de rua, e a população de rua, que procura simplesmente existir, é que é vândala. Grandes obras de engenharia superexploram trabalhadores em nome do progresso, usando até trabalho escravo, e operários, que procuram o mínimo para ter dignidade, se cansam de tudo e resolvem por tudo abaixo é que são vândalos. Fazendeiros invadem terras indígenas no Mato Grosso do Sul e prometem bala para quem cruzar a cerca, e os indígenas que moravam ali, e procuram ser eles mesmos, é que são vândalos.
Uma ocupação por sem-terras de uma fazenda improdutiva, que desmate ilegalmente ou que use escravos, uma tomada por sem-tetos de um prédio mantido fechado por especulação imobiliária, a reconquista de uma terra indígena utilizada ilegalmente por uma fazenda de cana, a resistência à expulsão de comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas, que sairiam para dar lugar ao “progresso” e ao “desenvolvimento”, são ações necessárias para fazer valer o direito à vida de muitas populações. O que é pior? Ter uma fazenda que cultiva vento ou crianças se alimentando decentemente através da mesma terra? Ah, mas agora tem o Bolsa Família. Sim, claro, e ser alimentado ad infinitum por não conseguir obter o sustento com as próprias mãos é o sonho de todo brasileiro.
Nesse ponto, ações usando a força devem ser consideradas como legítima defesa e não como violência gratuita. Da mesma forma que uma ocupação em praça pública no Egito, que impeça o país de funcionar normalmente enquanto um ditador não deixar o poder. Ou o bloqueio de rodovias que chegam a La Paz, enquanto os direitos de populações tradicionais não forem respeitados. E até mesmo a resistência contra o salve-se-quem-puder do capitalismo global, atormentando a vida do mercado financeiro em Wall Street, em Saint Paul ou na ruas de Roma.
Muitas vozes se levantam para reclamar da “violência” resultante dessas ações, mas se calam diante de massacres, chacinas e genocídios que ocorrem diariamente. Afinal de contas, é uma ação necessária contra povos bárbaros que usam facões e foices, enfim armas de destruição em massa. Ou contra jovens que resolveram, de uma hora para outra, questionar o que eles são muito novos para entender – como ordem, hierarquia e tradição. Valores de uma civilização representada por fuzis, colheitadeiras, motoserras, terno e paletó que, mais cedo ou mais tarde, vai ter que mudar.
Ou não vai sobrar muito para os “vencedores” se lambuzarem.
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